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A fé que costuma falhar

  • D
  • Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2022 às 05:09

. Crédito: .

Leon Festinger foi o criador da expressão dissonância cognitiva. Em seu livro When Prophecy Fails, num dos casos descritos, uma mulher em Michigan havia relatado ter recebido mensagens de alienígenas dizendo que o mundo se acabaria em 21 de dezembro de 1954, e que os extraterrestres iriam buscar os “escolhidos”. Várias pessoas se juntaram em orações, aguardando a abdução. O mundo não acabou e nem apareceu alienígena nenhum. Em vez de considerar a mulher uma mentirosa, as pessoas acharam que a rede de orações havia postergado o fim do mundo, e passaram a aguardar uma nova data.

Recentemente, li uma reportagem da BBC sobre Julie Lindahl, brasileira neta de alemães. Além de descobrir o passado nazista de seu avô, ela relatava, em entrevista, que a avó defendia que o holocausto não havia acontecido, e que era um complô internacional para prejudicar a imagem da Alemanha.

Festinger cita também as religiões que esperam a volta de Jesus. Quanto mais ele não vem, mais renova-se a fé de que ele virá. A fé inabalável, seja numa religião, num complô, num milagre, é “negar uma realidade para preservar uma visão de mundo”, como diz John Gray em seu livro O silêncio dos animais. Por mais estapafúrdia e totalmente comprovada a farsa, com documentos, evidências e provas, a pessoa entra em uma dissonância cognitiva que a cega totalmente.

Recentemente, um tuíte meu teve seus 15 minutos de fama, sobre as agressões sofridas por Flora e Gilberto Gil no Qatar. Gente cheia de rancor e ódio foi à postagem comentar disparates e mentiras sobre o grande artista brasileiro. Muita gente comentou que Gilberto Gil não tinha feito nada pelo Brasil. Um artista que elevou o prestígio nacional absurdamente, com suas premiações internacionais, plateias lotadas ao redor do mundo, poderia não ter feito nada pelo Brasil na exata medida que os Beatles não fizeram nada pela Inglaterra.

Mas Gil foi além, pois contribuiu não só com sua arte, mas com sua visão de mundo e da cultura sendo um ministro reconhecido internacionalmente, e que deixou saudades de sua passagem pelo Minc. Não enxergar a importância de Gil para o país, para além de uma ignorância e estupidez profundas, é exemplo claro da tal dissonância cognitiva.

Alia-se a isso o famoso folclore em torno da Lei Rouanet.

A lei, criada durante o Governo Collor, sempre criticada pela esquerda brasileira por ser uma lei que deixa às gerências de marketing de grandes empresas a decisão sobre a destinação das verbas da cultura, advindas de isenção fiscal, virou um estigma e um peso justo para a esquerda.

Pela ignorância e descaso com a cultura, óbvio que a extrema direita não teria condições intelectuais de elaborar uma crítica minimamente aceitável sobre a questão das artes e da cultura. Então, se agarraram à mentira de que os artistas brasileiros que apoiam a esquerda são todos mamadores da teta do erário, através da Rouanet, e por isso apoiam tal candidato ou partido.

O atual governo passou 4 anos destruindo com a cultura e com o que restou do falecido Ministério da Cultura. Com o poder nas mãos, eles poderiam ter feito auditorias, investigações profundas na Lei Rouanet, para prender, ou ao menos expor grandes artistas a falcatruas, desvios de verba, superfaturamentos. 4 anos se passaram, e nenhum dossiê,nenhuma CPI, nenhuma investigação nem denúncia estourou.

Mas sabe o que as pessoas comentaram em meu tuíte? Que Gil, assim como Caetano, Chico e tantos outros, eram beneficiados ilegalmente e superfaturadamente pela lei Rouanet. As provas? Memes. Nenhuma reportagem séria, sequer um link minimamente merecedor de crédito.

Os mesmos que se calaram quando estourou a bomba dos cachês astronômicos de cantores sertanejos, como já por duas vezes escrevi aqui. Isso sim, com farta documentação provando quem realmente vem mamando.

Tal qual citado no início do artigo, a dissonância cognitiva desse povo coloca todo mundo numa realidade paralela. Você pode mostrar provas, evidências, links, reportagens, que não vai convencer a pessoa.

Assim como no caso das manifestações golpistas, sobre as quais escrevi no último artigo, essa gente vive sob um desvio intelectual e de caráter, alimentada por teorias conspiratórias, ameaças e complôs fantasiosos, e atacando muitas vezes o melhor deste país com mentiras, calúnias e difamações. É uma luta inglória contra pessoas que, muitas vezes, se dizem cristãs, cujo princípio mais bonito é o amor ao próximo, mas vivem num ódio cego que gera surtos de violência, intolerância e revolta.

Ao contrário da emblemática canção de Gilberto Gil, a fé dessa gente costuma falhar. A fé no que eles deveriam realmente crer, e a fé no que eles realmente creem. Um déficit cognitivo faz com que essa fé equivocada evidencie uma falha de caráter, de compreensão da realidade; e bate um desespero. Às vezes, parece que perdemos ⅓ da população como seres minimamentes pensantes e críticos do país, para virarem zumbis da farsa, pregadoress do charlatanismo, arautos das fake news.