Acabou a caminhada: orla da Pituba será fechada a partir de quarta

Calçadão continua cheio mesmo com isolamento social imposto pelo coronavírus

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  • Da Redação

Publicado em 12 de maio de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Nem a chuva, muito menos o novo coronavírus impediram o técnico de manutenção, Aliomar Viegas, 54 anos, de correr na orla no final da tarde de segunda-feira, 11. Todos os dias, o morador da Pituba faz o mesmo caminho: sai do bairro e vai até o novo Centro de Convenções. A partir desta quarta, 13, no entanto, o trajeto vai ser interditado, pois a Pituba é mais um bairro que terá medidas mais severas de isolamento social decretadas pela prefeitura de Salvador. Na segunda, Aliomar aproveitou a tarde chuvosa para se despedir da sua corrida por pelo menos sete dias.

O prefeito ACM Neto divulgou a expansão das medidas de contenção para a Pituba em entrevista coletiva. Ele determinou que haja fechamento total do comércio de rua do bairro pelo prazo de sete dias, mesmo tempo em que devem durar as medidas na avenida Joana Angélica, Boca do Rio e Plataforma, locais cujas restrições anunciadas na semana passada começaram a valer desde ontem.

"A Pituba continua tendo mais casos. A decisão foi tomada diante dos números e do fluxo de veículos de 85%, redução de 15% se comparado ao período normal", sinalizou o prefeito. "As praias já estão fechadas. Essa é a primeira intervenção na orla, no calçadão", explicou.  Avenida Manoel dias: fluxo de veículos na Pituba é só 15% menor que antes da pandemia (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Ele destacou ainda que a decisão sobre o fechamento do comércio inclui agora as lojas de menos de 200 m² que estavam autorizadas a funcionar. "Agora só abre lá, mercado, farmácia, bancos e lotéricas", acrescentou.

A psicóloga Mariana Carvalho, 27, analisa que “uma quantidade absurda de pessoas” ainda se exercita e se aglomera na orla como se não houvesse quarentena. Ainda de acordo com ela, existem moradores no bairro que acreditam que o coronavírus é uma farsa. Como um todo, entretanto, a moradora da Pituba percebe que houve uma redução no fluxo de pessoas no bairro. 

“Noto uma diminuição no número de pessoas nas ruas, até porque boa parte do comércio está fechada. Não existe um fluxo comum, como no dia a dia antes da pandemia, mas ainda vejo os mercados com muito movimento, por exemplo. Tem gente que sai duas, três vezes na semana para ir ao mercado”, relatou.

Os moradores do bairro já esperavam a vez da Pituba ser a escolhida para receber bloqueios por parte da prefeitura. O funcionário público, Caio Araújo, 30, relatou que muitas pessoas usam os aparelhos de ginástica da orla ao mesmo tempo, o que causa uma aglomeração. 

“O número de casos na Pituba preocupa bastante, meus pais são idosos e fazem parte do grupo de risco, fico muito preocupada. No prédio deles já tem casos confirmados”, completou a advogada Bianca Moreira, 32, que, junto com Caio, passeava com o cachorro na rua.

Para o funcionário público, entretanto, as restrições ao comércio não são necessárias pois as lojas da região estão seguindo todas as restrições. “Acho precipitado fechar o comércio, devia ter fiscalização maior e, se não cumprir, aí fecha. As pessoas dependem do comércio”, disse.

Comércio Com grande parte das lojas fechadas, as luzes das farmácias da Avenida Manoel Dias da Silva chamavam atenção neste fim de tarde. Fora estes estabelecimentos, apenas mercados e poucas lojas permaneciam abertos - dentre elas a Le Biscuit, cujo gerente participava de uma reunião sobre a nova determinação da prefeitura. Muitos restaurantes possuíam placas anunciando o serviço de delivery.

Na banca de jornais de Atanásio santos, 61, os fluxo de clientes não para, mas quase todos vão ao local de carro. De acordo com ele, a quantidade de carros nas ruas da Pituba não diminuiu, houve apenas uma redução no número de pedestres.

Com a nova medida, Atanásio deve fechar a banca por, pelo menos, sete dias. Para ele, as perdas econômicas valem a pena em prol da saúde. “Eu nunca fechei minha banca, mas agora não sei. Fechar é uma boa ideia. Eu concordo porque prefiro fechar para evitar a piora da pandemia”, afirmou. Interdição na orla seguirá até o novo Centro de Convenções (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Vendedor de biscoito em um ponto da Avenida Manoel Dias, Renato, 34, acredita que as medidas mais restritivas, o que inclui a retirada do seu ponto da rua, são as únicas opções para barrar a transmissão da doença. “O pessoal não respeita e fica muita gente andando aqui. Se é pra saúde, vale a pena, temos que sacrificar algumas coisas”, afirmou. De acordo com ele o movimento do ponto de ônibus reduziu em apenas 20% desde o começo da quarentena.

Medidas podem reduzir transmissão A aplicação de medidas mais restritivas em certos locais da cidade é uma forma de evitar impor toda a população ao lockdown, explica a epidemiologista Glória Teixeira, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba). De acordo com a especialista, a decisão de atuar em locais com mais aglomeração de casos e de pessoas contribui para reduzir a transmissão da doença.

“É correto reduzir as aglomerações para evitar que tenha mais contágio da doença. Antes mesmo de ter um lockdown completo, que é a medida mais drástica e difícil para todos, uma opção é tentar impor medidas onde tem mais aglomerações e tentar achatar a curva. Tem que analisar o fluxo de pessoas aglomeradas e o risco de transmissão em um local ao aplicar essas ações”, afirmou Teixeira.

Como nem todas as pessoas que se exercitam na orla cumprem as normas de proteção contra o coronavírus, a epidemiologista também avalia que a decisão da prefeitura de fechar o trecho da avenida tem o potencial de reduzir o contágio pela doença. “Ao caminharem, as pessoas nem sempre mantêm uma distância mínima de 2 metros uma das outras, além de, às vezes, não usarem máscara. Essa falta de proteção facilita a transmissão, por isso, é melhor impedir a circulação de pessoas”, disse.

Apesar da Pituba ter o maior número de casos de coronavírus, a especialista afirma que o bairro não é um foco da doença pois a Covid-19 não é uma enfermidade focal. “Se trata de uma doença que se dissemina com a mobilidade. Foco é quando ocorre em um espaço. Ela é uma doença que ‘anda’ porque tem como transmissor o ser humano, que se locomove. Sendo assim, o coronavírus não possui um único foco”, explicou.

Entretanto, a Pituba é um espaço com um aglomerado de casos da doença, o que faz com que o local deva receber uma atenção maior. “Se tem mais casos, o risco de transmissão é maior no local”, afirmou Teixeira.

*Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco