Aeroporto Verde: terminal adota captura de animais, reúso de água e painéis solares

Investimento em iniciativas sustentáveis chega a R$ 25 milhões e incluem ainda lâmpadas de LED, tratamento de esgoto e central de resíduos

  • Foto do(a) author(a) Hilza Cordeiro
  • Hilza Cordeiro

Publicado em 6 de dezembro de 2019 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Urubus, carcarás e quero-queros. Aves comuns na região do Aeroporto de Salvador, essas espécies costumavam ser afugentadas com o barulho de fogos de artifício para evitar que causassem riscos na aviação. Técnica antiga usada em terminais aeroportuários em todo o mundo, a prática foi abolida em Salvador do ano passado para cá e, agora, os pássaros são capturados e soltos em áreas a 300 km do local.

Foi depois de conseguir licença de manejo de fauna através do Instituto do Meio Ambiente (Inema), em 2018, que o aeroporto passou a capturar não apenas as aves, mas diversos outros bichos. Também naquele ano, 200 animais chegaram a ser capturados em um único mês. 

Desde então, 222 espécies já foram catalogadas pela equipe de biólogos e veterinários, entre elas saracuras, pombos, corujas buraqueiras, rasga-mortalha e também gatinhos.

A Vinci Airports, concessionária que administra o terminal, diz que a iniciativa é pioneira no país. Além de um maior cuidado com os bichos, a empresa adotou outros compromissos ambientais como instalação de painéis solares, tratamento de esgoto para reúso de água, substituição de lâmpadas convencionais por LED e ainda um centro de reciclagem. Ao todo, o investimento nessas ações de sustentabilidade somam R$ 25 milhões. E os resultados já estão no ar. 

Com a adoção da captura de animais, reduziu-se em 80% o número de colisões com danos entre aves e aeronaves, comparando-se 2017 e 2018. Embora tenham inspirado os homens a criar os aviões, esses bichinhos representam um enorme risco para a segurança dos voos e podem gerar desde avarias até queda de aeronaves. 

Outras espécies de animais, como cobras e sapos, se estiverem na pista, também podem torná-la inoperante, interrompendo pousos e decolagens. Só em 2018, as pistas ficaram fechadas por 16h, somadas todas as paradas por causa de bichos. Este ano o número caiu para 4h, conforme dados da Vinci. “A gente teve casos em Salvador, no passado, de colisão de aeronave de pequeno porte com urubus, na qual um piloto perdeu a visão por causa do acidente. O nosso trabalho é evitar que situações como essas aconteçam”, explica Rodrigo Tavares, gerente de Meio Ambiente do aeroporto. Há dez anos, imagens do pouso forçado de um avião no Rio Hudson, nos EUA, mostrava como o choque com pássaros podia tirar não só vidas humanas, mas também a dos próprios animais, que morrem presos nas turbinas. A história real terminou virando filme nas mãos do famoso diretor Clint Eastwood.

Adoção Uma gatinha preta, inclusive, foi adotada por um dos artistas plásticos responsáveis pela decoração das novas instalações do aeroporto. A gatinha ganhou o nome de Nanquim, alcunha que faz referência à uma tinta negra de origem chinesa.

As confecções e adaptações das armadilhas para os bichos, sobretudo para captura de aves, ficam por conta do médico veterinário e ornitólogo Pedro Lima, da terceirizada Prime Ambiental.“É preciso estudar o comportamento de cada espécie. Para pegar um pássaro quero-quero, é preciso entender como ele age”, diz o ornitólogo. O aeroporto foi dividido em 20 pontos estratégicos e, diariamente, a equipe sai para observar esses locais. Além de levar os animais para longe do terminal, a equipe também tenta minimizar os focos atrativos dos animais, como água e alimentos, para evitar que eles continuem buscando o aeroporto como abrigo. Os sapos, por exemplo, que parecem oferecer baixo risco, devem ser pensados dentro do conceito da cadeia alimentar. Se o réptil morre na pista, sua carcaça atrairá um urubu. 

O grau de representação de risco das aves é calculado de acordo com critérios como peso, se andam sozinhas ou em bando e o histórico de colisões. Depois de apreendidas e analisadas, elas podem ser devolvidas à natureza e ganhar nova vida nas cidades de Simões Filho, Entre Rios (Massarandupió) e Jeremoabo. “O mais bonito desse trabalho é pegar uma ave visando preservar a vida humana e a dos animais também, trabalhamos no mesmo nível de importância. É uma quebra de paradigma e esperamos que outros aeroportos adotem a mesma metodologia”, aposta Pedro Lima.Eficiência energética As preocupações ambientais incluíram ainda a redução do consumo energético mensal no terminal aeroportuário. As mais de 1.200 lâmpadas convencionais foram substituídas por LED, gerando economia de 30% na conta de luz. O aeroporto passou ainda por renovação na estrutura e ganhou vidros que retém menos calor, novos elevadores, aparelhos de ar-condicionado e escadas rolantes mais eficientes. 

Além disso, o aeroporto se prepara também para a instalação de 11 mil painéis solares, que serão capazes de suprir 35% da demanda total do terminal. Só a título de comparação, essa usina de placas fotovoltaicas seria suficiente para abastecer 3.800 casas populares. 

Água de efluentes é 100% reaproveitada no aeroporto

O empreendimento ganhou configurações sustentáveis também pela instalação da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) no ano passado. O sistema faz o tratamento de esgoto removendo as impurezas dos efluentes tanto do aeroporto quanto das aeronaves, o que permite reaproveitamento de quase 100% da água tratada, que volta para o terminal e pode ser utilizada na jardinagem, resfriamento de asfalto e descarga de vasos sanitários.  O gerente Rodrigo Tavares e equipe comparam a água antes e depois do tratamento (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) De acordo com Rodrigo Tavares, gerente de Meio Ambiente do aeroporto, a ETE fez reduzir em 40% o uso de água potável do aeroporto e só no mês de novembro foram cerca de 8.000m³ recuperados. A meta para este ano inteiro é economia de 91,2 mil metros cúbicos de água. 

Implantada no primeiro ano de operações da concessionária, a Central de Resíduos fez o terminal aumentar em 30% o índice de reciclagem, segundo dados da própria empresa. Mensalmente, o aeroporto gera uma média de 80 toneladas de resíduos e a capacidade de processamento da central é de cerca de 3 mil toneladas ao ano.

Atualmente, a Vinci destina o material reciclável para a indústria e os resíduos orgânicos uma parte vão para aterro, já que ainda não encontraram parceiro que faça compostagem. 

A meta da empresa é que ainda ainda neste mês de dezembro o índice alcance 50% de reciclagem dos resíduos e chegue a 100% de aproveitamento já em 2020.“A gente gosta de olhar o meio ambiente não só do ponto de vista da redução de impactos ambientais, mas também como uma oportunidade de negócio. Coisas que parecem desagradáveis são muito úteis e têm valor. Todos os resíduos devem virar matéria prima de algum processo produtivo”, salienta Tavares.Com instalações ambiciosas no quesito sustentabilidade, a concessionária recebeu o Nível 1 da certificação ACA (Airport Carbon Accreditation), concedida pela organização Airport Council International (ACI), que avalia e reconhece os esforços de redução de gases de efeito estufa gerados pelos aeroportos. A entrega aconteceu no mês passado, durante a última assembleia do Conselho Internacional de Aeroportos - América Latina e Caribe, em que o Aeroporto de Salvador foi reconhecido pela instituição como um "aeroporto verde". Central de resíduos do aeroporto, onde acontece a reciclagem (Foto: Arisson Marinho) Para Júlio Ribas, diretor-presidente do aeroporto, o terminal de Salvador está na vanguarda das iniciativas sustentáveis no Brasil e destacou a questão ambiental como um dos temas mais intensos na sociedade atual.“Recentemente tivemos a Greta Thunberg, a menina suíça que vem defendendo o assunto na ONU. Num país com as dimensões do Brasil, é muito importante o transporte aéreo. Sem ele, o país não se unifica e o progresso não acontece. A solução viável é a gente conseguir unir meio ambiente e progresso econômico. A gente resolveu fazer esse esforço, que não estava previsto nas obras obrigatórias, para marcar a nossa posição e mostrar claramente para que viemos”, afirmou.Entrega das obras

As obras do aeroporto determinadas via contrato de concessão começaram em abril de 2018 e foram divididas em duas fases. A primeira, concluída no final de outubro, contempla 90% das intervenções previstas. A cerimônia de entrega acontecerá na próxima quarta-feira (11) com a presença de autoridades locais e nacionais.

Serão entregues nesta primeira etapa a expansão do terminal de passageiros em 22.000 m², melhorias nos sistemas de refrigeração e iluminação, ampliação do pátio de aeronaves, implantação de novas pontes de embarque, requalificação das pistas de pouso e decolagem, instalação de wi-fi gratuito e de alta velocidade, modernização de banheiros e fraldários, nova área para os balcões de vendas das companhias aéreas e check-ins em novo layout. A expectativa é que, após a reforma, o Aeroporto de Salvador tenha capacidade para 15 milhões de passageiros por ano.

Após a conclusão dessa etapa, será iniciada a segunda fase, chamada de 1C. Iniciada no dia 1º de novembro com conclusão em 31 de outubro de 2021, essa segunda fase contemplará a ampliação e retrofit da praça de alimentação, instalação de novas pontes de embarque e implantação de novas posições de check-in.  

CONFIRA 30 ESPÉCIES DE AVES ENCONTRADAS NO TERMINAL:Quero-quero Pombo doméstico Carcará Bico-de-ferro Andorinha-do-rio Bem-te-vi Anu preto Garça branca Polícia Inglesa do Sul Rolinha roxa Rolinha-fogo-apagou Carrapateiro Suiriri-cavaleiro Pardal Coruja-buraqueira Suiriri Sabiá-da-praia Andorinha-do-campo Quiriquiri Gavião-Carijó Andorinha-doméstica-grande Lavadeira mascarada Socozinho Sabiá-do-campo Andorinha-de-sobre-branco Asa de telha Bacurau Beija-flor preto Beija-flor tesoura Urubu