A TV na Copa de 70

Por Nelson Cadena

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Publicado em 22 de junho de 2018 às 05:00

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Domingo, 21 de junho de 1970, mais milhares de pessoas assistiam na Praça Thomé de Souza ao jogo final entre Brasil e Itália, válido para a conquista definitiva da Copa Jules Rimet, nos aparelhos de TV que a prefeitura instalara no Paço Municipal, quando um carro fúnebre invadiu o espaço momentos após o gol de empate de Roberto Boningsena, ainda no primeiro tempo. A seleção da Itália equilibrava o jogo e a torcida, com os nervos à flor da pele, não se conteve. Ao constatar que não tinha nenhum defunto dentro, alguém gritou “sai azarento”, outros o seguiram em coro e vaiaram e os mais exaltados jogaram pedras, enquanto o motorista apavorado se escafedia do local.

No segundo tempo, o azar afastado, o Brasil fechava o placar em 4x1, mas, poucos baianos viram pela TV o momento em que Carlos Alberto Torres ergueu a taça. O Carnaval já tomara conta da cidade, com trios elétricos descendo a Praça Castro Alves em direção à Barra enquanto as escolas de samba faziam ecoar a percussão das baterias entre o Pelourinho e a Praça da Sé. O policiamento em volta da Casa da Itália foi reforçado, nenhum incidente foi registrado, o momento era de euforia. Em todo o país, a inédita transmissão da Copa do Mundo ao vivo, por um pool de emissoras de TV, criara as condições para a grande festa nas ruas; no Rio de Janeiro, a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira marcou presença no asfalto.

A transmissão televisiva, negociada pelo baiano José Andrade de Almeida Castro, diretor da TV Tupy, com o magnata da TV mexicana, Emilio Ascarraga, favoreceu o espírito colaborativo, os chamados televizinhos, quem não tinha um monitor em casa assistia na casa dos outros. O Brasil possuía então 4,5 milhões de aparelhos, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica. Um para cada 20 habitantes. Se a negociação com os mexicanos foi difícil do ponto de vista financeiro, complicado foi acertar as coisas aqui. Foi então constituído um pool: Tupy, Globo e Rede Independente de Emissoras-REI. Até aí tudo certo. Quase.

O impasse maior foi em torno de quem faria a transmissão. A solução foi salomônica, porém, estranha. O jogo foi narrado e comentado mediante o revezamento de Geraldo José de Almeida e João Saldanha da Globo; Walter Abrahão, Geraldo Bretas, Oduvaldo Cozzi e Rui Porto da Tupy; e Fernando Solera e Leônidas da Silva da REI. Almeida Castro era um hábil negociador, mas, tinha um pé atrás desde a Copa de 1958 quando credenciou junto à TV Sueca o cinegrafista Ortiz Rúbio, para filmar os jogos, revelar os filmes e enviá-los para serem exibidos três dias depois na TV Tupy. Ele escreveu no lugar do destinatário: “Para a TV do Rio. Brasil”. Foi parar na TV Rio que imaginou fosse uma cortesia da TV Sueca e exibiu com exclusividade. Almeida Castro quase perdeu o emprego.

Os brasileiros assistiram à Copa de 1970 em preto e branco, com exceção de poucos e privilegiados que assistiram a cores, um deles o presidente da República. Foi uma transmissão impecável, com exceção de Brasil x Romênia, com recursos que desconhecíamos: replay do lance, câmera lenta, vários ângulos, lentes de última geração no super zoom que aproximava os jogadores do telespectador. No Brasil, nos jogos do Campeonato Brasileiro, o replay já era utilizado, de forma artesanal: dois VTs simultâneos, um para gravar o jogo e outro para repetir o lance.

A inédita transmissão pela TV de uma Copa do Mundo, em 1970, foi possível graças a um sistema de links por regiões com a tecnologia do Satélite Intelsat, instalado em 1969. A cobertura atingiu apenas 54 dos 90 milhões de brasileiros. Em todo caso foi um marco da TV que contou com a Esso, Gilette e Souza Cruz, que adquiriram as cotas de patrocínio do pool de emissoras, para pagar o investimento.