Abrolhos à vista: comunidades baianas têm a oportunidade de conhecer o paraíso

Programa favorece o acesso à ilha de pessoas que recebem até um salário mínimo e moram nas cidades da Costa das Baleias

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 20 de outubro de 2019 às 08:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto de Marco Antonio Teixeirinha/ Conexão Abrolhos/ Divulgação

Há dez meses, o analista ambiental Thiago Vieira, 26 anos, desenvolve em Alcobaça, extremo sul da Bahia, na Costa das Baleias, um trabalho de educação ambiental por meio do grupo Salvamar, junto com outros 40 voluntários.

Nas palestras do grupo, são abordados temas como separação e reciclagem do lixo e limpeza de rios e praias, sobretudo para a preservação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, onde está a maior biodiversidade do Atlântico Sul.

Durante esse tempo, falar de Abrolhos, para o grupo, era basicamente abordar um local que nunca se viu ao vivo. Mas há uma semana essa realidade mudou para nove voluntários e outras 24 pessoas de comunidades do extremo sul. Eles foram contemplados pelo programa “Comunidade em Abrolhos”, criado em 2009 pelo ICMBio, órgão federal responsável pela administração do parque, que existe desde 1983.

O programa favorece o acesso a Abrolhos de pessoas que recebem até um salário mínimo e moram nas cidades da Costa das Baleias (Alcobaça, Caravelas, Mucuri, Nova Viçosa e Prado), para que desfrutem de momentos de lazer e saibam mais sobre a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável na região.

Ao todo, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos tem mais de 87,9 mil hectares e sua extensão, com os bancos de corais, vai desde a costa de Ilhéus, no sul do estado, até o norte do Espírito Santo.

A reportagem esteve em Abrolhos no dia 2 de outubro, a bordo de um dos catamarãs que fazem o serviço de visitação ao parque marinho, no passeio de bate-e-volta, com duração de cerca de 4 horas para chegar ao destino. A saída foi por Caravelas. Vista parcial de Abrolhos (Foto de Marco Antonio Teixeirinha Conexão Abrolhos/ Divulgação) “Nas nossas palestras em escolas e ações nas praias, sempre falávamos sobre Abrolhos, sobre o mar, a importância da vida marinha para gente e para a região, a importância dos recifes de corais, mas sem ter ido”, disse Vieira. “A gente não tinha essa noção real da riqueza marinha na prática, mesmo sabendo da importância de defender o meio ambiente. Agora, com a vivência, o pessoal está mais incentivado, com vontade maior ainda de trabalhar, a mente das pessoas abriu muito”.  O show E a época da visita não poderia ser melhor, já que de julho a novembro Abrolhos concentra a maior população de jubartes do mundo – são cerca de 17 mil indivíduos. Elas saem do Polo Sul (de águas geladas) para ter filhotes ou acasalar em Abrolhos. Baleias jubartes aproveitam as águas quentes da região para ter filhotes e acasalar (Foto de Marco Antonio Teixeirinha Conexão Abrolhos/ Divulgação) Durante o passeio, podem ser vistas cerca de uma hora após a saída para o mar aberto – a distância da costa até Abrolhos é de 70 km. Os adultos chegam a 18 metros de comprimento e pesam até cerca de 30 toneladas.

O comportamento natural das baleias, com saltos fora da água (de machos se exibindo para as fêmeas), esguichos para retirada de água do pulmão e o levantar da calda bipartida, encanta a todos. É o momento de preparar as máquinas fotográficas e celulares para tentar registrar alguma imagem, mesmo que de longe. Mas se não conseguir, a imagem guardada na memória – de fato inesquecível – já é o suficiente.

Raramente, se vê uma baleia sozinha. O normal é que elas sejam avistadas quase sempre em grupos de três a cinco indivíduos; em família, com um pai, mãe e o filhote; ou somente esses dois últimos, o que mais acontece.

À medida que se avança mar adentro, a cor da água vai mudando, do verde escuro para o azul claro. É o prenúncio da chegada de Abrolhos e seus recifes de corais, tartarugas, aves endêmicas (como atobás e fragatas) e peixes raros.

O arquipélago de Abrolhos é formado por cinco ilhas (Guarita, Sueste, Santa Bárbara, Siriba e Redonda), cujas formações são de origem vulcânica, há 16 mil anos. A principal ilha, Santa Bárbara, é onde está a base da Marinha. A visitação de turistas é permitida somente nas ilhas Siriba e Redonda – nas demais, as visitas são só para fins científicos.  Turismo de experiência Nessa época do ano, a ilha Siriba está tomada por ninhos de atobás. A monitora ambiental do ICMBio, Bárbara dos Santos Figueiredo, conta que é possível os turistas auxiliarem nos cuidados com as aves, com a contagem dos ninhos – atualmente, são cerca de 2.100 atobás em Abrolhos.

“Costumamos fazer isto com estudantes em final de ensino médio quando visitam Abrolhos. É uma forma de eles aproveitarem a visita para interagir com o meio ambiente e aprender mais sobre as aves e seus hábitos”, informou ela, dizendo que cerca de 7 mil turistas visitam Abrolhos na temporada das baleias.

Outra forma de interação que tem ocorrido entre turistas e a ilha é com o monitoramento sobre os ovos de tartarugas. Há grupos de turistas que ajudam os ambientalistas com a abertura de ninhos de tartarugas para que os filhotes possam ir para o mar.

E como em Abrolhos, para surpresa geral, também tem lixo, é feita uma atividade de coleta três vezes ao ano. “Esse monitoramento sobre o lixo, também realizado com turistas, já nos causou surpresas, como uma garrafa pet com a embalagem de uma empresa chinesa. Pode ter vindo de um navio ou da própria costa da China”, falou Bárbara.

De acordo com a pesquisadora associada da Conservação Internacional, uma organização socioambiental que atua em Caravelas, Cynthia Campolino, são as baleias que mais atraem os turistas, sobretudo pelo viés científico desses cetáceos.

“Há agências de São Paulo que, todo final de ano, trazem cerca de 60 jovens para fazer esse tipo de turismo aqui, o que é muito importante, sobretudo do ponto de vista da conscientização ambiental. Aqui estamos vendo tudo em estado natural, sem intervenção humana, e é isso que tem de ser preservado”, declarou.Festa no arquipélago A consciência sobre a preservação ambiental é o que está agora mais presente na vida da dona de casa Elaine Cruz de Jesus, 31, moradora de Barra de Caravelas, distrito da cidade que é o principal ponto de saída para Abrolhos.

É onde ficam também as áreas de praia da cidade, banhada pelo Rio Caravelas. Boa parte do local vive da pesca e dos turistas que se hospedam em pousadas e hotéis para visitar Abrolhos. Dessa vez, 18 pessoas de Barra de Caravelas foram visitar o arquipélago. No barco, foi uma festa só.

“Tudo que eu vi foi o que o povo dizia que era, tudo muito lindo. Fomos muito bem recebidos lá, as pessoas nos contaram como é o parque, onde podemos passar nas ilhas, achei lindos os pássaros, e as baleias então, nem se fala”, contou Elaine aos risos. “Quero voltar de novo, fiquei muito alegre”. Moradora de Barra de Caravelas, Elaine conheceu Abrolhos no início deste mês (Foto: Vaumores Neto/ Divulgação) A estudante do 3º ano do ensino médio Giuciane Cruz da Silva, 19, também estava no mesmo barco e até mergulhou em Abrolhos. “Vi muitos peixes de cor azul, tinha um budião enorme, e as tartarugas são lindas”, comentou.

Até o final da temporada das baleias, ocorrerão ainda outras visitas de moradores de comunidades locais do extremo sul que nunca foram a Abrolhos. Índios pataxós também fazem parte dessas visitas ao arquipélago.

Ano passado, por exemplo, o índio Calixó, de 28 anos e integrante da aldeia Pé do Monte, localizada no Parque Nacional do Monte Pascoal, em Porto Seguro, fez a viagem marítima junto com mais três indígenas.

Antes da visita, quando ia ao topo do Monte Pascoal, a vista que Calixó tinha era a de “paraísos” como as praias da Barra do Cahy e da Ponta do Corumbau, em Prado; ou as praias do Espelho, de Caraíva e a de Trancoso, em Porto. Desde então, sua vista vai além-mar. Gravada na lembrança está Abrolhos.