‘Ainda tentou segurar no armengue’, lamenta vizinho sobre morte de idoso em obra parada

Conder disse ter notificado empresa responsável sobre necessidade de manutenção na comunidade de Vila da Barra, na Liberdade. Obra já dura 6 anos

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  • Wendel de Novais

Publicado em 26 de maio de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Paula Fróes/CORREIO

"Eu tava do outro lado. Ele tava vindo normalmente quando ficou preso na madeira que tem naquela rampa. No que o pé prendeu, ele se desequilibrou e caiu para trás. Ainda tentou segurar no armengue que colocaram como proteção, mas a madeira é fraca e não aguentou", narra Jorge Santos, 45 anos, estofador que é vizinho de João Batista, 64, que morreu na noite desta segunda-feira (24) após despencar de uma encosta na porta de casa.

Vendedor de frutas na feira da Calçada, João finalizava o percurso diário para casa, que é cheio de batentes, buracos e elevações na Rua Barão, na localidade conhecida como Vila da Barra, quando se desequilibrou em uma rampa improvisada de madeira que substitui provisoriamente uma estrutura que está sendo reformada pelo Governo do Estado há 6 anos.

De acordo com moradores, a reforma teria se iniciado com a previsão de conclusão em 3 anos e estava parada até agora, deixando em risco um caminho que serve de alternativa para mais de 300 pessoas que passam por ali rumo ao bairro da Liberdade, para evitar a fila do Plano Inclinado.

Líder comunitário da Rua do Barão, Danilo da Cruz, 35, afirma que precisou abrir a varanda da casa dele para que as pessoas corram menos riscos. "Ele (João Batista) caiu porque a situação da obra é um perigo pra gente. Ali já tá feio, mas era pior. Se eu não abrisse a varanda, o povo ia ser obrigado a passar na beira da encosta. Mas, ainda sim, aqui é perigoso e a gente sempre ficou preocupado que acontecesse algo como o que rolou com ele", conta o líder comunitário, que diz também ter entrado em contato com a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), responsável pela obra, em algumas oportunidades para falar sobre os problemas do local. 

Segundo Cátia de Souza Ferreira, 41, filha de Seu João, o pai já tinha caído na escadaria improvisada que tem no local meses antes. "Tinha se ralado todo", contou. "Precisava uma pessoa morrer pra consertarem aquilo?", questionou. 

Sem informação Cátia é a mais velha dos três filhos do vendedor de frutas. Além dela, Seu João deixou um filho de 34 anos e outro de 31. "Ele trabalhava há 24 anos na feira, a vida dele era essa: trabalhar e ir pra casa", contou a filha. 

Ela contou que ao receber a notícia da queda, ligou para o celular do pai algumas vezes. "O celular dele sumiu, acho que na hora que caiu", disse. Foi ao local com o irmão e ninguém informou sobre o falecimento do pai. "Ninguem falou nada, ninguém entrou em contato com a gente. Eu e meu irmão ficamos ligando pra ele sem conseguir, fomos no HGE [Hospital Geral do Estado] para saber se tinham mandado ele pra lá e falaram que ele não estava lá. Ninguem conseguia falar se ele estava ferido, se estava internado, se estava morto", lamentou a filha. 

Segundo Cátia, o sepultamento de Seu João acontece nesta quarta-feira (26), às 10h, no Cemitério Municipal de Pirajá.

A filha também revelou que o vendedor de frutas tinha colocado alguns pedaços de madeira na porta de casa como forma de proteção. "Eu ia lá de quinze em quinze, porque era eu quem lavava e passava as roupas dele e limpava a casa dele. Ele tinha essas madeiras e tiraram para fazer a obra. Ele poderia estar vivo agora, porque da entrada da casa dele para a beirada, a distância era pequena", contou. 

Cátia ainda está com as roupas lavadas e passadas que levaria para o pai neste domingo. "Tá tudo aqui ainda. Ele era meu herói, meu tudo, o homem que me carregava no colo, me levava pros lugares, ele vai ficar guardado no meu coração", disse a fiha. 

Circunstâncias da queda Por meio de nota, a Conder afirmou que aguarda as circunstâncias em que a queda de João aconteceu sejam reveladas, mas explicou o motivo do atraso da obra. "Houve atraso na obra pela necessidade de modificação da técnica utilizada para a construção da contenção, o que gerou alteração no contrato e novo prazo para sua aprovação junto à fonte financiadora".

Sobre a precariedade do equipamento de segurança da encosta, a companhia disse que já existia uma demanda com a construtora responsável pela obra para a manutenção do local. "A Metro Engenharia já foi notificada a restaurar a proteção ao longo de toda a extensão da encosta, onde os serviços estão em curso, para garantir a segurança das pessoas. A construtora também foi orientada a cumprir, como determina o contrato, a manutenção de passadiços e guarda-corpos".

Já a Metro Engenharia, empresa terceirizada contratada pela Conder para execução da obra, afirmou, também em nota, que a proteção da obra é alvo de constantes furtos de material.

Para Igor Sena, 24, servidor de limpeza que também é vizinho de João, a falta de manutenção provocou a queda já que, além dos problemas no piso, a iluminação da área é precária. "É arriscado andar por aqui também pela falta de sinalização e a escuridão. Não tem nada sinalizado como vocês podem ver e, na hora que anoitece, é difícil enxergar porque não tem nada de luz para ajudar quem passa por aqui a se orientar e evitar um acidente", declara Igor, que diz que não dá nem para perceber que tem obra por lá se ninguém informar.  Igor acredita que falta de estrutura no local provocou a queda de João (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Preocupação diária O acidente que provocou a morte de João chocou os moradores, mas não os surpreendeu. Para eles, o risco que algo acontecesse no local era cogitado por todos. De acordo com Igor, até por isso a angústia com a estrutura é contínua em um ambiente que é cheio de pessoas mais velhas e crianças. "A gente passa por aqui sempre, não temos muita opção. O pessoal não tem como ficar pagando três ou quatro reais todo dia para ir na Liberdade. Essa é uma via que nos dá acesso a tudo. Escola, creche, hospital, mercado. É tudo por aqui e precisamos passar com criança, gente mais idosa, sempre com medo do pior", relata.

Danilo compartilha do temor e diz que isso é ainda mais forte por todos saberem a quantidade de moradores que precisam se expor na via todos os dias para sair da localidade. "Ter essa área dessa forma nos tira o sono e por isso sempre corremos atrás de resolver. Não é um ou dois que passam aí. Pegando por baixo, todo dia mais de 300 pessoas precisam fazer esse caminho que tá um terror e completamente inseguro", lamenta. 

A Metro Engenharia, empresa terceirizada contratada pela Conder para execução da obra, também se manifestou em nota, afirmando que a proteção da obra é alvo de constantes furtos de material.

*Sob supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro.