Advogada defende que venda do Colégio Odorico Tavares é ilegal

Instituição está envolvida em processo judicial

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  • Fernanda Varela

Publicado em 29 de janeiro de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Governo do Estado/Arquivo

A venda do Colégio Estadual Odorico Tavares pode ser considerada ilegal. É o que defende a advogada Juliana Caires, uma das autoras da ação popular contra o encerramento das atividades da escola e comercialização do imóvel, que fica no Corredor da Vitória.

Segundo ela, o colégio não deveria ter autorização de venda, já que uma ação judicial em andamento questiona justamente a legalidade deste processo. “Isso é uma tese que vamos sustentar, porque o processo continua em curso, não foi encerrado. Em tese, não se pode vender um prédio cuja legalidade da venda está sendo discutida judicialmente”, disse ao CORREIO.

Juliana foi uma das advogadas que abriram um processo contra o estado da Bahia, o secretário estadual de Educação, o secretário estadual de Administração e o governador do Estado da Bahia, que tramita na 8ª Vara da Fazenda Pública de Salvador.

A iniciativa de lutar contra o fim das atividades da escola surgiu após a advogada participar de uma reunião após o anúncio do fechamento, que contou com membros do Odorico, como professores, além de pais e alunos. Sensibilizada com a demanda de quem pede a manutenção da unidade de ensino, ela decidiu acionar a Justiça.

Juliana chegou a tentar entrar com uma liminar para solicitar a abertura das matrículas para 2020, sem sucesso. Na ação, ela também solicita que existem irregularidade no processo de venda da escola, já que ninguém da comunidade escolar foi ouvido, por haver uma violação de desafetação prévia, e pelo fato da medida representar um retrocesso social no direito à educação.

"Embora o indeferimento da liminar impossibilite a abertura de turmas para o ano letivo de 2020, a continuação do processo traz risco à venda do imóvel, já que está discutindo a sua legalidade. Ou seja, quem comprar, vai comprar assumindo o risco", explica.

Nesta segunda-feira (27), deputados estaduais aprovaram a venda do terreno. O encontro aconteceu na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) e contou com 31 votos a favor e 12 contrários.

Procurada para comentar a possível irregularidade, a Secretaria de Educação se  manifestou por meio de nota e disse que "não há decisão que impeça a tramitação do processo de venda do prédio do Colégio Estadual Odorico Tavares".

Já o Ministério Público Estadual (MP-BA) disse que "abriu em dezembro do ano passado um procedimento para averiguar as consequências do fechamento do Colégio Odorico Tavares. Segundo o promotor de Justiça José Vicente, do Grupo de Atuação em Defesa da Educação (Geduc), não há prejuízo ao direito à educação se há vagas garantidas em outras escolas aos estudantes da unidade a ser fechada". O órgão acrescentou ainda que "não há procedimento no MP quanto à venda do terreno".

Estudantes  Não é apenas a advogada que questiona a venda. Os estudantes também já se mostraram contrários ao fim das atividades do Odorico e chegaram a ocupar o imóvel por 10 horas. Para Débora Nepomuceno, vice-presidente nacional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a decisão é equivocada.

"Isso nada mais é que uma manobra política para o benefício da elite, porque não é conveniente para eles que tenha uma escola para a comunidade em pleno Corredor da Vitória", opina.

Em uma carta, a Ubes acusa o governador Rui Costa de tomar "medidas arbitrárias e sem diálogo".

"Falar de educação é sensível e independente de onde os estudantes estudem, o movimento Estudantil está organizado para isso, por que lutar pela educação pública de qualidade não é crime! Crime é não dialogar, mandar a polícia para reprimir, usar das velhas táticas políticas que já foram derrotadas para tentar impedir que a crítica seja apresentada", diz o documento.

"As aulas estão retornando e nosso compromisso é reivindicar as melhorias necessárias para assegurar uma educação de qualidade, de respeito e dignidade para os estudantes, professores, funcionários e a sociedade como um todo", completa.

Venda irreversível Ainda nesta segunda-feira (27), o governador Rui Costa afirmou que o fechamento do Odorico Tavares é irreversível. Ele ainda não havia se pronunciado sobre o fechamento da unidade. 

“Eu penso que equipamentos de qualidade podem e devem estar onde o povo mora. Na polêmica, fico do lado do povo, de onde eu vim. A escola serve de referência não somente para aprendizado stricto sensu, serve para a prática cultural. Um equipamento educacional em comunidade pobre tem uma função social extraordinária porque vai ser usado nos 365 dias no ano, não apenas nos dias que tiver aula. Salvador praticamente não tem equipamento de convivência social nas comunidades pobres”, afirmou na Rádio Metrópole.  Quadra de esportes acumula água, limo e entulho. Espaço tinha cobertura, mas desabou em 2017  (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Durante a entrevista, o governador disse estar surpreso com a perda de alunos a cada ano - em 2019, a quantidade de alunos matriculados foi 300, quando a capacidade era para mais de três mil, segundo o governador. Rui disse que a decisão vem em nome de melhorias. 

“A minha sensibilidade maior é com quem estudou lá, que tem memória afetiva com a escola. Naquele local, nem escola particular tem porque não tem demanda pra isto. Respeito quem pensa diferente, mas não posso fabricar dinheiro. Nós vamos vender não somente este imóvel, mas outros também pra construir mais escolas”, complementou.

O governador informou que serão publicadas, nesta semana, licitações para construção de novas escolas. Bairros como Lobato, Paripe, Cabula (Estrada das Barreiras), São Cristóvão, Pau da Lima, Imbuí, Fazenda Grande do Retiro e Vila Canária sediarão novos colégios, além de municípios como Teixeira de Freitas, Candeias, Lauro de Freitas e a comunidade quilombola de Laje dos Negros, em Campo Formoso, que já será inaugurada em março deste ano.

Até o fim do segundo mandato (2022), Rui prometeu entregar 60 escolas completas, com 35 salas de aula climatizadas, quadra cobertura, biblioteca, piscina, teatro e refeitório.

Abaixo, uma cronologia com as diversas fases que o colégio passou antes do anúncio do seu fechamento: 11 de abril de 1994 - Inaugurado pelo governador Antônio Carlos Magalhães para ser um colégio modelo, o Odorico Tavares nasceu para ser referência no ensino público, ao oferecer uma estrutura com laboratórios, anfiteatro e quadra de esportes Melhores anos - Era comum ver pais de alunos dormirem na fila para conseguir uma vaga. No auge, há 10 anos, o Odorico era um dos colégios mais cobiçados nos sorteios eletrônico de vagas feitos pela Secretaria Estadual de Educação Fevereiro de 2015 - Em uma reportagem publicada pelo CORREIO, o Odorico Tavares aparece na 7ª posição entre as 10 escolas mais bem avaliadas pelo Ministério da Educação na nota do Exame Nacional do Ensino Médio 22 de março de 2017 - Após fortes chuvas que ocorreram em Salvador, a cobertura da quadra de esportes da unidade desabou. Nesta época, o Odorico já apresentava problemas com a falta de manutenção do prédio Dezembro de 2019 - O colégio, de capacidade para 3,6 mil alunos, é desativado, só com 308 matriculados. Janeiro de 2020 - Projeto de Lei que autoriza a venda do Odorico Tavares é aprovada na Alba.