Advogado é agredido por PMs em cais de Madre de Deus: 'racismo inegável'

OAB repudia "mais uma demonstração do racismo que permeia a sociedade brasileira e instituições como as polícias militares"; PM diz que agentes sofreram desacato

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  • Da Redação

Publicado em 1 de agosto de 2021 às 16:19

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal e Divulgação

O advogado Leandro Oliveira, de 40 anos, afirma ter sido agredido com um tapa no rosto e cotoveladas por uma guarnição da Polícia Militar, na cidade de Madre de Deus, no cais onde aportavam as lanchas que fazem a travessias entre a cidade e Salvador e suas ilhas. O caso ocorreu neste sábado (31). A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA) divulgou nota, onde diz repudiar a agressão sofrida pelo advogado. A instituição diz se tratar de "mais uma demonstração do racismo que permeia a sociedade brasileira e instituições como as polícias militares." Em nota, a PM alega que os policiais foram desacatados.   Neste domingo, o Correio conversou com Leandro sobre a situação. "Eu atendo na comunidade de Paramana, Ilhas dos Frades. Advogo lá nos finais de semana. Minha mãe tem uma casa lá, e é um lugar que frequento desde os 8 anos, por isso terminei montando um escritório lá", contou.   O advogado tentava voltar para Salvador, de Paramana, mas por conta do mau tempo, foi informado que teria que embarcar do distrito de Loreto, que fica a cerca de 2 km de Paramana. "Como era uma paletada, eu tirei minha roupa de atendimento, botei uma bermuda e caminhei até Loreto. Eu já havia pagado a minha passagem em Paramana, e estava com o comprovante em mãos e segui, junto com meu primo para embarcar em Loreto", disse.   Ao chegar no distrito, Leandro e passaram pela catraca que dá acesso às embarcações. Neste momento, ele disse ter sido abordado por uma funcionária do local que disse teríamos que pagar, cada um, R$ 25 reais por ter "entrado" em Loreto. "Eu expliquei a ela, que não estava ali usufruindo, que vim apenas para o embarque, já que não poderia embarcar em Paramana. Ela disse que dessa forma eu iria prejudicá-la, eu informei que não embarcamos em Paramana por uma orientação".   A Ilha dos Frades tem uma taxa de preservação ambiental. No entanto, além de ter ido até o trecho por orientação da travessia, o advogado tem residência na Ilha, ou seja, não deveria ser cobrado pela taxa. "Eu não fui ao Loreto porque eu quis usufruir, eu só queria sair da Ilha", disse.   Ele realizou o embarque e ao chegar em Madre de Deus, uma guarnição da Polícia Militar já o aguardava no cais. O advogado seguia em direção ao local onde o seu carro estava estacionado, quando foi abordado pela guarnição de policiais militares da 10ª CIPM.  "Com uma mão na arma, o policial me abordou dizendo para que colocasse as mãos na cabeça, abrisse as pernas e virasse de costas. Então, eu disse que queria saber o motivo da abordagem. Eu disse que queria me identificar para evitar qualquer tipo de constrangimento, mas quando apresentei minha (carteira de identificação) funcional da OAB, ele me deu um tapa na cara", contou. O advogado diz que os policiais ainda tomaram o celular do seu primo, que tentava registar a ação e o ameaçaram de agressão.    Segundo o advogado, o policial tentou quebrar o cartão funcional de identificação, e neste momento gritou para que o PM não continuasse, "Ele tentou quebrar minha OAB, aí eu gritei: "Você vai quebrar minha OAB?" Tinha as pessoas em volta, inclusive clientes que eu atendo na Ilha, aí ele desistiu,  mesmo assim ele danificou o chip do meu documento", disse.   Após o tapa e a tentativa de quebrar o cartão do advogado, o policial decidiu algemar o profissional, que voltou a questionar a motivação, já que, segundo ele, não resistiu. "Depois disso, recebi cotoveladas e fui sendo empurrado na ponte. Ele me colocou na parte de trás da viatura e me conduziu até a delegacia", disse Leandro.  Sem delegado em Madre de Deus, caso foi para Candeias   De acordo com Leandro, ao chegar na delegacia, o policial começou a fotografar e filmar o seu documento de identificação da OAB para mandar em grupos de policiais. "Eu questionei o motivo. O que ele queria fazer com isso?". De acordo com o advogado, o policial que teria lhe agredido modificou o relato feito ao escrivão mais de 4 vezes, até chegar à versão de desacato. Eu não o desacatei, minha ofensa foi ter apresentado a minha OAB", disse o advogado, que durante a conversa com o Correio, se emocionou em diversos momentos ao relembrar a situação.   De acordo com Leandro, como não havia delegado de plantão, ele deveria seguir para Candeias, no entanto, a guarnição acusada de agredi-lo queria fazer a condução, o que foi recusado pelo advogado. "Eu disse que só saia com a condução da polícia civil ou acompanhamento da OAB. Aí, um agente da polícia civil muito sensato disse que minha alegação tinha razão, e que eu não poderia sair com a pessoa que eu acusava de agressao", falou Leandro.   Conduzido pela Polícia Civil, Leandro foi para a delegacia de Candeias. "Na delegacia, eu fui assistido pela Ordem, pela prerrogativa dos advogados". Além da representação da OAB, o advogado contou com apoio de representantes do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e do movimento Palmarino.   Os policiais registraram uma ocorrência de desacato contra o advogado. Em contrapartida, Leandro também registrou queixa contra os policiais por abuso de autoridade e lesão corporal. "Fiz exames no começo da madrugada no Instituto Pedro Melo, estou com muitas dores na coluna por conta dos empurrões e cotoveladas", disse o advogado.  "Racismo institucional"   Na nota, divulgada pela OAB, a entidade diz que a agressão ao advogado é "mais uma demonstração do racismo que permeia a sociedade brasileira e instituições como as polícias militares". Integrante do Coletivo de Entidades Negras, o advogado acredita que o racismo foi a motivação das agressões. "Racismo inegável isso que aconteceu. É o que ocorre na nossa sociedade esse racismo institucional. Ao me ver numa posição de me identificar como advogado, ele pode ter se sentido diminuido, e essa jamais foi minha intenção. Minha intenção era me identificar. Eu sou uma pessoa conhecida na Ilha", disse.  Providências   Leandro contou ao Correio que os próximos passos serão recolher as imagens do pier, que podem comprovar que ele foi vítima de uma agressão gratuita. Para ele, as agressões foram um desrespeito a toda a classe de advogados. Ele prometeu providências juridícas. "Solicitamos à OAB que entre com uma ação criminal contra o estado, e além disso, eu entrarei tanto contra o policial, como contra o estado na área civil. E Agerba também precisa explicar sobre essa situação do embarque. O Ministério Público já foi acionado pela OAB e vamos acionar o governo do estado. Está virando rotina a agressão de agentes do estado contra advogados e precisamos dar um basta nisso".   Polícia Militar diz que agentes foram vítmas de desacato   Em nota enviada ao correio, a Polícia Militar diz que foi chamada para uma ocorrência, após "dois homens teriam se negado a pagar a taxa de embarque, além de ameaçar uma funcionária". Segundo a nota, o advogado "se negou a ser abordado e passou a resistir e a desacatar os servidores estaduais". Veja nota.  "De acordo com informações da 10ª CIPM, policiais militares foram acionados por funcionários da empresa responsável pelo guichê de embarque e desembarque na localidade de Porto do Mirim, município de Madre de Deus, na tarde deste sábado (31) em razão de que dois homens teriam se negado a pagar a taxa de embarque, além de ameaçar uma funcionária.   De posse de informações quanto às características dos suspeitos, os policiais iniciaram a abordagem a algumas pessoas no local, sendo que uma delas se negou a ser abordada e passou a resistir e a desacatar os servidores estaduais. O homem foi abordado e conduzido à delegacia para o registro da ocorrência."  Veja trecho da nota da OAB assinada pelo presidente da Seção Bahia, Fabrício Castro e pelo presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-BA,  Adriano Batista   "A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA) vem a público repudiar veementemente a covarde agressão perpetrada por policiais militares contra o advogado Leandro Oliveira, neste sábado (31/07), no município de Madre de Deus.   (...) O advogado negro foi então violentamente abordado pelos policiais, em mais uma demonstração do racismo que permeia a sociedade brasileira e instituições como as polícias militares. Ao se identificar com a sua carteira profissional da OAB, Leandro Oliveira foi agredido com um tapa no rosto, que provocou ferimentos na sua boca. O advogado teve ainda sua carteira da Ordem confiscada pelos policiais, que tentaram quebrá-la. Em seguida, Leandro foi detido e conduzido à delegacia da cidade de Candeias.   (...)Lamentavelmente, a truculência e o despreparo demonstrados pelos policiais chocam, mas não são novidade. Na última semana a OAB-BA solicitou uma reunião com a delegada geral da Polícia Civil da Bahia, Heloísa Brito, para tratar deste tipo de situação que vem se repetindo tanto com a Polícia Civil, quanto com a Polícia Militar.   A OAB da Bahia exige providências imediatas do Governo da Bahia, da Secretaria de Segurança Pública e da Corregedoria da Polícia Militar quanto ao afastamento dos policiais agressores e abertura de procedimento investigatório contra todos os agentes estatais envolvidos, para que sejam prontamente identificados e processados por crime de abuso de autoridade (Lei N° 13.869/2019), e outras sanções administrativas e criminais cabíveis."