A Matemática da Pandemia

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  • Horacio Hastenreiter Filho

Publicado em 22 de setembro de 2020 às 04:50

- Atualizado há um ano

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Que os brasileiros não se dão bem com a matemática, não é nenhuma novidade. As dificuldades são trazidas do ensino fundamental. No ranking do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), o Brasil ocupa a última posição entre os países sul-americanos, ao lado da Argentina, e mais de dois terços (68,1%) dos estudantes de até 15 anos não possuem nível básico de matemática. Desse modo, é compreensível que a maioria tenha dificuldade em significar e imputar corretamente a responsabilidade pelas mais de 130.000 mortes já registradas no país até o momento, o que se reflete no estarrecedor equilíbrio entre os que acham que o presidente tem responsabilidade e os que acham que ele não tem responsabilidade nenhuma pela marca atingida. Antes de qualquer precipitação no sentido de subjetivar os encargos, é importante que nos apropriemos de algumas considerações matemáticas. 

O processo de espraiamento do vírus em uma pandemia ocorre de acordo com uma função exponencial. Uma pessoa contamina duas, essas duas contaminam quatro e assim por diante. No entanto, se a contaminação se der a partir de uma base 3, uma pessoa contaminará três, essas três contaminarão nove e assim o vírus seguirá o seu caminho. Pois bem, essa simples diferença de base é suficiente para que, em se considerando o período de uma semana como referência para a multiplicação do vírus, cheguemos aos seguintes números após 22 semanas: no caso do número de reprodução R igual a 2, teríamos 4.194.304 pessoas contaminadas nesse período. Já na segunda situação, esse número expandiria tão mais rapidamente que, no mesmo período, seria capaz de atingir cinco vezes a população da terra (o número seria superior a 38 bilhões), desconsiderando-se o efeito rebanho que seria atingido antes. Essa simples informação já permite ao leitor mais reflexivo compreender o quanto o distanciamento social foi necessário e, ao mesmo tempo, insuficiente. Um número de reprodução R igual a 0,6, mantido durante três meses, seria bastante para praticamente extinguir a pandemia.

Outra questão que precisa ser respondida: se acreditamos na irremediabilidade dos números da pandemia, como podemos explicar as diferenças entre os números de óbitos dos países? E entre as unidades federativas do Brasil? Deixando de lado os países muito pequenos, e conjecturando apenas a partir dos países com população com mais de 10 milhões de habitantes, os 133 mil mortos brasileiros seriam quase 200.000 se a proporção de óbitos aqui repetisse a Bélgica e reduzir-se-ia a pouco mais de 50 mil mortos se chegássemos à taxa portuguesa. Restringindo a mesma análise ao próprio país, as mortes se reduziriam a pouco mais de 60 mil com a proporção de óbitos mineira e superariam os 200.000 com as taxas roraimenses. 

A agudeza da fase de pico da epidemia em algumas localidades, provocada pela precocidade da interrupção do distanciamento social ou pelo seu perene desrespeito, ceifou muitas vidas em algumas localidades do país. Vidas que poderiam ser poupadas se, em diversos períodos, os leitos e as equipes médicas não se tornassem insuficientes para as demandas. Além disso, a manutenção do número de reprodução R superior a 1 durante um período muito prolongado elevou substancialmente o número de contaminados e, por conseguinte, o de mortos.

Postas essas considerações, apoiadas pela matemática, sobra, como juízo de valor, a imputação das responsabilidades pelo cumprimento apenas parcial das medidas protetivas recomendadas. Em relação ao governo federal, o ‘faça o que eu digo e não o que eu faço’, pela simples diferença, talvez fosse suficiente para uma outra realidade. Pagamos pela trágica coerência entre discurso e ação.    

Horacio Nelson Hastenreiter Filho é professor associado da Escola de Administração da UFBA