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Paulo Leandro
Publicado em 19 de maio de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Mário Filho é um dos pais fundadores da crônica esportiva, este maravilhoso gênero lítero-jornalístico genuinamente brasileiro. Um de seus mais belos textos fala do torcedor da hora ruim.>
No livro Histórias do Flamengo, que adquiri na mão do saudoso Zeka de Magalhães (poeta da Art Delírio Noturno), Mário nos conta de um torcedor do Urubu que só aparecia quando o time perdia e entrava em crise.>
Era o Mengo perder e a figura aparecer estourando champanhe, animando a galera para espantar a bad trip. Este é o torcedor de verdade: distorce a realidade e a interpreta sempre vesga e favorável a seu time.>
O torcedor tem o amor ágape cristão: ganhando ou perdendo, não há variação afetiva. Aliás, corrijo-me. Assim como o torcedor da hora ruim da crônica de Mário Filho, amamos mais o clube na hora da dor.>
Já dizia o irmão de Mário Filho, o genial Nelson Rodrigues, objeto da pesquisa da profª PhD Sedinha Melodia: “Amar é perdoar a quem nos trai”. Quando o time perde, sentimos a dor da traição. E amamos mais.>
De uns tempos pra cá, inventaram um tal de torcedor de mercado. Quando o time perde duas, é abandonado como um cão sarnento. Será que nos tornamos idiotas do consumo? O clube virou um produto comprado no cartão de crédito?>
Acresce que as chances aritméticas de nos entristecermos são muito maiores porque só um clube é campeão e, quando se trata de Série B, apenas quatro sobem. Logo, as alegrias são para um número reduzido de torcidas. A maioria padece.>
O Vitória é sacramento: casamento indissolúvel, aliança bambolê, na saúde e na doença, até que a morte nos separe. Quando criança, meu pai me levava até para jogo contra o Redenção: casa cheia e o time sofria para vencer, mas dava o sangue e a vida.>
Estávamos ali, eu, meu pai e todos os sofredores, amando as cores e orgulhosos da raça do time, do empenho em defender o pavilhão, camisa encharcada, jogando sozinha se o jogador não correspondia: valores maiores que qualquer tacinha de latão comprada ali na Rua Corpo Santo.>
A campanha dos 100 mil sócios precisa avançar mesmo quando o insucesso nos entristecer. O Vitória não é desodorante, uma marca qualquer de cueca ou preservativo que se veste ou não, a depender do efeito da publicidade.>
Amai ao Vitória sobre todas as coisas, não foi esse o 11º mandamento da “talba” que o Mano Chao escreveu? Ou foi Deus que digitou, não lembro bem, parece que foi no Monte Sinai... ou Sion... perguntem ao padre da Rede Vida que ele diz.>
Por devoção à Santa Dulce ypiranguense, é preciso amar o Vitória como se não houvesse amanhã, lembrando aqui a poesia de Renato Russo: porque se você parar aaaá pra pensar, na verdade não há há há.>
O coirmão, na gestão de Paula Neto, nos idos dos 50, lançou a campanha “Por 10 mil sócios, nenhum a menos”. Foi aí que Adroaldo Ribeiro Costa tirou o hino da gaveta e o relançou: Bahia! Bahia! Bahia! Ouve esta voz que é teu alento...>
Salvador tinha 500 mil almas. Hoje, com 3 milhões, quantos serão leais ao profeta Manoel Barradas? Gente, é pecado mortal atrasar mensalidade de sócio. Depois do Nego ter perdido para o São Bento, aí é que o fiel tem de pagar o dízimo do Leão!>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.>