Anistia Internacional realiza reunião com MP-BA para enfrentar letalidade policial

Mães de jovens negros mortos na Bahia em ações da PM também participaram do encontro e pedem por justiça

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  • Da Redação

Publicado em 12 de agosto de 2022 às 22:46

. Crédito: Foto: divulgação

Três mães que perderam seus filhos em ações da Polícia Militar da Bahia realizaram uma reunião, nesta sexta-feira (12), com representantes do Ministério Público Estadual e da Anistia Internacional Brasil com o objetivo de enfrentar coletivamente o problema da letalidade policial, principalmente contra pessoas negras, no estado. Ana Maria dos Santos Cruz, mãe de Pedro Henrique Santos Cruz, morto baleado em 2018, aos 31 anos, dentro de casa, na cidade de Tucano, localizada no interior da Bahia, foi uma das mulheres que estavam na audiência. 

“O inquérito do homicídio de Pedro foi instaurado logo após o crime e até hoje nós não temos um posicionamento do Ministério Público. Os Policiais Militares já estão indiciados, nós familiares e amigos aguardamos um desfecho. É um sofrimento constante, depois do crime eu fiquei quase dois anos afastada do trabalho, sem ter condições de trabalhar”, contou  a mãe do ativista. 

O crime aconteceu na madrugada do dia 27 de dezembro de 2018. A casa de Pedro Henrique foi invadida por três policiais armados, que dispararam contra ele. O pai da vítima, José Aguiar de Souza, que mora a poucos metros do local, foi obrigado a levar os assassinos até o filho. A mãe da vítima relata que até hoje o marido acorda por volta das três da manhã, horário do crime, e não consegue voltar a dormir depois. 

“O horário exato, três horas da manhã, que ele foi abordado pelos assassinos, ele acorda esses anos todos nesse mesmo horário e não dorme mais. Nós não sofremos ameaças diretas, mas já fizeram investidas judiciais contra a mim e também aquelas ameaças veladas de passar em frente à nossa casa com a arma para fora, porque eles nunca foram afastados dos cargos”, contou a mãe de Pedro Henrique. 

A reunião das mulheres foi acompanhada por representantes da Anistia Internacional Brasil, movimento global com mais de 10 milhões de pessoas que realiza ações e campanhas para que os direitos humanos internacionalmente reconhecidos sejam respeitados e protegidos. Estão presentes em mais de 150 países. 

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, afirmou que Bahia é, segundo o Observatório Nacional de Segurança Pública, o quinto estado brasileiro com a maior taxa de letalidade policial. Ela afirmou ainda que o movimento e as mães participaram de outra reunião na quinta-feira (11) com o secretário de Segurança da Bahia, Ricardo Mandarino, Justiça, Direitos Humanos E Desenvolvimento Social, Carlos Martins, e com a Secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, Fabya Reis. 

“Fizemos um compromisso com o secretário de segurança pública, que se comprometeu a revisitar os casos dos jovens pretos que foram assassinados na Bahia. A gente quer que o secretário reconheça suas obrigações de garantir que a Polícia Militar atue de forma adequada, nos termos da lei e em respeito aos direitos humanos, garantindo que todos os procedimentos de investigação ocorram de forma célere para que as mães possam pelo menos uma esperança de justiça, esperamos isso dele”, pontuou Jurema. 

Na reunião de hoje com o MP, a reivindicação das mulheres era para que o órgão garantisse a participação de vítimas e familiares de vítimas nas investigações. “O Ministério Público representa a sociedade e, por isso mesmo, precisa estar aberto para o diálogo e a colaboração. Há um padrão explícito de assassinatos de jovens negros e pobres em todo país pelas armas das polícias, portanto, é preciso enxergar e enfrentar o racismo; é preciso entender as causas por trás dos desvios das polícias e atuar para corrigir. E a sociedade civil pode contribuir para a efetividade desta atuação”, alertou. 

Luís Alberto Vasconcelos Pereira, coordenador do Centro de Apoio Operacional, Segurança Pública e Defesa Social do Ministério Público da Bahia, que marcou presença na reunião, informou que a temática da letalidade policial é uma preocupação nacional dos Ministérios Públicos Estaduais e que na Bahia não poderia ser diferente. “Os números de mortes por ações militares são altos e preocupantes, mas o MP vem dando atenção a esse problema e estruturando sua atuação. Temos uma operação em andamento, realizada no interior da Bahia, voltada para esclarecer uma suposta organização criminosa envolvendo grupos de extermínio”, disse. 

Silvia do Santos, mãe de Alexandre Santos dos Reis, executado com mais dois jovens negros em uma ação da Polícia Militar na comunidade da Gamboa, na região da Avenida Contorno, no dia 1° de março, também desabafou na reunião sobre a falta de respostas da Justiça com relação ao caso. Moradores da localidade denunciaram, na época, que os PMs já chegaram atirando na localidade. A Polícia Militar informou no mesmo mês, em nota, que foi averiguar uma denúncia e ao chegar ao local foi recebida por tiros, tendo apenas reagido.

“Eu quero respostas, já se passaram cinco meses. É muito difícil essa batalha, essa luta todos os dias, mas a Anistia está ajudando bastante, espero que a justiça seja feita o quanto antes”, disse a mulher. Perguntada sobre uma mudança na taxa de letalidade policial contra negros no estado, Silvia diz não ter esperança. “Eu creio que é difícil que a PM mude porque eles vêm o negro de um jeito muito diferente da realidade deles, eles acham que eles estudaram e que todo preto é ignorante, daí eles atacam a gente dessas formas. Essa pressão por justiça é muito importante porque algum dia isso tem que acabar”, acrescentou. 

As mães da Gamboa relatam que a polícia continua fazendo incursões na comunidade e que os moradores vivem com uma sensação constante de insegurança e intimidação. 

Anistia Internacional Brasil lança filme sobre papel do Ministério Público no controle das polícias

Além da reunião, a Anistia Internacional do Brasil exibiu o documentário: “Descontrole – O Ministério Público no centro das atenções”, nesta sexta-feira, no Museu Eugênio Teixeira Leal, para mães de jovens mortos em ações da polícia e membros de outras organizações da sociedade civil,

A cada quatro horas, uma pessoa negra é morta pela polícia em seis estados brasileiros, segundo dados da Rede de Observatórios da Segurança. A sociedade sabe qual é o papel do Ministério Público nesses crimes cometidos por agentes das polícias em serviço? Esse é o questionamento da Anistia Internacional Brasil e de organizações parceiras, como o Olodum. Juntos, organizam com a Iniciativa Negra por uma nova política sobre Drogas e as Mães de Maio da Bahia, a exibição do documentário “Descontrole: o Ministério Público no Centro das Atenções”, seguida de debate.

O documentário abre o debate sobre a importância de o Ministério Público fazer o controle da atividade policial, inclusive nas investigações envolvendo mortes de pessoas negras em ações e operações policiais. 

“Cabe ao Ministério Público fazer o controle externo da atividade policial. Ele precisa se antecipar e compreender os crimes e demais formas de violência que acontecem sob sua jurisdição e agir para que não continuem acontecendo, para que vidas sejam salvas. Entre elas, as negras, que são as principais vítimas. De acordo com os dados da pesquisa “Pele Alvo: A cor da violência policial", da Rede de Observatórios da Segurança, na Bahia, que tem uma população negra que representa 76,5% da população do estado, 98% das mortes em confronto com policiais foram de negros. O que significa que o Estado foi o mais letal da região Nordeste em 2020”, disse Marcelo Gentil, vice-presidente do Olodum.

Trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=o5Zq3Rv75yg

Filme completo: https://vimeo.com/703921870