Afroempreendedorismo busca visibilidade e oportunidades

Empreendedores de diversos segmentos apontam os desafios e as soluções para ampliar as chances no mercado e nos negócios

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 29 de novembro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Wesley Dias/Divulgação

Antonio Carlos Gomes Conceição, 57, cresceu numa cultura empreendedora. Desde muito cedo, acompanhava a mãe, dona Eufrosina,  vendendo acarajé nas festas de largo e na Feira de São Joaquim. Também fazia parceria com o pai, Seo Dão, vendendo nas ruas dos bairros da capital baiana. "Lembro que, com uns 12 anos, eu já trabalhava vendendo camarão, biscoito paciência, amendoim e pipoca. Com os meus 15 anos, já era um vendedor ambulante, o que hoje em dia chama-se de empreendedor individual. Vendia picolé, drops, pamonha, cocada baianinha e banana, assim conseguia investir nos meus livros e fardamentos da escola", relembra. Tonho Matéria se transformou num empreendedor social e tem buscado incentivar outros empreendedores a transformarem suas realidades (Foto: Divulgação) O tempo passou e, hoje, Antônio Carlos ou melhor Mestre Tonho Matéria se transformou num  empreendedor social, cultural e artístico. Dirige  a empresa Aldeia Tribal Editora e Produções Artísticas Ltda, o Bloco da Capoeira, que é um projeto de carnaval administrado pela Associação Cultural de Capoeira Mangangá, também dirigida e criada por ele.

Apesar das conquistas, Tonho Matéria reconhece que a luta é árdua e contínua. "Ser afroempreendedor não é uma tarefa fácil. Tudo se torna distante e ao mesmo tempo, desafiador. Sabemos que, quem manda no mercado são os mais poderosos, e assim, é preciso criar estratégias alternativas para enfrentá-los inteligentemente. Como artista negro, sofro isso na pele e principalmente, no período do carnaval", completa. 

A trajetória de Tonho Matéria é uma ilustração da história de tantos outros afroempreendedores que, apesar de representar a maioria da população, se depara com inúmeros desafios no momento de montar o próprio negócio. A contadora e coordenadora de responsabilidade social da Associação de Jovens Empreendedores  da Bahia (AJE Bahia),Jaqueline Oliveira salienta que os três maiores desafios dos afroempreendedores são: 1) Dificuldade em acessar meios de financiamento para os seus negócios; 2) conseguir adentrar as redes tradicionais de fomento ao empreendedorismo e ter posições de destaque e assim estar na tomada de decisões quem mudem efetivamente a realidade de seus pares que ainda sofrem desigualdades; e 3) a alta taxa de impostos pagos que faz com que a manutenção dos negócios seja sempre árdua.

Soluções coletivas

"O acesso ao crédito se tornou mais acessível durante a pandemia, com a promulgação de medidas provisórias, que permitiram ao pequeno e médio empreendedor fôlego para se recuperar ao cenário pandêmico, além de medidas para que os seus funcionários não perdessem empregos", afirma. Para ela, no que se refere ao acesso a tomada de decisão e aos impostos, existem projetos de leis, mas que precisam ser acelerados para se tornarem reais e aplicáveis. "Aproveito a oportunidade para enfatizar o nosso papel de  também pensar essas políticas e cobrá-las", diz Jaqueline que, na semana passada, mediou a terceira edição do Vozes do Afroempreendedorismo em Salvador. Jaqueline Oliveira defende que os afroempreendedores proponham novas políticas públicas de inclusão e cobrem por essas iniciativas de inclusão no mundo dos negócios (Foto: Divulgação)  A representante da AJE fez questão de destacar o papel da coordenação específica para ações sociais, que se vincula à associações e entidades que trabalham com as pessoas negras, jovens, e principalmente, estar perto de comunidades desenvolvendo ações de capacitação e networking. "Essa é uma de nossas maiores fontes de acesso à juventude negra, que pode encontrar no empreendedorismo a sua carreira profissional", completa.

Jaqueline lembra que além das ações da AJE, ainda é possível contar com iniciativas de movimentos como o Black Money, o Sebrae para garantir de networking, capacitação e geração de negócios.

Solidariedade e etnia para prosperar 

Com a frase: onde falta política pública tem que sobrar solidariedade, o idealizador do Festival Capoeira em Movimento, Jurandir Júnior (Jacaré Di Alabama) reforça que o estado brasileiro não consegue enxergar a potência da população negra enquanto geradores de riquezas e mercado de trabalho. Jurandir Júnior defende que a solidariedade seja a tônica das ações de afroempreendedorismo e que se quebre a lógica individualista na hora de conquistar espaços (Foto: Wesley Dias/Divulgação)  Para ele, é preciso vencer a lógica da 'farinha pouca, meu pirão primeiro’  com organização e visão de futuro, buscando soluções conjuntas.  "Aliado a isso, ainda há o racismo estrutural que dificulta nosso acesso ao mundo do empreendedorismo. Durante o nosso Festival, marcado para os dias 20 e 23 de janeiro de 2022, queremos dar início a organização da cadeira produtiva do artesanato de capoeira, valorizando esses artesãos que, na maioria das vezes, não conseguem escoar a própria produção", anuncia.

O capoeirista diz que apesar de algumas conquistas, como a aprovação da Lei Moa do Catendê, que possibilitou que mestres e professores de capoeira conquistassem a possibilidade de ensinar em escolas, muito mais precisa ser feito para garantir a visibilidade dessa arte ancestral, que tem levado o nome da Bahia e do Brasil para o mundo e garantido o sustento de muitas famílias. Carlos Átilla acredita que políticas inclusivas garantirão a geração de empregos e novas possibilidades para os empreendedores (Foto: Divulgação)  A família também foi a motivação para Carlos Átilla, idealizador da Agô Go Ayê(@ago.raiz), montar sua marca de vestuário com influências africanas. Em 2017, o empreendimento surgiu como uma forma de garantir o sustento para o filho. "Não planejei muito a criação da marca, surgiu a oportunidade e me agarrei a ela", conta. "Esperamos que o Brasil equilibre as relações sociais, sobretudo a econômica, com propostas inclusivas que possibilitem aos microempreendedores a contratação de funcionários, contribuindo com a redução do desemprego no país, possibilitando o crescimento nosso e dos demais, na medida que toda a sociedade avança", finaliza.