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A pureza de sonhar o futebol

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  • Gabriel Galo

Publicado em 9 de setembro de 2019 às 05:00

 - Atualizado há um ano

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Uma das grandes faces do futebol, senão a maior é a emoção ingênua provocada pelo espetáculo. O encantamento, o deslumbramento. Só que se tem a reação de um lado, há a reação do outro: o desassossego, o desmantelo. Esporte é assim, um dia se ganha, um dia se perde, e vida que segue.

O problema passou a surgir quando a superioridade eventual de uma equipe não bastou mais em si mesma. Ganhar não é mais o suficiente: trucidar o oponente passou a ser também elemento da equação.

O monstro da subjugação veio também para atacar linhas internas. Ganhou força o torcedor de verdade, e as trincheiras foram cavadas para que um lado pudesse desmoralizar o outro tal qual sua cartilha.

A emoção preponderante, portanto e infelizmente, passa a ser não mais a de alegria, mas a de uma ebriedade pelo poder absoluto. Do beijo no ombro. De uma postura fundada no mantra de que “os excluídos serão exaltados”. Todo mundo quer uma história de superação para chamar de sua. Dá uma linda reportagem na TV, efervesce o sangue, aumenta o volume da voz e seguimos com o intestino comandando o cérebro, rumando para o abismo, incapazes de celebrar a vitória sem raiva, sem diminuir o adversário.

Na contramão, ou como foco de resistência a esta narrativa, tem a vertente que deixa a alma do futebol viva. É aquela que transforma o vilão do meio da semana no craque do fim-de-semana, em perna-de-pau no jogo seguinte.

Nesta toada, Gilberto vira Golberto, artilheiro incontestável, maior 9 em atividade no planeta. E quem há de contestar? Nino, então, vira potencial selecionável da seleção brasileira. Se é pra convocar o Fágner, ora, por favor, vamos acertar o senso de justiça aí, seu Adenor?

Wesley, o tropeçante ponta rubro-negro, ergue o escudo contra os nada-a-ver e se ergue como herói da vez, craque-mor, que escolheu seu melhor momento para depois do fechamento da janela europeia. Vai dizer que um homem desse não ama o clube?

Há pouco, Riachão do Jacuípe teve seu dia de capital do mundo. E vai quebrar esta verdade pra quê, mesmo? Em nome da cinza realidade que entristece a paleta infinita da glória boleira?

E o ineditismo, esta centelha de coisa que vale a pena, vai se renovar na semana que vem, na próxima rodada. Quem será o vilão? Quem emergirá como o salvador da pátria? E, sinceramente, que diferença há de fazer desejar a antecedência?

Entre a austeridade desempolgante que é travada entre os analistas e resenheiros que alimentam polêmicas pela audiência e a simplicidade da criança que se entrega ao momento de magia, prefiro sem pestanejar a segunda. É ela que estabelece o contrato de crescimento em que aprendemos que se ganha (e que alguns ganham mais), que se perde (e que alguns perdem mais), que tudo faz parte do jogo, e tudo bem. A vida lá fora já tem peso demais para que o território sagrado dos estádios seja ocupado pelo duelo de reinados.

Hão de deixar, pois, o torcedor sonhar. Deixar que o tricolor vislumbre a Libertadores, que o rubro-negro acredite no acesso, mesmo que a estatística diga nhé. Deixar saber que o craque está aqui e não tem maior que ele, porque, como diria Pessoa, o poeta, aquilo que está na nossa aldeia é sempre mais belo. A grama é mais verde no nosso quintal quando se permite viajar na ilusão do futebol.

Gabriel Galo é escritor

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