A vez do pedestre

'É preciso trabalhar e implementar as novas alternativas hoje demandadas pela população'

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 8 de agosto de 2020 às 09:00

- Atualizado há um ano

Crescentemente todos começam a se conscientizar de que as cidades precisam privilegiar as pessoas. Este é um critério que deve estar em todas as dimensões urbanas, mas que se apresenta mais forte ao se tratar de trânsito e tráfego, quando os cidadãos-eleitores assumem também o papel de pedestres. Trata-se aqui de distribuir adequadamente os diversos serviços e sistemas, de modo a alterar a hierarquia e a prioridade. Nesse novo contexto social e urbano, a mobilidade ativa é a palavra de ordem: primeiro lugar e primeira prioridade para o pedestre e as bicicletas.

Salvo em situações muito específicas, as medidas de restrição ao automóvel não precisarão ser radicais. Aliás, esse ajustamento tende até a ocorrer naturalmente, com o próprio recuo do papel do automóvel em nossa sociedade. Os jovens de hoje já não têm mais o carro como objeto de desejo; eles preferem utilizar o transporte coletivo – que precisa ter qualidade – ou recorrer aos aplicativos de transporte. Mas é preciso acelerar esse processo, e isto cabe aos bons gestores municipais. Se, por um lado, o automóvel perde espaço, é preciso trabalhar e implementar as novas alternativas hoje demandadas pela população. Isto está fortemente associado ao desenho urbano contido nos planos diretores. Mas em qualquer situação – inclusive e sobretudo nas áreas já consolidadas das cidades – é preciso promover os ajustes e as correções necessárias e indispensáveis. Muito se depende aqui da qualidade dos projetos, e os profissionais da área – urbanistas, engenheiros de transportes, projetistas – precisam estar sempre se atualizando com as inovações tecnológicas e as novas demandas sociais.  Concretamente, as ruas não podem mais ser exclusivamente do automóvel. A prioridade para o pedestre requer calçadas largas, com acessibilidade, piso tátil, arborização, mobiliário, além, naturalmente, da faixa livre de passeio exclusiva para o caminhar, com a largura adequada; as bicicletas precisam ter livre trânsito, por ciclovias, ciclofaixas ou faixas compartilhadas; as travessias de pedestres precisam estar sinalizadas e, em razão do fluxo, elevadas; se a rua for estreita e intenso o fluxo de pessoas, deve ser transformada em rua de pedestres.

Soluções interessantes têm sido implementadas em áreas de orla, marítima ou fluvial; ao longo dos parques ou locais com espaços e equipamentos de lazer público, com a adoção do piso compartilhado, assinalando a baixa velocidade dos veículos e a preferência para o pedestre. No outro extremo, nas vias de maior fluxo de tráfego, a atenção diferenciada para o transporte coletivo, com faixas exclusivas ou preferenciais para o ônibus, além da implantação de ciclovia. Para permitir melhor fluxo do trânsito em geral, o uso de semáforos sincronizados e o controle eletrônico do tráfego e da sua fiscalização. As cidades precisam ter e implementar um plano cicloviário, não apenas com objetivo de lazer, mas em especial como meio de transporte para o trabalho, para a escola ou para as estações de metrô e os terminais de ônibus.  As motos não constituem alternativa. Elas ocorrem como consequência da disfunção dos nossos sistemas de circulação e transporte. E são hoje em dia as maiores causadoras de mortes no trânsito. Na medida em que se tenha cidades mais bem estruturadas, não será necessário chegar a medidas radicais contra o automóvel, como o rodízio em zonas centrais, o pedágio urbano e a proibição pura e simples. Mas o estacionamento na via pública deve ser sempre pago, quando e onde permitido. A situação é diferente nas cidades conforme o porte. Mas é preciso começar a definir o jogo quando elas ainda estão pequenas – e são entre nós a maioria – de forma a moldar o futuro; as metrópoles e as grandes cidades, por sua vez, viciadas em automóvel, estão sendo vítimas de overdose e precisando passar por grandes transformações; as cidades medias ainda têm plena condição de ajustar o rumo, priorizar a mobilidade ativa e organizar sistemas de transporte compatíveis com as suas necessidades. 

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional.