Acabou a pandemia? O dia do voto teve aglomeração, santinho e acompanhante

Nos arredores dos colégios, muita gente sem usar máscara. Já dentro das escolas, eleitores elogiaram organização

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  • Thais Borges

Publicado em 15 de novembro de 2020 às 15:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nas imediações do Colégio Estadual de Praia Grande, em Periperi, havia aglomeração e gente sem máscara (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Parecia uma eleição como a de qualquer outro ano - menos a que se esperava em 2020. Nas ruas que levavam ao Colégio Estadual de Praia Grande, um dos maiores locais de votação do Periperi, no Subúrbio Ferroviário, já dava para sentir o clima neste domingo (15): pessoas aglomeradas em todos os cantos das vias. Distribuíam santinhos, se aproximavam de quem chegava e um ou outro ainda tomava uma cervejinha, logo nas primeiras horas da manhã. 

Podia mesmo ser qualquer outro ano, menos um em que mais de 165 mil pessoas já morreram pela covid-19 no Brasil. Mas, em algumas regiões de Salvador, parecia que o fim da pandemia do coronavírus tinha sido decretado. E o vírus? Ficou em algum lugar entre março e o dia 14 de novembro, último sábado, véspera do primeiro turno. 

Do lado de fora da escola, talvez nem metade das pessoas usasse máscara. Ao entrar no prédio, porém, onde elas eram obrigatórias, havia diferença. Mesmo assim, ainda no horário entre 7h e 10h, definido como preferencial para grupos de risco, dava para ver que nem todo mundo fazia parte deles.  Em Periperi, muita gente sem máscara distribuía santinhos, como nos arredores do Colégio Estadual de Praia Grande  (Foto: Marina Silva/CORREIO) A professora Sônia Souza, 58 anos, foi uma das que decidiu sair cedo justamente por ser hipertensa. Mas, ao chegar, descobriu que sua seção tinha sido alterada. Teve que se informar lá mesmo sobre a alteração. “Estava dando como se minha zona fosse uma e meu colégio outro”, explicou. 

Moradora de Periperi, ela sempre votou ali. Dessa vez, contudo, a pandemia a deixou apreensiva.“Achei até vazio, por isso estou tranquila. Mas medo desse coronavírus a gente sempre tem, né? Conheço pessoas que pegaram e, inclusive, perdi amigos que faleceram por causa dessa doença”, contou ela, que era a terceira na fila para entrar em sua seção. Mas nem todo mundo conseguiu se encontrar. Ainda por volta das 8h, a atendente de telemarketing Ana Glória da Luz, 33, tentava encontrar sua nova seção no colégio. Desde que transferiu o título de São Paulo para cá, em 2009, vota no Praia Grande. Cadeirante, Ana Glória contou com a ajuda do vizinho Arinaldo para chegar à escola, mas não encontrou a seção  (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Agora eu moro no Rio Sena e não consegui mudar na época do recadastramento (biométrico, em 2018). Mas essa é a primeira vez que preciso de acessibilidade, porque aconteceu no ano passado, quando tive zika. E logo agora não consigo encontrar a seção”, disse Ana, que é cadeirante e contava com a ajuda do vizinho, o pintor de automóveis Arinaldo Júnior, 50. “Vim com ela para ajudar, mas não estamos conseguindo encontrar. Deixei o carro aberto lá embaixo, sem imaginar que ia demorar”, disse o pintor. 

Entre os que também se depararam com as alterações de sala, teve ainda quem até desistiu. Depois de ser encaminhada para três seções diferentes e continuar sem encontrar a sua, a aposentada Elisabete Cotias, 65, decidiu voltar para casa.  Dona Elisabete não achou a seção e decidiu voltar para casa (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Eu tenho 65 anos e tenho um pai em casa de 94 anos. Não tenho medo de covid-19 porque Deus é que nos guarda. Achei tudo beleza com os cuidados aqui, mas não encontro minha sala. O jeito é voltar para casa”, afirmou. Fora da orientação oficial Mesmo nos primeiros horários do dia, os eleitores idosos não eram a maioria nos colégios onde o CORREIO esteve. O encanador Raimundo Nonato, 47, foi um dos que decidiu votar cedo, ainda que soubesse da recomendação do horário reservado às pessoas que estão em grupos de risco. 

Na seção onde ele votava, a fila era uma das maiores, justamente porque os mesários estavam dando a prioridade aos idosos. “Procuro votar mais cedo porque gosto, mas eu estava ciente de que esse horário era deles. Por isso, estou esperando, que é o certo. Estou achando excelente aqui, eles estão cumprindo a organização. Mas lá fora tem bastante gente sem máscara distribuindo santinho. Quando vim, em 2018, não estava tanto assim”, lembra. 

A poucas ruas dali, no Colégio Estadual Nelson Mandela, outro dos que mais reúne eleitores no Subúrbio Ferroviário, o cenário era o mesmo: aglomeração do lado de fora e seções mais tranquilas dentro. Em todas as ruas que levavam à escola, havia gente distribuindo santinho, andando com bandeiras e circulando sem máscara.  Nas imediações do Colégio Estadual Nelson Mandela, em Periperi, mais aglomeração e gente sem máscara (Foto: Marina Silva/CORREIO) Novamente, parecia que não havia vírus. Essa situação se repetiu tanto ao longo do dia, e em tantos colégios eleitorais, que até o governador Rui Costa comentou a quantidade de pessoas nas zonas eleitorais. “Eu acho que a aglomeração nas zonas eleitorais está além da conta. Em alguns lugares, eu estou preocupado, vi muita aglomeração, gente no entorno dos colégios”, disse, neste domingo, ao votar, na Liberdade. 

Nos colégios de Periperi, de fato, só entravam pessoas com máscaras. Só que, ao sair, muitas tiravam ou abaixavam até o queixo. E, mesmo lá dentro, havia quem usasse errado. Mas o que mais incomodou o eletricista Edson Lima, 64, foi a fila que se formava na frente de sua seção. Ainda era o horário prioritário, mas pelo menos dois terços das pessoas que esperavam - cerca de 20 - tinha menos de 60 anos. “Eu voto aqui desde que tinha 18 anos, mas os idosos tinham que entrar primeiro. Não tenho medo de nada, mas meu filho e minha nora tiveram covid-19. Aqui, até o afastamento está horrível. Por isso, estou aqui mais afastado. Eu estou tranquilo com a parte de segurança, mas acho que não tem organização. Direito tem quem direito anda”, disse.A doméstica Daiane Vieira, 31, foi uma das pessoas que acabou tendo que votar mais cedo. Morando atualmente em Valéria, foi cedo para Periperi porque estava sozinha com a filha pequena. “Eu tive medo de vir votar, mas é necessário e é uma obrigação nossa. Mas não tinha com quem deixar minha filha e vim cedo. Acho que está a mesma coisa de todo ano aqui, mas lá fora tem muita gente e ainda sem usar máscara”. 

Já a aposentada Tereza Nascimento era uma das eleitoras que, aos 80 anos, já não tem a obrigatoriedade de votar. A partir dos 70 anos, o voto é facultativo. Ainda assim, ela não deixou de ir, logo cedo, sozinha. “Eu gosto de votar. Enquanto eu tiver viva, vou vir fazer isso. E achei tudo ótimo, tudo seguro. Vim porque eu queria mesmo”, explicou.   Aos 80 anos, dona Tereza não precisaria mais votar. Ainda assim, fez questão (Foto: Marina Silva/CORREIO) Acompanhados Já no Colégio Estadual Raphael Serravalle, na Pituba, não havia aglomeração na porta, mas nem todo mundo seguia as orientações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além do uso de máscaras e do distanciamento entre as pessoas, uma das orientações era de que evitassem levar acompanhantes. Na escola, porém, algumas famílias compareceram com crianças. Outras levaram até cachorros; em cerca de 30 minutos em que a reportagem esteve no local, pelo menos três famílias entraram com animais.  No Colégio Raphael Serravalle, em algumas seções, havia fila  (Foto: Marina Silva/CORREIO) Lá, a empresária Denilda Ornelas, 57, encontrou uma fila na seção onde votava. Ela quase desistiu de votar nesse pleito, mas, na última hora, decidiu comparecer. “Não estou tão apavorada com a pandemia quanto algumas pessoas, então não foi por isso que ia desistir. Estava mais insatisfeita com a política, por isso ia só justificar. Mas tenho um amigo candidato a vereador e quis apoiá-lo”, explicou. 

A jornalista Daniela Costa Sansão, 52, foi votar com a mãe, a aposentada Marise Costa Sansão, 73; e o filho Raphael Oliveira, 20. A família tinha o próprio kit com álcool em gel. Daniela sempre votou ali, mas, esse ano, achou o colégio mais vazio. “Achei tranquilo para votar, embora tenha tido mais aglomeração em alguns lugares. Foi mais rápido, porque em 2018 foi pior, com a biometria. Não tive medo de vir”, contou.Dona Marise, por sua vez, não era mais obrigada a comparecer, pela idade. Apesar de fazer parte do grupo de risco para a covid-19, ela contou que nunca passou por sua cabeça deixar de votar. “Nem cogitei, porque a maior prova da cidadania é o voto”. 

Foi a mesma situação da aposentada Francisca Moura, 58. Ela também foi logo pouco antes das 10h da manhã ao colégio para evitar aglomerações. É o horário que sempre costuma votar e, dessa vez, achou mais vazio do que em anos anteriores. “Me sinto segura, até porque todo mundo está mantendo o distanciamento e usando máscara”, disse.  No Serravalle, alguns eleitores acharam mais vazio do que em eleições anteriores (Foto: Marina Silva/CORREIO) Já no Colégio São Paulo, no Itaigara, não havia aglomeração e, em algumas seções, mal havia fila. A administradora Maria Celeste  Cavalcante, 66, que vota ali há quase 40 anos, disse que estava ainda mais vazio do o normal. “Normalmente pego uma filazinha, mas dessa vez não houve isso. Também nunca cogitei não vir, não sou medrosa. Venho a pé mesmo e, depois daqui, vou paparicar minha neta. Virei vovó recentemente”, contou.  A administradora Maria Celeste achou o colégio mais vazio esse ano  (Foto: Marina Silva/CORREIO) De fato, embora a votação ainda esteja ocorrendo, já dava para notar que houve uma abstenção maior esse ano. A mesária e presidente da 47ª seção, a dentista Cristiane Aguiar, 52, contou que realmente estava mais vazio. Além disso, as pessoas têm votado mais rápido por serem apenas dois candidatos. 

Lá, o problema foi com a falta de materiais de apoio aos mesários. Ao CORREIO, os da 47º seção contaram que receberam do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) apenas uma máscara cirúrgica descartável para todo o horário de trabalho, que vai das 7h às 17h. Além disso, não havia água para beber em todas as seções do colégio.  No Colégio São Paulo, mesários ficaram sem receber água  (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Só recebemos uma máscara para o trabalho. A coordenação teve que tirar das próprias máscaras e dar para a gente. E a água é geral, tem uma mesária que está amamentando e não temos água para beber”, contou Cristiane, que trabalha nas eleições há 10 anos. Posicionamento Através da assessoria, o TRE informou que os mesários receberam ao menos quatro máscaras para trocar ao longo do dia, bem como álcool gel e face shields. Segundo o tribunal, não houve distribuição de garrafas e copos descartáveis para evitar contaminação, mas as escolas ficariam responsáveis por fornecer água nas secretarias.     Quanto à confusão dos eleitores que tiveram seus locais de votação alterados, o órgão afirmou que as mudanças foram porque algumas escolas deixaram de existir ou não têm mais condições de receber o pleito. Em muitos casos, porém, a mudança de seção foi feita no próprio colégio eleitoral, para equilibrar aquelas que tinham muitos eleitores e os que tinham poucos. É possível confirmar a seção e o colégio eleitoral no aplicativo e-Título. Quem não conseguir pode procurar a coordenação de cada local de votação. 

O TRE ainda afirmou que não pode controlar aglomerações do lado de fora das escolas. No entanto, os eleitores podem acionar a polícia nesses casos. Se a junção de pessoas for provocada por um candidato ou candidata, é possível conferir denunciar ao tribunal através do telefone (71) 3373-9000. Distribuir santinho, por sua vez, é considerado crime de boca de urna e pode ser denunciado pelo app Pardal.