A quem interessa a volta às aulas?

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 21 de junho de 2020 às 13:14

- Atualizado há um ano

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Eu acho que não tem que ter aula presencial mais, em 2020. Mas não só eu. A UFRJ, a USP, a Unicamp e a Unesp são universidades. Todas já disseram que não retomam mais, neste ano. A UFRJ afirmou, inclusive, que só terá alunos e professores juntos, novamente, depois da vacina contra o coronavírus. Observe que essas instituições são frequentadas por adolescentes acima dos 16 anos e adultos. Pessoas que, pelo menos em tese, sabem exatamente o que está acontecendo e são capazes (também em tese) de cumprir o complicadíssimo protocolo que tenta um mínimo de segurança, para a convivência coletiva, durante a pandemia.

Mesmo assim, sabem que o risco é muito alto e isso não é força de expressão. O Center for Disease Control do governo dos EUA oficializou evidências científicas sobre a transmissão do vírus. De acordo com a instituição (e o bom senso de qualquer pessoa), as escolas (mesmo com distanciamento social) estão na categoria "risco muito alto" de contaminação.

 Veja bem, as universidades já entenderam que não há a menor condição de juntarmos alunos e professores em salas de aula, por enquanto. O centro de controle dos EUA está dizendo que abrir escola é perigoso. Tem várias matérias circulando com a mesma afirmação. A situação que fez com que as escolas fossem fechadas, por todo o Brasil, apenas piorou, nos últimos meses, e não há qualquer previsão de melhora no horizonte. Um cenário dificílimo e muito diferente de todos os lugares que retomaram aulas presenciais, no planeta. Vale lembrar que, mesmo nos países onde tudo parecia seguro, onde aulas presenciais foram retomadas depois do pico da pandemia, muitas escolas voltaram a ser fechadas por causa de novos surtos de covid-19.

Pois bem. Diante desse cenário, o que estão fazendo donos de escolas, no Brasil? Pressionando governos estaduais e municipais para que possam reabrir logo, inclusive antes da rede pública de ensino. Uma postura que, além do problema ético evidente, é a prova mais contundente de que pensam nos próprios bolsos e não na saúde dos nossos filhos. O que há de educativo em brigar para exercer privilégios, aumentando ainda mais os já imensos abismos entre crianças e adolescentes de diferentes classes sociais? O que há de responsabilidade em tentar nos convencer de que afastar cadeiras, obrigar crianças ao uso de máscaras e disponibilizar álcool gel protegeria a saúde dos alunos e funcionários? Mais do que isso, nos convencer também de que esse retorno seria psicologicamente saudável, para todos? Querem enganar a quem? A você, por exemplo. 

Deixa eu contar o que está acontecendo. Cancelamento de matrículas. Migração de alunos para a rede pública. Obrigatoriedade de descontos nas mensalidades. Ou seja, o setor - assim como a maioria dos outros - está em crise. Compreensível que os empresários pensem em saídas para os seus negócios, acontece que quem optou por ter a educação como negócio, é obrigado a pensar em saídas dignas. Se essa é uma postura desejável para humanos em diferentes atividades e empresários de diversos setores, é mais do que obrigatória para quem optou por trabalhar na formação de pessoas.

Nas escolas, devemos encontrar bons exemplos, respeito à vida em todas as suas formas, respeito à infância e toda a sua subjetividade. Crianças e adolescentes não devem ter suas rotinas impactadas pelos interesses financeiros de empresários, não devem ser postas em risco pela necessidade financeira de terceiros. Nas escolas, alunos são - ou deveriam ser - a mais absoluta prioridade. Propostas? Sim, sou mãe e tenho várias. A primeira é que assumam que não há situação segura possível, atualmente, para o manejo coletivo de crianças e adolescentes. Que levem em consideração que crianças também são pessoas, estão trabalhando duro de casa e não precisam agora voltar a frequentar a escola sentindo medo e cheias de EPIs desconfortáveis. Isso, só pra começar.

Depois, seria bom considerar que muitos alunos e alunas vão e voltam dos colégios em transportes coletivos. Muitos, lotados. Em vários deles, sequer conseguimos que sejam usados cintos de segurança, que dirá EPIs e distanciamento social. Aliás, qual é o "tio da van" que garante aplicar a regra de dois metros e meio de distância, entre duas pessoas usando máscaras? Chega a ser engraçado imaginar que tentem convencer mães e pais que essa possibilidade é real. Palhaçada.

A solução já foi aplicada quando da gripe espanhola, senhores "educadores": passa todo mundo de ano - na rede pública e particular - e, em 2021, vai resolvendo os buracos. Instrumentos legais para a questão "educação" já foram criados. O que temos, agora, é a demanda dos empresários. O que está acontecendo é a proposta de que arrisquemos as nossas vidas e as vidas das nossas crianças no front de uma guerra, lutando pelo empresariado do setor. Com argumentos hipócritas do tipo "as mães que não têm com quem deixar as crianças precisam da volta às aulas" tentam fazer parecer que somos nós que precisamos, e não eles, dessa retomada.

Sabe o que seria digno? Recuar nessa proposta que nos trata como peças em tabuleiros de jogos alheios. Já estamos há quatro meses estudando de casa, agora é ir até onde for necessário. Todos nós - inclusive crianças e adolescentes - estamos carentes é de praias, parques, risadas, amigos e não do confinamento ainda mais tenso, em salas de aula. Esse aprisionamento coletivo e perigoso não é sequer um desejo, que dirá uma necessidade. Pelo contrário. A lógica conteudista, a meta a ser cumprida, isso só permanece fazendo sentido para quem não entendeu absolutamente nada. É hora de separar educadores de simples vendedores de métodos replicáveis. Quem é quem, afinal?

Nos próximos dias isso vai ficar bem claro. Observe a escola particular do seu filho, com o mais absoluto cuidado. Siga os passos de cada posicionamento, perceba a lógica, veja qual é o discurso repetido neste momento e vai ser fácil tomar decisões. Saiba também que a lei ampara qualquer pai ou mãe em ações que pretendam preservar a vida e a integridade da prole. Talvez, depois disso tudo, a educação formal não possa mais ser exercida apenas como um negócio rentável. Tem que ter compromisso, tem que ter amor, tem que ter respeito.

Esse futuro possível depende de mim, de você, de todos nós. Para isso, uma dica: se a escola particular do seu filho resolver mesmo reabrir antes da rede pública - que não cobra matrícula e, portanto, nesse aspecto é mais confiável - que tal pedir a transferência e fortalecer a escola pública do seu bairro? Eu não dou a vida do meu filho em troca de nada, muito menos de lucro para empresários. E você? Vai dar? Pense e, sobretudo, aja.