A experiência inédita de ser hétero em um 'bloco gay'

Repórter do CORREIO saiu em quatro dias do Carnaval com a multidão que segue as divas do público LGBT

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  • Vitor Villar

Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Amigo hétero, deixa eu falar: bloco gay é bloco como outro qualquer. Tem pegação, gente bebendo, se empurrando, curtindo de maneira desenfreada. A partir do momento em que você aceitar que homens e mulheres curtem beijar pessoas do mesmo sexo – e que isso é direito delas –, o que sobra? Um bloco igualzinho aos demais.

Dito isso, é óbvio que, pelo fato de ser um homem hétero e ter saído por quatro dias neste Carnaval em blocos LGBTQIA+, vivi situações inéditas e que, com certeza, nunca viveria. Não sei como você se sairia, mas me saí bem, sem traumas.

Na sexta, desfilei no Blow Out, de Claudia Leitte, na Barra. Após uma entrevista, me vi “queixado” pela fonte. “Você é muito lindo. Tem namorado?”, disse o folião. Dei risada e, cheio de constrangimento, respondi: “Tenho namorada”. “Ah, você é hétero? Que pena! Ia arrasar no bloco”. Agradeci, dei risada e fui embora.

A experiência foi me surpreendendo a cada dia. No sábado, teve Coruja, com Ivete Sangalo, na Barra. Queria me afastar do aperto na frente do trio. Colei num cara que também tentava escapar. Falei: “Velho, juntos a gente abre espaço”.

Deu certo. Escapamos do alvoroço e demos risada: “Velho, bloco de Ivete é muito foda”, disse ele. Na hora de agradecer, levantei a mão para aquele toquinho de brother. O cara até retribuiu, mas me puxou e me deu um beijo. Na bochecha.

Foram segundos de total constrangimento. Meu e dele. Para quebrar o clima, iniciei a entrevista. Era Abas Matos, de Vitória da Conquista. “Acredito que não tenha definição (se o Coruja é gay). Não importa a orientação da pessoa, quem gosta da cantora vem por causa dela”, respondeu.

Veio a terça e fechei o Carnaval com Claudia Leitte, no Largadinho, na Barra. Um cara berrou no meu ouvido, do nada: “Você é maravilhoso”. Na boa, o que você faria? Eu fiz um sinal de joia e segui meu rumo. Pouco depois, um folião passou e virou um copo de água no meu peito. Quando viu o crachá, pediu desculpas. Eu respondi: “Relaxa”. Repórter do CORREIO posa para foto dentro do bloco Largadinho (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Na hora do aperto, do qual falei um pouco antes, senti pegarem na minha bunda ou gente passando a mão no meu cabelo. Um cara virou o meu rosto – não sei se para exibir sua beleza ou para dar uma conferida em mim. Não sei. No final, só ele sabe. E é algo que se vê o tempo todo em blocos héteros, não é?

Preciso dizer: em momento algum fiquei irritado ou ofendido. No máximo, envergonhado. Tampouco me senti vulnerável ou ameaçado. Só tinha homem ali.

Aos poucos, aprendi com as situações constrangedoras. Saí também na pipoca de Anitta e no bloco O Vale, de Alinne Rosa. Neste, o abadá tinha versões com bananas, pêssegos ou ambos. Perguntei ao folião Diego Ramos o que aquilo significava: “Banana é o cara ativo, pêssego é passivo. E pode ser os dois”. Vivendo e aprendendo.

Um amigo de Diego me fez A pergunta: “Tem namorada ou namorado?”. “Namorada”, respondi. Ele veio na brincadeira: “Pena, você é muito lindo. Você me entrevistou e fiquei com o bico do peito duro”. Entrei na onda: “Foi? Deixa eu ver”. Fui lá e peguei no peito do cara. “Que pena, era mentira. Você tá mole ainda”. Caímos na risada e fizemos uma selfie. O CORREIO Folia tem o patrocínio do Hapvida, Sotero Ambiental, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e apoio do Salvador Bahia Airports e Claro