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Achatando a curva: saídas para a inevitabilidade da propagação do COVID-19

  • D
  • Da Redação

Publicado em 23 de março de 2020 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Já não se discute mais o caráter pandêmico da transmissão do COVID-19. Muito embora o governo brasileiro tenha divulgado estimativas oficiais tímidas, a honestidade de Angela Merkel ao divulgar a estimativa de que mais de 60% da população alemã se contaminará, deixa clara a importância do problema. A questão passa a ser, portanto, mais do que evitar as contaminações, evitar que ocorra um grande número de pessoas contaminadas simultaneamente, dado que os contágios crescem de forma exponencial na população.

Esse “achatamento” da curva pode ser obtido reduzindo a infectividade - a probabilidade de contaminação por alguém, através de contatos interpessoais - como também reduzindo o número de contatos entre as pessoas. A redução na infectividade é obtida com uso de máscaras, evitando levar a mão ao rosto e lavando as mãos frequentemente. Já a redução nos contatos pode ser obtida por diminuição de jornadas de trabalho no setor de serviços, cancelamento de eventos e viagens, proibição de aglomerações de pessoas, realização de quarentenas ou isolamento doméstico e outras ações semelhantes.

Há, contudo, uma relação de ganho-e-perda, nas medidas a serem tomadas para reduzir o número de contatos. Estas medidas resultariam na redução da sobrecarga no Sistema Único de Saúde, sobrecarga que gera falta de leitos não só para os infectados, mas também para pacientes de outras condições médicas, levando eventualmente ao caos nos sistemas de atendimento. Por outro lado, estas mesmas medidas trazem, potencialmente, perdas para o setor de serviços e para a economia informal, que representam respectivamente 75,8% e 18,3% do PIB nacional. O mercado de viagens, por exemplo, é responsável por mais de 8% da economia nacional, e gera cerca de sete milhões de empregos. Não se deve afetar estes setores excessivamente, sob pena de consequências como aumento da criminalidade e violência, pelo impacto na economia informal, queda na arrecadação do governo e maiores gastos com seguro desemprego. Diante da pouca margem de recursos disponíveis no orçamento federal, esse é um grave problema.

Com base num modelo matemático para Sistemas Dinâmicos, adaptado para a realidade brasileira, derivado do modelo originalmente criado pelo pesquisador Nelson Repenning do Massachusetts Institute of Technology para a gripe aviária de 2003, realizamos algumas simulações visando estimar o impacto dos dois tipos mencionados de medidas ou políticas, no achatamento da curva de infectados. Nos cenários demonstrados nas figuras abaixo***, a redução do número de contatos, de 5 para 2 contatos por pessoa por dia, foi eficaz no achatamento da curva de número de pessoas simultaneamente infectadas. Já no cenário onde a infectividade foi reduzida de 10% para 7%, houve uma drástica redução nos picos. As duas medidas também têm o efeito de retardar a disseminação da doença.

Como conclusão, o exemplo da China mostra que o uso dos dois tipos de medidas contra a propagação da doença pode ser extremamente efetivo. A China já pôde cancelar as quarentenas, três meses após o início da crise, e obteve relativo sucesso na gestão da situação de emergência. Fica claro que o governo brasileiro precisa achar um ponto ideal na mencionada relação de ganho e perda trazida pelas medidas disponíveis para o combate à doença. As despesas com prevenção, por mais que pareçam excessivas, ainda custarão menos do que uma eventual ruptura do tecido social. Os Governos já deveriam estar distribuindo máscaras e desinfetantes gratuitamente, a exemplo do que faz com preservativos.

Talvez não possamos construir hospitais em dez dias, a exemplo da China, mas certamente podemos acelerar a produção de máscaras e desinfetantes, com apoio governamental adequado. Em outras palavras, é preciso reduzir o número de pessoas simultaneamente infectadas sem destruir a economia do país. Três fatores serão decisivos nas políticas públicas a serem tomadas neste momento: a maneira de lidar com riscos, a capacidade do SUS em atender os doentes, e a eficácia na execução das medidas. Todas de alguma forma dependem do comportamento da população, e da confiança que depositam nas lideranças políticas. As ações precisam ser rápidas. Para que haja tempo de achatar a curva é necessário agir com presteza.

Paulo Figueiredo é professor adjunto na Escola de Administração da UFBA, Doutor em Administração pela Boston University, e Valter de Senna é professor associado do Senai Cimatec, Doutor em Pesquisa Operacional pela University of Southampton.

Opiniões e conceitos expressos são de responsabilidade dos autores

*** A escala de numero de pessoas, no eixo vertical, é diferente para cada um dos gráficos.