A volta dos mamutes

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  • Nelson Cadena

Publicado em 23 de setembro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Enfim uma boa notícia para adoçar a vida! Confesso que eu andava meio aborrecido, amuado com as matérias dos jornais. Todo dia a mesma coisa (assaltos em ônibus, explosões nos bancos, aglomerações, mulheres agredidas, atraso nas vacinas, golpes pela internet, falsificações, bandalheiras...), nenhuma resenha alvissareira. Penso ao respeito que essa história de acreditar que a esperança é a última que morre é furada. Morre todo dia. Já andava aperreado, de birra, quando me deparei nos jornais com a melhor notícia dos últimos tempos: cientistas vão recriar em laboratório o mamute, a partir do elefante asiático cujo DNA, dizem eles, é 99,6% idêntico ao bicho peludo extinto no fim da era glacial.

Claro que me animei com a boa nova. Se é possível reviver o mamute, pensei, porque não o homem paleolítico, seu contemporâneo? E se para reviver o mamute com sucesso serão necessárias, pelo menos meia dúzia de combinações genéticas e outras tranqueiras, segundo o Dr. Church, da Harvard Medical School, para recriar o homem paleolítico, suponho que seja necessário menos do que isso. O Dr. Church, se bem-informado, já ouviu falar que num certo palácio de Brasília temos um espécime daquela era cuja evolução genética estagnou. Meio caminho para cortar pontes. Darwin, se vivo, o chamaria de homo brutus, porque homo sapiens, só se for por ironia.

A questão é saber quais as vantagens e desvantagens de se recriar o homem paleolítico em plena era digital. Pergunte ao mamute. A convivência dos dois não será coisa fácil. Se é verdade essa coisa de memória de elefante, temos de supor que a memória de mamute, por uma questão de hierarquia e de tamanho, não será menos eficaz. Ai que mora o problema. Se o bicho lembrar que os hominídeos cavavam grandes buracos, fundos, que cobriam de ramos folhas para o animal despencar e poder abatê-lo melhor, vai querer a desforra. Isso se essa genética de elefante asiático em laboratório não trouxer outras desagradáveis lembranças: caçadores de marfim, por exemplo. Nesse caso será desforra em dose dupla.

Mesmo assim, acho vantagem nessas experimentações da ciência e por isso me anima a ideia de recriar o homem paleolítico, em série, de modo que o mamute não venha se sentir sozinho, neste mundo complicado de meu Deus. O coitado já vai ter um trabalho enorme para achar uma fêmea, uma elefanta que aquilate seu tamanho e se enrosque nos seus pelos e se disponha a receber um cafuné com o seu trombão. E se a coitada sobreviver a tanto amor e voltar para a tromba é porque lapsos de memória, os elefantes, como os humanos, também tem. Nem todo bramido significa a mesma coisa. Vinte toneladas de carinho para quem pesa seis devem fazer alguma diferença.

Me anima pensar que o Dr. Church, que recebeu subsídio de 15 milhões de dólares para suas experimentações, se bem-sucedida a recriação do mamute e se acolher minha ideia de recriar o homem primitivo, que no Brasil, já sabemos, a combinação genética de alguns homos brutus favoreceria, poderia pensar em reinventar o leão das cavernas e a preguiça gigante, de modo a povoar o parque siberiano que os cientistas imaginam como habitat para o mamute renovado. Apostando na diversidade das espécies. Pelo visto será um parque aberto para quem não tremer o queixo no frio, cientista ou leigo, e se dispor a visitar esse fim de mundo.

O importante nessa iniciativa é que animais de uma e outra espécie se sentiriam em casa, no retiro escolhido como lar, recorrendo às experiências do passado que os humanos chamamos de lembranças. Imagine você, a boa convivência: uns bramindo, outros rugindo, os paleolíticos grunhindo. Os grunhidos, cientistas brasileiros nem vão estranhar. Tem ouvido com frequência por aqui.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras