A hora de berrar um “basta!”

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  • Paulo Sales

Publicado em 26 de abril de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Em A Cartuxa de Parma, de Stendhal, o jovem idealista Fabrice Del Dongo resolve se juntar às tropas de Napoleão Bonaparte na guerra contra a Inglaterra e seus aliados. Ingênuo e sem experiência militar, Fabrice vai parar em pleno campo de combate. Vagueando sem rumo entre corpos tombados, não fazia ideia de que presenciava a Batalha de Waterloo, um dos acontecimentos cruciais da farta história bélica europeia, responsável pela derrocada do imperador francês.

As desventuras do jovem Fabrice poderiam muito bem simbolizar o que acontece quando nos deparamos com marcos históricos no exato momento em que acontecem. É fácil perceber a relevância, para as gerações futuras, de determinados episódios, como os atentados do 11 de Setembro ou a queda do Muro de Berlim. Outros são menos perceptíveis no calor da hora. Afinal, nem sempre acontecem de maneira abrupta, e sim num crescendo, como um tsunami visto de longe.

Hoje mesmo conversava com um amigo sobre o filme O Pianista, de Roman Polanski. E comentava sobre cenas que mostravam como o horror nazista não apenas se anunciava, mas já se consumava. Numa delas, o personagem principal, o pianista judeu Wladyslaw Szpilman (vivido por Adrien Brody) tenta salvar uma criança que fugia por um buraco num muro. Outras mostram soldados da Gestapo jogando pela janela um deficiente físico e uma moça levando um tiro à queima-roupa ao reclamar dos excessos da polícia nazista. Szpilman só pareceu se dar conta da barbárie no momento em que a criança que tentava salvar morreu nas suas mãos.

E quanto a nós, brasileiros? Fico me perguntando quando nos daremos conta do que ocorre hoje no Brasil. Não estou comparando, evidentemente, o atroz cenário atual do nosso país com a Alemanha sob Hitler – não existe na trajetória humana algo tão aterrador. Apenas tento estabelecer um elo que me parece fundamental. Qual será o momento em que vamos berrar um “basta!” contra o que se desenrola diante da nossa inócua perplexidade? A Europa adiou ao máximo e sabemos no que deu.

O que falta para que a indignação estéril dê lugar a uma reação organizada, um movimento de repulsa coletiva à corja que ocupa os postos mais altos do poder executivo federal? Não é difícil perceber que a insânia só cresce e se radicaliza. Que a matança da população por um vírus devastador é estratégica. Que a destruição de um dos biomas mais ricos do mundo é deliberada. Somos um povo ruim, é isso? Não, claro que não. Talvez sejamos apenas obtusos, incapazes de reconhecer os sinais de alerta no momento em que são emitidos. E não foram poucos em 2018.

A verdade é que não estamos sozinhos nessa. Ao longo da história, tiranos de maior ou menor envergadura alcançaram o poder sob as graças dos seus povos. Fosse através de um golpe de estado ou via eleições legítimas. Hitler, Mussolini, Franco, Mao, Stálin, Pol Pot, Pinochet, Videla, Idi Amin, Trujillo, Milosevic, Saddam e Gaddafi são alguns tipos desprezíveis que atravancaram o curso do século 20. Se marcharmos rumo a tempos mais remotos encontraremos muitos outros.

Essa é a nossa sina? Estamos condenados a repetir indefinidamente os erros do passado? O mundo realmente avança em espiral, com retrocessos à nossa espera em cada curva? Fico com Eric Hobsbawm, que nos legou a seguinte reflexão ao final de Era dos Extremos: “Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão”.