A homenagem que Cira viu do céu: estátua de 3,5m faz sucesso no Rio Vermelho

Autor da obra, André Fernandes reciclou 5 mil garrafas e demorou três meses para concluir a estátua

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 16 de fevereiro de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil

A ideia era fazer da imagem dela uma homenagem para todas as baianas de Acarajé. 5 mil garrafas plásticas foram ressignificadas: eram lixo na praia e se tornaram uma obra de 3,5 metros. Assim como ela fez por onde passou, levando vida, sabor e bons momentos para o entorno de suas barracas de Acarajé. Ela, aqui, é Jaciara de Jesus Santos - ou simplesmente Cira do Acarajé. Falecida no dia 5 de dezembro do ano passado, Cira não chegou a ver a estátua feita pelo artista plástico André Fernandes em sua homenagem.

Ao CORREIO, André conta que a ideia era fazer uma surpresa para a matriarca. Na época, ela já estava internada no Hospital São Rafael, onde passou 18 dias até falecer com problemas renais. 

André demorou três meses até concluir a obra. Uma semana depois de instalar a estátua no Largo onde Cira fez parte considerável de seu nome, ela faleceu. Foi um golpe pesado para o artista:  "fiquei extremamente triste e chorei quando um amigo me ligou pra dar essa triste notícia".

A escolha de Cira para representar todas as baianas aconteceu por conta do legado construído pela quituteira. Ela trabalhou fazendo acarajé por mais de meio século - tendo iniciado no ofício logo aos 17 anos, quando a mãe deixou para ela um ponto de acarajé e ela precisou ralar para criar os quatro irmãos.

Cira dizia que tudo que construiu era feito de acarajé. Sempre com sorriso no rosto, agradecia todo o sucesso que fez com baianos e turistas - recompensando o trabalho suado que iniciava antes mesmo de colocar as roupas: passou anos carregando sacos de feijão na cabeça e tocando todo o negócio sozinha."Cira significa beleza, axé, amor pelos seus e pela Bahia. Deixou-nos um  egado: de que tudo é possível quando se tem coragem e determinação para conquistar um lugar ao sol. A escultura em homenagem a ela que passar justamente essa mensagem, de superação", afirma André.Apesar da própria Cira não ter visto a homenagem, todas as suas filhas são testemunhas do sucesso que a obra já faz no Rio Vermelho. Uma delas, Jussara, afirma que todo o mundo recebeu com muita alegria e sempre que está no ponto e olha para a estátua consegue sentir a presença da mãe por ali.

Ela diz que a estátua é sucesso: "quem passa aqui para pra tirar uma foto". Esse chamego com a imagem de sua mãe aquece o coração de todos os cinco filhos e 8 netos que a baiana teve.

O cheiro do dendê fervendo e o barulhinho que o tacho faz enquanto frita os bolinhos de feijão já seriam mais do que suficiente para trazer à tona a memória e boas lembranças de Cira. A imagem potencializa tudo isso e deixa claro que, mesmo com a passagem da vida como conhecemos, ela ainda está ali: vigiando, cuidando e dando bons momentos a quem tem a sorte de passar por lá.

Sustentabilidade Todo o material reciclável utilizado para construir a estátua de Cira foi catado nas praias de Salvador. Fruto do Projeto Praia Limpa, idealizado pelo próprio André Fernandes em 2014. A primeira obra do projeto foi um bandeirão para a Copa do Mundo que aconteceu no Brasil há sete anos. 

Cria do Nordeste de Amaralina, André fez uma bandeira do Brasil com 100 mil tampinhas. A obra ficou exposta na Fonte Nova durante a Copa vencida pelos alemães. Dois anos depois, fez um Bandeirão Olímpico, um imenso painel com as bandeiras dos 205 países que participaram dos Jogos Olímpicos de 2016, que reuniu 300 mil tampinhas. O bandeirão pesa cerca de 300kg e demorou seis anos para ficar pronto.

O projeto conta com cerca de 35 crianças, que recolhem lixo na praia e também recebem a colaboração da própria comunidade, que doa o material para que os artistas façam arte.