Adeus, crise: venda de abadás de blocos cresce até 40% este ano

Além das agremiações com cordas, movimentos fora dos circuitos oficiais ganham força nesta folia

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  • Thais Borges

Publicado em 19 de fevereiro de 2019 às 04:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Quando as vendas dos blocos Largadinho e Blow Out abriram para o Carnaval de 2019, poucos dias após o fim da folia do ano passado, o professor e jornalista Eder Luis Santana, 36 anos, não pensou duas vezes: aproveitou para pagar em 10 prestações. Sem nem sentir, em suas palavras. No mês passado, decidiu comprar mais um passaporte: um dia de Coruja, com Ivete Sangalo. 

“Sou louco por Carnaval, mas, durante muitos anos, trabalhei na folia. Chegava a ter dupla jornada. Era muito trabalho e pouca curtição. Daí, nos últimos cinco anos, decidi que queria aproveitar mais a festa”, diz ele, que consegue se dividir entre os blocos e pipocas como a de Os Mascarados e de Armandinho, Dodô e Osmar. “O que me leva a sair nos blocos é estar com pessoas que eu gosto”, completa. 

Seja para estar entre amigos, seja para acompanhar um ídolo, muita gente fez como Eder Luis e garantiu os abadás com antecedência. Em 2019, a famigerada crise dos blocos – que chegou ao auge em 2017, quando tradicionais nomes como Cheiro, Yes e Nana saíram de cena – parece ter dado uma trégua. Mais do que isso: as principais centrais de venda já contabilizam aumento de até 40% em relação ao mesmo período do ano passado.  

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Esse é justamente o caso da San Folia, que reúne as vendas dos blocos Blow Out, Coruja, Crocodilo, Largadinho e O Vale, puxados pelas principais estrelas femininas da música baiana, como Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Alinne Rosa. Quem quiser sair com Ivete na segunda-feira de Carnaval e com Claudia na terça, inclusive, já não consegue mais. As fantasias já esgotaram, como adiantou o Me Salte, canal de notícias LGBTQ+ do CORREIO.  Claudia Leitte, que comanda o Blow Out e o Largadinho, já tem um dia esgotado (Foto: Betto Jr./Arquivo CORREIO) De acordo com o empresário André Gagliano, um dos sócios da San Folia, o Largadinho de Claudia esgotou há uma semana; o Coruja de segunda-feira com Ivete, há quase três semanas. A previsão é de que os outros blocos sigam o mesmo caminho nos próximos dias. 

Para ele, o crescimento das vendas está diretamente relacionado à melhoria nos serviços.“Os blocos estão mais cheios, mas não estão mais apertados. Eles têm abadá bonito, de qualidade, decoração melhor no trio. O banheiro do carro de apoio é unissex, então não tem mais fila; colocamos selo de segurança para verificação. A gente se coloca muito como o público”, enumera Gagliano. Serviços  O investimento aumentou, de forma geral. Se, para a confecção de um abadá, gastava-se um valor 'x' dois anos atrás, ele estima que o gasto desse ano seja de '3x'. Ele acredita, no entanto, que os blocos da San Folia não sentiram a crise – o próprio Blow Out desfilou, pela primeira vez, em 2017, no auge dos problemas para os carnavalescos baianos. 

“Nunca vi Claudia Leitte esgotar faltando 20 dias para o Carnaval, Ivete esgotar faltando um mês. Você vê que está bom assim”, resume o empresário. A maioria dos foliões é turista. Cerca de 80% deles vêm de cidades com São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte, onde o grupo promoveu eventos ao longo do ano. 

O professor Eder Luis Santana está entre os 20% - os baianos. Para ele, o gosto pelas agremiações começou em família. Ainda no fim da década de 1990, estreou no Papa Léguas com a mãe, o pai e alguns tios e primos. Depois, continuou saindo com amigos. 

“Fui gestado em blocos de Carnaval. Independente de estar no bloco ou na pipoca, o sentido é de estar sempre cercado de pessoas que te fazem sentir bem, seguindo um artista que você sente uma proximidade com a música”. 

Já o técnico em química e professor Gerônimo Lopes, 37, se viu comprando somente abadás pela primeira vez. Com sete meses de antecedência, ele e um grupo de amigos decidiram deixar os camarotes de lado e desfilar no Blow Out, no Largadinho e no Vale. “No camarote, é interessante porque tem comodidade, banda boa, ar-condicionado, mas a gente perde o espírito do Carnaval, aquela coisa de rua, do contato”, diz ele, antes de ressaltar o benefício da compra antecipada. Desde que decidiu curtir o Carnaval de Salvador pela primeira vez, em 2012, tinha medo de encontrar um cenário de brigas e confusões. “Só que, no primeiro ano, vim para três camarotes, saí na pipoca e em um bloco e vi que não era isso. Só vi uma briga entre duas mulheres na época e mais nada”, lembra. Ausente no Carnaval de 2018 por conta da gravidez das gêmeas Marina e Helena, Ivete esgotou um dos dias de bloco há três semanas (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO) Mais baianos Na Central do Carnaval, que oferece blocos como como Camaleão, Vumbora, Nana, Inter, Me Abraça e Filhos de Gandhy, as vendas também aumentaram. De acordo com o proprietário da central, Joaquim Nery, a empresa está fazendo acompanhamento diário e comparando com as mesmas datas do ano passado. O resultado foi animador: o crescimento fica entre 15% e 20% para o mesmo período de 2018. 

O perfil dos compradores, porém, é diferente dos da San Folia. Enquanto na San, a maioria dos foliões é de turista, os baianos e soteropolitanos são os principais clientes da Central do Carnaval. Mesmo assim, já é possível notar um aumento das vendas entre os turistas internacionais. “Vendemos algo em torno de 40% para os turistas nacionais, mas houve um grande aumento de estrangeiros, que era algo que a gente sentia falta. O percentual ainda é muito pequeno – representa menos de 5% do total -, mas, em outros anos, era praticamente nada”, reflete Nery.A maioria dos clientes estrangeiros vêm de países como Argentina, Estados Unidos e Israel. 

Além disso, ele também acredita que as formas de pagamento têm contribuído para o desempenho das vendas. “A Central é um mosaico grande. Estamos com nove camarotes, 14 blocos. Tem Carnaval para todos os bolsos. Tem bloco saindo a partir de R$ 170 que pode ser dividido em 10 vezes. É acessível para todo mundo”. Por R$ 170, é possível comprar abadás do bloco Inter, que desfila com Chiclete com Banana no Campo Grande, no domingo.

Os campeões de vendas são os blocos puxados por Bell Marques – o Camaleão e o Vumbora. Porém, outros como o Me Abraça (Durval Lelys), Nana (Léo Santana) e Eva (Banda Eva) também andam entre os preferidos. Para Joaquim Nery, diferentes fatores contribuíram para as vendas irem bem.  Na Central do Carnaval, os blocos liderados por Bell Marques são os preferidos (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO)  Há desde uma recuperação nacional do axé music – com artistas baianos participando de mais eventos de Carnaval fora de época pelo país –; e a requalificação pela qual Salvador passou nos últimos anos. “A novela O Segundo Sol (TV Globo), para a gente, foi muito boa, porque mostrou cenas belíssimas em Salvador e usou o axé music, a baianidade. Tudo isso ajudou a vender”, explica. 

Um dos que já comprou o Vumbora e o Camaleão foi o corretor de imóveis Adriano Borges. Em maio, ele e a esposa adquiriram os abadás para seguir atrás do trio de Bell Marques. Adriano acompanha Bell há 33 anos – não só em Salvador, como em qualquer micareta que ela faça pelo país. 

Para ele, o segredo da alta procura nesses blocos é justamente o perfil do cantor. “Bell tem uma energia positiva que só ele tem. Sem ele, na minha opinião, o Carnaval acaba”, diz o corretor, que, nos dias em que não está nos blocos, escolhe ficar nos camarotes onde há shows de Bell. “O gosto por Carnaval veio do meu pai, que já é falecido desde 1995. Ele saía com Bell também e me levou”. 

Lei de mercado O presidente do Comcar, Pedro Costa, está entre os que atribuem o crescimento das vendas dos blocos a fatores como a promoção da cidade e do estado. A divulgação de eventos do verão de Salvador também teria feito diferença. “Eu diria que estamos em Carnaval desde o Festival de Verão. Depois, tivemos um Réveillon espetacular que trouxe muito turista para cá. Sem contar a novela da Globo, que divulgou Salvador e suas belezas culturais, ecológicas e históricas no horário nobre”, enfatiza. Para o secretário municipal de Cultura e Turismo, Cláudio Tinoco, existe um sentimento de identidade de muitos foliões com os blocos. Em 2017, a prefeitura chegou a fazer uma pesquisa qualitativa em cidades fora da Bahia que chegou a conclusões como essa. Na avaliação dele, há um fator de preservação dos blocos promovido pela própria administração municipal que é de montar a programação de trios sem cordas somente depois que o Comcar anuncia a lista de atrações de cada circuito. 

“De fato, existiu uma crise. De fato, diminuíram os blocos com cordas e um exemplo objetivo é a quinta-feira no circuito Barra-Ondina. Três anos atrás, tinham uns quatro blocos. Esse ano, não tem nenhum. Por isso, introduzimos o Furdunço na quinta-feira na Barra e contratamos trios sem cordas. Mas esse movimento do mercado beneficia os blocos que permaneceram”, avalia. 

Se o período de comparação entre o número de blocos for maior, a diferença fica ainda mais visível. Dez anos atrás, em 2009, pelo menos 13 blocos com cordas, comandados pelos principais artistas da música baiana, desfilaram no circuito Dodô (Barra-Ondina), na quinta-feira daquele Carnaval. Este ano, a lista divulgada pelo Comcar não traz nenhuma agremiação nesses moldes para desfilar no mesmo dia e no mesmo circuito. 

Segundo Cláudio Tinoco, as agremiações que resistiram à crise conseguiram permanecer por oferecerem bons serviços.

“Por essa lei do mercado, você diminui a oferta e aumenta uma demanda. Esse crescimento (das vendas) pode ser uma consequência dessa regra de mercado para aqueles que permaneceram com sua formatação de bloco tradicional", aponta.