Agricultura digital interessa 95% dos produtores

e-Agro vai levar soluções modernas para agricultores baianos

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 23 de novembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marca Studio Criativo/Divulgação

Tecnologia e inovação fazem parte da história da agricultura. Um belo dia, há milhares de anos, o homem percebeu que podia plantar as sementes dos vegetais que lhe serviam. Algum tempo depois, entendeu que era possível utilizar canaletas nas terras que margeavam rios e irrigar a terra. O contínuo processo de desenvolvimento tecnológico no campo se confunde com a própria história da humanidade e está muito distante de conhecer um limite. 

Um percentual de 95% dos produtores rurais brasileiros responderam ter interesse em receber mais informações sobre a agricultura digital, segundo uma pesquisa produzida pelo Sebrae, em junho deste ano. Atualmente, 84,1% já utilizam pelo menos uma tecnologia digital em seu processo produtivo. O principal uso é da internet, para atividades gerais ligadas à produção, com 70% do total, enquanto 57,5% usam aplicativos ou programas de computador para obter ou divulgar informações sobre a propriedade ou a produção. 

O uso dos equipamentos é principalmente para obter informações e planejar a atividade, gestão da propriedade, compra de insumos, planejar o manejo da terra e prever riscos climáticos. Entretanto, os produtores ainda relatam dificuldades na digitalização da atividade. O maior problema está nos custos dos produtos, seguido pela dificuldade de conectividade, apontada por 47,8% dos entrevistados – sem acesso à internet fica mais difícil ser digital. Em terceiro lugar, aparece a falta de conhecimento a respeito das tecnologias. 

Para tentar ajudar no acesso dos produtores baianos às facilidades do mundo digital, a Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) e o Sebrae promovem a e-Agro Bahia, Feira de Inovação e Tecnologia Agropecuária da Bahia, totalmente digital e gratuita de amanhã até quinta-feira (de 25 a 27 de novembro). O evento vai reunir representantes do governo, entidades representativas, produtores e empreendedores que são referências nos mais diversos segmentos agro. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas por meio do site www.eagrodigital.com.br.

Entre os palestrantes, estão Rodrigo Bonato, diretor de Agricultura de Precisão para a América Latina, da John Deere, e Eduardo Bastos, vice-presidente de Sustentabilidade para a América Latina, da Bayer. O presidente da Confederação da Agricultura do Brasil (CNA), João Martins; da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB), Humberto Miranda, e Jorge Khoury, superintendente do Sebrae Bahia também estarão do evento. 

Vice-presidente administrativo e financeiro da Faeb, Guilherme Moura acredita que a força demonstrada pela agricultura baiana está muito ligada ao desenvolvimento tecnológico do país no setor. “Inovação e tecnologia são coisas que representam o agronegócio brasileiro. Graças a isso, ao empreendedorismo e a coragem dos produtores, o segmento agropecuário está entre os mais fortes do mundo”, aponta. Para ele, permanecer nesta condição exige que o país encare os desafios digitais, tema da e-Agro Digital. 

O evento contará também com leilões virtuais de animais e máquinas usadas, stands virtuais das maiores empresas do segmento e ainda rodada de negócios para que o produtor rural possa negociar diretamente com as empresas compra e venda de produtos agropecuários. 

Um dos destaques do evento será o Green Friday, iniciativa que funcionará como uma Black Friday para o produtor rural com ofertas exclusivas de equipamentos, insumos, softwares e sistemas de gestão para o agro. Serão 8 horas de transmissão ao vivo com oportunidades diferenciadas para os participantes da e-Agro Digital.

A e-Agro acontece logo após o anúncio de que o agronegócio na Bahia vem crescendo: mesmo com a pandemia, o setor representa hoje 24% do PIB do estado, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). O incremento registrado é de 7,5% até agora, se comparado com o mesmo período de 2019. 

A Bahia ostenta o primeiro lugar no ranking do Nordeste, levando-se em conta os dados do Valor Bruto de Produção (VBP), de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 

Acompanhe ao lado as entrevistas com o presidente da FAEB, Humberto Miranda e com a coordenadora de Agronegócios do Sebrae-Bahia, Adriana Moura sobre o uso da tecnologia no campo. 

Serviço: e-Agro - Feira de Inovação e Tecnologia Agropecuária da Bahia (e-Agro Bahia) Data: de 25 a 27 de novembroInscrição gratuita: www.eagrodigital.com.br

ENTREVISTA - Humberto Miranda 'A tecnologia foi o fator que mais impactou'

Os elevados índices de produtividade da agricultura e anos consecutivos de crescimento só se tornaram possível graças aos investimentos realizados em tecnologia e inovação, destaca Humberto Miranda, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB). Para ele, o desafio do setor é difundir cada vez mais essas práticas. Humberto Miranda, presidente da FAEB (Foto: Marina Silva) A agropecuária vem registrando um longo período de crescimento, mesmo em períodos de maiores dificuldades para o conjunto da economia. Qual é o papel da tecnologia para se alcançar estes resultados? Fundamental é a resposta em apenas uma palavra. A Fundação Getúlio Vargas em 2018 comprovou que o fator que mais interferiu no aumento da produção e da produtividade nas principais culturas foi tecnologia e informação. Com os processos tecnológicos colocados nas atividades que alcançamos essa revolução e nos tornamos um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Nós tínhamos imensas áreas de cerrado no Brasil, inclusive no Oeste da Bahia, que os mais velhos chamavam de devolutas, que nem cercadas eram porque não serviam para produzir nada. A tecnologia, muitas vezes com coisas básicas como a análise de solo, correção através de calcário e com ganhos ambientais. Nós queremos mostrar que a boa agricultura e a boa pecuária conseguem ajudar o ambiente que é fundamental. Nós precisamos tratar bem a terra, cuidar do solo. Se você fizer uma análise do solo do Oeste hoje e comparar com 20 anos atrás vai ver que é um solo muito mais bem cuidado. Isso evitar ter que buscar novas áreas. Em resumo, a progressão cresceu em progressão geométrica e a área cresceu em progressão aritmética. Temos situações de redução da área plantada. 

A pandemia do novo coronavírus trouxe alguma dificuldade para o setor? Sinceramente não. Para ser bem sincero, mesmo no caso do crédito, que foi alvo de muita preocupação do empresariado, nos últimos anos se estabilizou e até aumentou em alguns casos, como armazenagem, seguro rural, nesses casos houve aumento. O que às vezes dificulta são algumas discussões ideológicas, que prejudicam o Brasil. Não falo de partido, meu partido é o produtor rural. O que eu quero ressaltar é que algumas discussões menos tecnicista atrapalha tanto internamente quanto externamente. Existem problemas ambientais que muitas vezes são tratados com desconhecimento. Sempre falamos na federação que não defendemos quem anda errado, o cara que grila terra, que desmata equivocadamente, que usa trabalho infantil... Isso tudo é condenável e não faz parte da boa agricultura. O que na verdade ajudou o Brasil foi a necessidade de alimentos. Alguns países tem ampliando a sua demanda e quem tem condições de continuar crescendo para atender essa demanda somos nós. Ainda temos áreas, por isso a perspectiva é positiva,  apesar de todos os problemas – políticos, de infraestrutura, energia elétrica, conectividade, insegurança no campo. Em plena pandemia, aumentamos nossa participação nas exportações para quase 50%. 

Como o avanço tecnológico impacta na sustentabilidade? Todos nós precisamos ter consciência que sustentabilidade tem a ver com sobrevivência. Não podemos nos ater à atividade do produtor rural, que precisa zelar mais para o uso da água, mas isso está acontecendo. Há 20 anos atrás, a maioria dos processos de irrigação era por inundação. Você fazia uma vala e jogava a água pelo solo, que saia como pequenos rios. Era um desperdício absurdo. Passou a ter a aspersão, depois à microaspersão, mais próximo da planta. Hoje, temos o gotejamento, que vai pingando perto da raiz. Isso tem uma economicidade de água em torno de 60%. É proteção ambiental e uso responsável da água. A produtividade te leva a aumentar produção sem precisar de novas áreas. Agora, sustentabilidade precisa ser mais ampla. A sociedade urbana precisa entender que quando a gente está nos grandes centros e utiliza os insumos de maneira irresponsável não estamos sustentáveis. Tem estudos indicando que em breve teremos mais plástico que peixes nos oceanos. Não temos nem 50% das cidades com tratamento sanitário e isso é poluição ambiental. Vai para os rios e acaba tirando a sustentabilidade que a sociedade tanto quer. Temos que  combater desmatamento, queimadas, mas precisamos também cuidar das grandes cidades. O ônus precisa ser partilhado por toda a sociedade. O grande passo que precisamos dar é o de compartilhar por toda a sociedade a responsabilidade por criar um mundo sustentável. 

Quais são as áreas em que a tecnologia avançou mais e onde ainda precisamos melhorar? Sem dúvidas esses avanços tiveram muito mais impactos na agricultura e em especial nos casos dos grãos e frutas. Onde a gente ainda está começando a dar esses grandes saltos? Na pecuária, que ficou um pouco para trás nos avanços tecnológicos e na difusão da tecnologia. Até temos nichos com altíssima tecnologia, mas ainda precisamos difundir mais. Na pecuária, a tecnologia não permeou o campo, como já permeou a agricultura. Para mim será o próximo grande salto que teremos no campo, em especial na pecuária do semiárido, onde até algum tempo se tinha o preconceito de que não era propício à atividade. Mas com tecnologias de suplementação, semiconfinamento, tratamento sanitário mais adequado, o semiárido está se tornando muito promissor. 

Os mecanismos que temos atualmente são suficientes para garantir o acesso dos pequenos produtores à tecnologia? É uma triste resposta, mas é não. Temos mais de 760 mil produtores, a maioria são pequenos e médios, principalmente da agricultura familiar. Estão em sua maioria no semiárido. E são exatamente as pessoas que mais precisam das políticas públicas como um todo. Temos na Bahia modestamente o que o Senar faz, que consegue atender em torno de 15 mil pequenos produtores, com assistência técnica e gerencial para atender os pequenos produtores. Eu tenho conhecimento de causa. O pequeno produtor, em grande parte, é de origem das pequenas cidades, normalmente tem a idade mais avançada, não tem acesso a educação formal de qualidade. Nós temos um débito muito grande, não só aqui na Bahia, um débito muito grande com os pequenos produtores. É um débito histórico, não vem de agora. Esse pequeno produtor precisa de capacitação empresarial para ser um empresário rural. Isso dificulta demais o desenvolvimento do estado e o nosso grande sonho que é o de ter um país mais igual. 

ENTREVISTA - Adriana Moura 'O caminho para ter uma gestão à altura do agro brasileiro'

A economista Adriana Moura Bonifacio, coordenadora de Agronegócios do Sebrae-Bahia, acredita que investimentos na melhoria da gestão vão fazer o agronegócio baiano crescer por muito tempo.  Adriana Moura, coordenadora de Agronegócio do Sebrae-Bahia ( Foto: Dário G. Neto/ASNBa) Qual é o papel do Sebrae no fomento ao agronegócio? O Sebrae atende hoje mais de 4 mil produtores rurais, no fomento do agronegócio principalmente em dois elos. É o produtor rural e a agroindústria. Nossa estratégia está voltada para a agregação de valor. Nós temos uma presença muito forte da agricultura familiar na Bahia, que representa 15% do total nacional. Além de fomentar agregar valor, buscamos ajudar as empresas a ganharem mercado, com certificação, marca, etc. A gente tem priorizado o trabalho em cadeias produtivas que tenham presenças fortes de pequenas propriedades e aí estou falando da cadeia do leite, da fruticultura, horticultura, do café, do cacau, que são cadeias em que a Bahia se destaca.

O Sebrae atua no fomento às compras de fornecedores locais. Qual a importância disso para o agricultor? A gente está num momento, que a pandemia inclusive fortaleceu, em que o consumidor cada vez mais está atento em relação a isso. Várias instituições tem feito estudos mostrando que o consumidor está interessado na origem do que ele consome, quer saber em que condições aquilo foi produzido, o impacto deste processo de produção, de onde está vindo e as propriedades dos alimentos. Temos uma geração nova, que é totalmente digital, que não compra qualquer coisa, que quer saber tudo sobre o produto, porque busca uma experiência. As pessoas estão muito mais conscientes. 

A entrada dessa nova geração na gestão das propriedades explica o aumento da busca por mais tecnologia no campo?  Com certeza. Os dados do IBGE mostram que temos uma população de produtores rurais com uma idade mais elevada e baixa escolaridade, então esse é um público para o qual ainda temos que fazer um esforço maior na hora de apresentar tecnologias mais avançadas, como sensores, por exemplo. Mas este ano estamos nos surpreendendo porque até mesmo este público está buscando se conectar. O jovem tem se interessado cada vez mais pelo agro, o Senar tem trabalhado muito isso. E nós temos soluções para este público mais jovem. Temos recebido demandas, muitas vezes, do jovem que por alguma razão precisou assumir a propriedade e aí eles querem investir e buscam conhecimento para ser mais assertivos. 

Quais são as oportunidades que as ferramentas digitais podem oferecer para quem vive do campo? Nós fizemos uma pesquisa este ano, em parceria com a Embrapa. É uma pesquisa nacional, mas 10% das respostas foram da Bahia. Uma coisa interessante é que 84% do público está utilizando a tecnologia de informação. Desde a internet e o celular, redes sociais para divulgar seus produtos, até tecnologias um pouco mais complexas, como sensoriamento. Os produtores estão se inserindo, enxergando uma oportunidade para isso. Há um campo para crescer e a nossa percepção nesta pesquisa é que o produtor percebeu isso. 

Qual é a relação entre a tecnologia e a sustentabilidade? A partir do momento em que essas ferramentas mais modernas de gestão permitem ao produtor conhecer melhor sua propriedade e os recursos e insumos disponíveis, ele vai otimizar este uso.  No Brasil o acesso à internet é um desafio até na cidade. Esse é um entrave uma agricultura digital? Para 48% dos agricultores este é um dos principais empecilhos. Mas o maior gargalo, para quase 70%, é o custo para a aquisição de máquinas e equipamentos. Um trator ou uma máquina inteligente custa caro.