'Apanhei muito tempo de um homem branco', diz candidata a vice-governadora

Postulantes ao governo da Bahia debateram questões relacionadas às mulheres

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 27 de setembro de 2018 às 19:34

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

A Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres de Salvador promoveu nesta quinta-feira (27) um debate entre a sociedade civil e os candidatos ao governo do estado. O evento, que aconteceu na Escola da Defensoria Pública, no bairro do Canela, no entanto, reuniu apenas dois dos sete candidatos, Célia Sacramento (Rede) e Marcos Mendes (Psol), e três candidatas a vice: Jeane Cruz (MDB), Mônica Bahia (DEM) e Antônia Maria (PRTB), que é negra e relatou ter sido vítima de violência doméstica durante muitos anos de seu ex-marido, que é branco, e chegou a ser hospitalizada (ver mais abaixo).

O candidato do PT, Rui Costa, que detém 61% das intenções de voto, segundo a mais recente pesquisa Ibope, divulgada nessa quarta-feira (26), não compareceu nem enviou representante para compor a mesa. De acordo com a organização do evento, o petista alegou que estava cumprindo agenda de campanha no interior do estado.

A ausência de Rui e do vice-governador (e candidato à reeleição no cargo) João Leão (PP) foi um dos assuntos mais discutidos durante o encontro. O candidato do PSol, por exemplo, afirmou que “os dois faltaram com medo de apanhar das mulheres, já que pouco fizeram pela causa feminina nos anos de mandato”.

Já a vice-candidata na chapa de José Ronaldo (DEM), Mônica Bahia, declarou que o atual governador era a presença mais esperada do evento.

Todos os sete candidatos ao governo receberam um documento elaborado por um Grupo de Trabalho da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres com propostas para o novo gestor do Executivo estadual. Entre as questões pontuadas pelo grupo estão o aumento na taxa de feminicídio na Bahia, bem como os altos números de casos de violência registrados no estado.

De acordo com o Atlas da Violência divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Bahia ocupou o segundo lugar no ranking nacional de feminicídio, tendo registrado a morte de 441 mulheres em 2016, sendo, ainda, o sétimo estado com maior variação de feminicídio entre 2006 e 2016.

O grupo também apontou que, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net), entre 2009 e julho de 2018 foram 43.777 ocorrências de violência contra mulheres na Bahia, o que corresponde a 60,2% do total de registros.

Membro da Rede de Enfrentamento da Violência contra a Mulher, Cláudia Correia destacou que o encontro desta quinta-feira foi o segundo que reuniu os candidatos ao governo do estado, tendo o primeiro acontecido em 2014. Segundo ela, o objetivo do evento é “apresentar ao futuro governo propostas voltadas aos direitos das mulheres, visando, principalmente, o incremento no orçamento público destinado a questões de violência de gênero”.

Cláudia também afirmou que é imprescindível que os candidatos ao executivo estadual se preocupem mais com a causa feminina. “A gente percebe que tem aumentado o assassinato de mulheres e, principalmente, de mulheres negras, bem como a precariedade dos serviços oferecidos às vítimas de violência, o que inclui a demora na solução de casos de feminicídio”, disse.

Foi parar no hospital Durante o debate, a primeira a falar com os presentes foi a candidata a vice na chapa de João Henrique (PRTB), Antônia Maria, que disse que apanhou "durante muito tempo de um homem branco".“Eu fui vítima de violência doméstica, física e psicológica, quando não existia a Lei Maria da Penha. Eu fui casada com um homem branco, de família preconceituosa, que se apaixonou por uma negra e viveu dividido entre o amor e o preconceito. Ele me agredia moralmente. Saía para beber nos fins de semana e, quando voltava, achava a minha cara para arrebentar. Eu fui parar no hospital com o rosto todo quebrado e machucado de porrada que tomei. Vivi isso por muitos anos e não preciso de estatísticas para dizer qual o índice de violência contra a mulher, porque eu vivi isso todos os dias”, afirmou.Após o relato surpreendente, Antônia Maria causou polêmica quando sugeriu que as empresas destinassem cotas a mulheres vítimas de violência. “É importante que as empresas tomem essa iniciativa, assim como fazem com pessoas com deficiência”, comentou. A declaração causou incômodo em algumas pessoas da plateia. Outras concordaram.

Em seguida, foi a vez de Jeane Cruz, candidata a vice na chapa de João Santana (MDB). Segundo ela, é necessário que a questão da violência doméstica seja debatido para que possa fazer parte das propostas e planos de governo dos candidatos. “Sem a pressão das próprias mulheres, eles não vão olhar nada”, declarou.

Ainda segundo Jeane, o gestor do Executivo estadual não pode atuar sem a ajuda das prefeituras municipais. “É necessário um comprometimento de todos, principalmente na educação”, disse. A candidata a vice ainda criticou a cota de 30% destinada às mulheres nas coligações. Para ela, o ideal seria que fossem dividido de maneira igual - 50% de homens e 50% de mulheres. 

O candidato ao governo estadual pelo PSol, Marcos Mendes, foi o único homem a compor a mesa, presidida pela defensora pública Firmiane Venâncio, mas estava acompanhado da candidata a vice, Dona Mira, que ficou na plateia.

A candidata da Rede, Célia Sacramento, chegou ao evento com 50 minutos de atraso e justificou dizendo que precisou cumprir agenda em outros dois lugares. Segundo ela, uma das urgências na temática de violência contra as mulheres é a melhoria das instalações das Casas de Atendimento. “Quando uma mulher é agredida, ela, geralmente, se sente sem saída e acaba voltando para casa. É necessário tirar a vítima de violência desse ciclo”, observou.

A última candidata a falar no encontro foi a vice na chapa de José Ronaldo (DEM), Mônica Bahia. Ela destacou que é necessário encorajar as mulheres a denunciar os casos de agressão. “Mas, para que a mulher tome coragem, ela precisa se sentir segura. E isso só acontece com uma equipe especializada e qualificada que possa atender a mulher violentada”, afirmou. 

Emocionada com o relato de Antônia Maria, ela relatou que convive com pessoas que vivem outras situações de violência absurdas. "Eu sou ginecologista e lido de perto com mulheres, jovens. Todas nós conhecemos e já ouvimos casos de violência doméstica. Uma paciente que eu estou acompanhando está grávida e vai ter um filho do próprio pai. Ela me contou que é violentada desde os 9 anos pelo pai e pelo irmão. Ela e a irmã, que já fugiu de casa. Agora, ela está grávida por causa dessa violência", mencionou Mônica Bahia."Outra paciente, que deve ter 22 ou 23 anos, já vai estar o sexto filho e não sabe como evitar a gravidez. Tudo faz parte da educação, que deve ser dada dentro de casa. Um pai que violenta uma filha e ensina o filho a fazer a mesma coisa é um absurdo. Isso precisa ser combatido. Cuidar de assuntos voltados para as mulheres foi um dos motivos que me fizeram entrar na política”, complementou.

Após os discursos dos candidatos, foi aberta uma roda de perguntas da plateia e membros da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em Salvador também apresentaram as propostas, que já tinham sido enviadas aos concorrentes ao Executivo estadual. 

Veja onde buscar ajuda em caso de violência

Cedap (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa) – Atendimento médico, odontológico, farmacêutico e psicossocial a pessoas vivendo com HIV/AIDS. Endereço: Rua Comendador José Alves Ferreira, nº240 – Fazenda Garcia. Telefone: 3116-8888. 

Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan) – Oferece atendimento jurídico e psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência. Endereço: Rua Gregório de Matos, nº 51, 2º andar – Pelourinho. Telefone: 3321-1543/5196. 

Cras (Centro de Referência de Assistência Social) – Atende famílias em situação de vulnerabilidade social. Telefone: 3115-9917 (Coordenação estadual) e 3202-2300 (Coordenação municipal) 

Creas (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) – Atende pessoas em situação de violência ou de violação de direitos. Telefone: 3115-1568 (Coordenação Estadual) e 3176-4754 (Coordenação Municipal) 

Creasi (Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso) – Oferece atendimento psicoterapêutico e de reabilitação a idosos. Endereço: Avenida ACM, s/n, Centro de Atenção à Saúde (Cas), Edifício Professor Doutor José Maria de Magalhães Neto – Iguatemi. Telefone: 3270-5730/5750. 

CRLV (Centro de Referência Loreta Valadares) – Promove atenção à mulher em situação de violenta, com atendimento jurídico, psicológico e social. Endereço: Praça Almirante Coelho Neto, nº1 – Barris, em frente a Delegacia do Idoso. Telefone: 3235-4268. 

Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) – Em Salvador, são duas: uma em Brotas, outra em Periperi. São delegacias que recebem denúncias de violência contra a mulher, a partir da Lei Marinha da Penha. 

Deam Brotas – Rua Padre José Filgueiras, s/n – Engenho Velho de Brotas. Telefone: 3116-7000. 

Deam Periperi – Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol, s/n – Periperi. Telefone: 3117-8217. 

Deati (Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso) – Responsável por apurar denúncias de violência contra pessoas idosas. Endereço: Rua do Salete, nº 19 – Barris. Telefone: 3117-6080. 

Derca (Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente) Endereço: Rua Agripino Dórea, nº26 – Pitangueiras de Brotas. Telefone: 3116-2153. 

Delegacias Territoriais – São as delegacias de cada Área Integrada de Segurança Pública. Segundo a Polícia Civil, os estupros que não são cometidos em contextos domésticos devem ser registrados nessas unidades. Em Salvador, existem 16 (http://www.policiacivil.ba.gov.br/capital.html). 

Disque Denúncia – Serviços de denúncia que funcionam 24 horas por dia. No caso de crianças e adolescentes, o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos oferece o Disque 100. Já as mulheres são atendidas pelo Disque 180, da Secretaria de Políticas Para Mulheres da Presidência da República. Fundação Cidade Mãe – Órgão municipal, presta assistência a crianças em situação de risco. Endereço: Rua Prof. Aloísio de Carvalho – Engenho Velho de Brotas. 

Gedem (Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público do Estado da Bahia) – Atua na proteção e na defesa dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica, familiar e de gênero. Endereço: Avenida Joana Angélica, nº 1312, sala 309 – Nazaré. Telefone: 3103-6407/6406/6424. 

Iperba (Instituto de Perinatologia da Bahia) – Maternidade localizada em Salvador que é referência no serviço de aborto legal no estado. Endereço: Rua Teixeira Barros, nº 72 – Brotas. Telefone: 3116-5215/5216. 

Nudem (Núcleo Especializado na Defesa das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar da Defensoria Pública do Estado) – Atendimento especializado para orientação jurídica, interposição e acompanhamento de medidas de proteção à mulher. Endereço: Rua Pedro Lessa, nº123 – Canela. Telefone: 3117-6935. 

Secretaria Estadual de Políticas Para Mulheres Endereço: Alameda dos Eucaliptos, nº 137 – Caminho das Árvores. Telefone: 3117-2815/2816.  SPM (Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres de Salvador) – Endereço: Avenida Sete de Setembro, Edifício Adolpho Basbaum, nº 202, 4º andar, Ladeira de São Bento. Telefone: 2108-7300. 

Serviço Viver – Serviço de atenção a pessoas em situação de violência sexual. Oferece atendimento social, médico, psicológico e acompanhamento jurídico às vítimas de violência sexual e às famílias. Endereço: Avenida Centenário, s/n, térreo do prédio do Instituto Médico Legal (IML) Telefone: 3117-6700. 

1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar – Unidade judiciária especializada no julgamento dos processos envolvendo situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha. Endereço: Rua Conselheiro Spínola, nº 77 – Barris. Telefone: 3328-1195/3329-5038.

*Com supervisão do editor João Galdea.