Adultos ultrapassam idosos e representam 60% de internados em Salvador

Na primeira onda da pandemia de covid-19, no ano passado, pessoas na faixa etária dos 30 aos 59 anos representavam 40% dos casos 

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 17 de março de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Com falta de ar e sem conseguir respirar, Josenita Barbosa, 59 anos, foi levada por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Paripe. Ela chegou no local às 12h dessa terça-feira (16). Antes, passou a manhã tentando ser atendida no posto de saúde de Fazenda Coutos, até que passou mal e foi transferida. “É a segunda vez que venho aqui. No dia 11 já tinha vindo, mas mandaram eu voltar para casa”, contou a senhora antes de entrar na unidade de saúde.  

Josenita faz parte do grupo que vêm sendo mais afetado pela segunda onda da pandemia. O número de pessoas adultas, entre 30 e 59 anos, internadas por conta de covid-19 aumentou em Salvador nos últimos meses e ultrapassou a quantidade de idosos na mesma situação. Nesta terça-feira (16), durante um evento virtual, o prefeito Bruno Reis (DEM) afirmou que na primeira onda da pandemia, no ano passado, pessoas com 60 anos ou mais representavam 60% dos internamentos.   “Na primeira onda, nas nossas UPAs, de cada 100 pacientes, 60 eram idosos. Agora, são 40. Hoje, temos 60% de adultos, pessoas de 30 a 59 anos; enquanto no passado a maioria dessas vagas era ocupada por idosos”, afirmou Reis.  Além da negligência de parte da população mais jovem em lidar com a doença, relaxando as medidas preventivas, outros dois fatores foram apontados pelo prefeito como cruciais para fazer a balança inverter:  “primeiro, a vacina já começa a surtir efeito e, em segundo lugar, esse cenário mostra que a cepa do vírus é mais agressiva, e que ela tem, como a gente vem evidenciando, o poder de gerar sintomas mais graves, tanto que os pacientes chegam mais debilitados nas UPAs, e estão permanecendo por mais tempo nas unidades”.   

Professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a médica infectologista Jacy Andrade concorda com o prefeito e aponta os mesmos fatores. “Isso está acontecendo não só aqui em Salvador. É no Brasil todo. São pessoas jovens que estão se infectando mais, em parte pela característica do vírus de maior transmissibilidade das variantes, mas também porque os jovens estão circulando mais, fazendo aglomerações. No geral, os idosos estão mais em casa e já começaram a ser vacinados. Tem a questão do vírus e do comportamento da população”, advertiu a especialista.   Variantes mais agressivas exigem atendimentos mais complexos (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Leitos comprometidos    Bruno Reis diz também que a mudança de perfil etário dos pacientes serve para confirmar que a vacina é a forma mais eficiente para se proteger do coronavírus. Ele frisou que a internação prolongada dos adultos está sobrecarregando ainda mais o sistema de saúde, porque reduz a rotatividade e atrasa a liberação dos leitos para novos pacientes, principalmente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) onde essa disputa é mais acirrada.  

Daniela Gomes Silva, 34, conhece bem essa realidade. Seu irmão Diego Gomes Silva, 37, está internado na UTI do Hospital São Rafael com covid-19. Toda a família foi contaminada, inclusive o pai, Francisco de Assis Silva, 74, que não tem plano de saúde e está dependendo do atendimento no SUS. Anteontem, após 24 horas de luta da família, ele finalmente foi admitido no gripário de Paripe. Só conseguiu a vaga porque uma pessoa mais jovem foi regulada para o hospital.  “Lá dentro as pessoas que estão internadas são realmente mais jovens. Meu pai tem comorbidade, está num tratamento de câncer, mas sua situação parecia ser melhor do que a dos outros quando a gente o deixou. Só que como já se passou um dia e não tenho nenhuma notícia dele, vim até aqui [à UPA] para saber como ele está. Se não tivesse tantos jovens contaminados, ele com certeza teria uma assistência de saúde melhor. Infelizmente, os mais novos não estão ligando mais para nada, não estão pensando nos outros”, desabafou Daniela. A reportagem percorreu outros gripários e UPAs de Salvador, onde verificou a presença de pessoas mais jovens em busca de atendimento. Em Marback, Vanesca Fonseca acompanhava o irmão Valdemiro Fonseca, 40, que estava deitado e não conseguia falar por causa das dores que sentia e da febre. “Eu estou aqui desde 7h e até agora, meio-dia, não fomos atendidos. Lá dentro está cheio e é também de gente jovem”, contou Vanesca.  

Na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Pirajá, Elislane Assis, 23, esperava sua mãe Andreia Assis, 42, receber atendimento. “Também já entrei e conferi que está cheio. Os jovens infelizmente não estão respeitando. Conheço vários que vão para aglomerações. Ainda bem que os paredões diminuíram, graças a esse toque de recolher, pois agora a polícia leva mesmo quem está na rua depois das 20h. Por isso sou a favor das medidas de restrições”, defendeu Elislane.   Segundo a Sesab, 23,32% dos infectados na Bahia têm de 30 a 59 anos; em Salvador, a SMS contabiliza 61% dos doentes nessa faixa (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Contaminados De acordo com o último boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), os casos de covid-19 entre pessoas de 30 a 59 anos correspondem a 56,76% do total. São mais de 425 mil pessoas infectadas com essa idade desde o começo da pandemia. Já as mortes das pessoas dessa faixa etária correspondem a 23,32% do total, ou seja, 3.139 mortos, o que representa uma taxa de letalidade de 0,74%.  

Em Salvador, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), os casos entre pessoas com 30 a 59 anos correspondem a 61% do total. O órgão não divulga o número absoluto de casos, nem mesmo o percentual de mortes por faixa etária. 

Outro fato de preocupação é o número de pessoas aguardando por uma vaga em um leito de UTI, que voltou a subir em Salvador. Ontem, as UPAs amanheceram com 87 pacientes na fila da regulação. No dia anterior, eram 80 pessoas nessa situação. A taxa de ocupação dessas acomodações está em 87%. Todos os pacientes que estão esperando por uma vaga de UTI, ontem, eram adultos. Além deles, havia outras 25 pessoas na fila por um leito clínico, 23 adultos e duas crianças, mesmo após 107 pacientes terem sido regulados no dia anterior  

Às 18h dessa terça, a taxa de ocupação dos leitos de UTI na capital baiana era de 86%. Esse dado mostra o quanto o sistema de saúde está sobrecarregado. Na UPA de Paripe, durante os 30 minutos que a reportagem esteve no local, cinco ambulâncias do Samu chegaram para trazer pacientes. Nem todos tinham casos suspeitos de covid-19. 

O agricultor Mario Rocha Silva, 56, não aguentou esperar a ambulância quando viu Rosane Soares de Sousa, 43 anos, passar mal com falta de ar.  “Eu estava indo para meu sítio em Simões Filho e vi ela pedindo ajuda. Fiquei sensibilizado. Coloquei ela dentro da minha vã e trouxe para cá. Acabei perdendo meu dia de trabalho, mas faz parte”, disse.  Minutos depois, a filha da jovem Naiara Soares de Sousa, 20 anos, chegou ao local e disse que, apesar da falta de ar, não há suspeita de covid-19. “Ela tem problema de pressão e acho que pode ter sido uma crise”, disse.    

Taxa de transmissão  Cada grupo de 100 contaminados pelo coronavírus tem o potencial de transmitir o vírus para outras 115 pessoas em Salvador. Isso porque a taxa de transmissão – Fator RT - da covid-19 na cidade, que estava em 1,27 até 26 de fevereiro, baixou para 1,15. O número, embora ainda preocupante, demostra que as medidas de isolamento e a suspensão dos serviços não essenciais na cidade estão surtindo efeito, afirmou ontem o prefeito Bruno Reis, com base nos dados do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde.     

O cálculo da taxa é complexo e leva em conta o número e o grau de novas infecções em um determinado tempo. O índice serve para mostrar quão contagiosa é a covid-19. Se o RT for menor que 1, é indício de que os níveis de contágio estão caindo. Igual a 1 indica estabilidade e, maior do que 1, mostra que cada indivíduo infeccioso causa, em média, mais do que uma nova infecção, representando crescimento da propagação da doença na população, como ainda é o caso de Salvador.   

Bruno também explicou que Salvador tinha 2.912 casos ativos da doença em 26 de dezembro e que esse número, até segunda-feira (15), era de 1.565 casos. “Ou seja, tivemos uma redução de quase 50%. Vejam que as medidas de isolamento estão dando certo. Estão evitando que mais pessoas contraiam o vírus na cidade”, argumenta. 

Mais uma vez, a professora Jacy Andrade concorda, acrescentando a importância da vacinação nesse processo. “A maneira mais adequada de controlar a pandemia é a vacina. Uma outra que temos é o distanciamento e uso da máscara. Pode ser que todos os dados tenham relação com a vacina ou com um maior distanciamento por causa do toque de recolher”, diz.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.