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Da Redação
Publicado em 6 de fevereiro de 2020 às 22:41
- Atualizado há 2 anos
Após um policial militar ser filmado agredindo um rapaz negro em uma abordagem no bairro de Paripe, no último domingo (2), a Polícia Militar da Bahia (PM-BA) vai adotar palestras da Marcha de Emponderamento Crespo no curso para formação de soldados da categoria. A informação foi divulgada pela fundadora do grupo, Naíra Gomes, em entrevista à Rádio Metrópole, nesta quinta-feira (6).>
“Estivermos no Comando de Policiamento Regional da Capital Baía de Todos os Santos da PM. Estivemos com Coronel Lopes. A gente dialogou a tarde inteira. Não são casos isolados. Precisa resgatar essas pessoas. Foi um diálogo fantástico com a PM, e vamos fazer uma palestra dentro do curso de formação de soldados”, disse.>
De acordo com a representante da Marcha em Salvador, essa iniciativa “tende a se agigantar para uma matéria” dentro do curso de formação de soldados da PM-BA.>
Na gravação, o jovem de 16 anos aparece sendo revistado e, em seguida, acaba agredido com murros nas costas. O PM, que não teve a identidade revelada, também faz insultos racistas ao jovem após retirar sua boina e criticar o penteado, no estilo black power. >
Ao ouvir o rapaz dizer que é trabalhador, o PM retruca: "Você pra mim é um ladrão. Você é vagabundo! Essa desgraça desse cabelo. Tire aí [o chapéu], vá! Essa desgraça aqui. Você é o quê? Você é trabalhador é, viado?">
Corte de cabelo Em entrevista ao CORREIO, o jovem afirmou que está com medo e, temendo uma represália após a repercussão do caso, contou que pretende cortar o cabelo.>
"Não me sinto mais à vontade para usar [o black power]. Me sinto ameaçado, se ele [o PM] vai querer me pegar por causa do vídeo, fazer maldade comigo", comentou.>
Ele relembrou que no dia da abordagem tinha levado uma amiga de sua namorada no ponto de ônibus. "Parei para conversar com um colega que tava de carro. Foi quando a viatura veio e fez a abordagem. Deu chute primeiro na perna do meu colega e depois veio para cima de mim. Falou que eu era vagabundo com esse cabelo aqui, ladrão".>
'Não admito' O governador Rui Costa, em publicação feita em seu perfil oficial no Twitter, na manhã desta terça, comentou a denúncia de racismo envolvendo o policial militar.>
“Como governador do Estado da Bahia, não admito comportamento de violência policial como o ocorrido no vídeo que circula nas redes sociais. É inaceitável, inadmissível e não reflete o comportamento e os ideais da instituição”, disse Rui. >
Ele, que participou da entrega uma contenção de encosta na manhã desta terça-feira (4) na Bela Vista do Lobato, também no Subúrbio, afirmou que acompanha a apuração do caso.>
“Determinei apuração rigorosa e imediata da Corregedoria da Polícia Militar com as devidas punições legais aos responsáveis e divulgação para a sociedade das medidas adotadas, para que esses casos isolados não possam continuar comprometendo a imagem da instituição”, completou.>
Jovem que filmou agressão de PM está em programa protetivo>
O jovem que filmou a agressão de um policial militar a um rapaz negro passou a integrar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), da Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos. A informação é do Coletivo de Entidades Negras (CEN), que explica ainda que a decisão foi tomada pelo superintendente de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), Jones de Oliveira Carvalho, após reunião com o coletivo. O resposável pela gravação sofreu ameaças indiretas após fazer o vídeo que resultou no afastamento do PM das ruas.>
De acordo com o Coordenador Nacional do Coletivo, Yuri Silva, o CEN acredita que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos é uma opção melhor que o Programa de Proteção a Testemunhas (Provita). “O programa tem uma característica que é não ser tão restritivo do ponto de vista da dinâmica de vida do protegido. Esse é mais tranquilo que o Provita. O PPDDH tem a estratégia de expor mais o caso na mídia para criar uma rede de proteção e possui uma a articulação institucional da secretaria”, conta Yuri.>
O coletivo também se reuniu com o Corregedor Geral da Secretaria da Segurança Pública, Dr. Nelson Gaspar Alvares Pires Neto, que se colocou à disposição para montar um grupo para discutir alternativas para inibir casos de ameaça e agressão policial. A conversa foi feita com intermédio da defensoria pública.>
“A reunião com o corregedor foi muito boa para criar uma série de mecanismos de reciclagem e reconfiguração do processo de educação dos policiais. Também foi debatido o aperfeiçoamento do sistema de correção da Polícia Militar”, afirma Yuri.>
Ainda com relação ao caso, um ato político-cultural foi marcado para esta sexta-feira (7). Denominada Black não é crime: meu cabelo é minha raiz, a movimentação tem concentração marcada para às 14h em frente ao Quartel dos Aflitos, no Dois de Julho. >
O coordenador informa que o ato tem como objetivo chamar atenção dos policiais para o papel do seu trabalho na preservação das vidas dos jovens negros e periféricos. “Pretendemos fazer com que os policiais entendam que todos nós somos negros, jovens e da periferia e que agir com violência não ajuda em nada na construção de uma sociedade mais justa”, diz Yuri.>
O coletivo também deseja demonstrar para os policiais que eles são usados pelo estado para agir contra a população negra e que, por estes trabalhadores também serem negros e periféricos, é essencial atuar em conjunto com o movimento negro para construir uma segurança pública capaz de cuidar da população.>
O CEN acredita que a mobilização causada pelo caso foi suficiente para resolver o ocorrido, mas espera que este seja um passo para a construção de um novo marco de segurança pública.>
Por meio de nota, o a SJDHDS confirmou que recebeu a solicitação de inclusão do adolescente que filmou a agressão policial em um programa de proteção e disse que "a testemunha da violação de direito (que não terá sua identidade revelada por questões de segurança) chegou à secretaria acompanhado de Yuri Silva, membro do Conselho de Direitos Humanos do Estado da Bahia (CEPDH-BA) e coordenador do Coletivo de Entidades Negras (CEN); de Marcos Rezende, ativista do CEM; e do advogado Marcos Brito".>
A pasta informou ainda que em reunião com o superintendente de Direitos Humanos da SJDHDS, Jones Carvalho, e da coordenadora de Proteção aos Direitos Humanos da SJDHDS, Isaura Genoveva, "os membros da CEN discutiram o procedimento e tramites legais para fazer a inclusão do denunciante em um dos programas de proteção a defensores dos direitos humanos do Estado. O denunciante também é ativista do Coletivo de Identidade Negra e atua na periferia da capital baiana". >
“Incluir uma pessoa que reside no local onde ocorreu a violência e ainda é um ativista dos direitos humanos é extremamente necessário para, primeiro, garantir a sua integridade física e psicológica, e, segundo, mostrar à sociedade que o Estado protege e aplica as leis necessárias para que o direito humano de ir, vir e existir seja plenamente respeitado e assegurado”, avaliou o superintendente. >
Além de discutirem a inserção da testemunha da violência no programa, também foram discutidas estratégias e sugestões que possam ser consideradas para fomentar as boas práticas dentro do sistema de segurança na Bahia.>
“Estamos buscando caminhos de mudança dessa realidade da PM na Bahia, que, inclusive, em sua maioria é composta também por jovens negros e periféricos. Incentivar boas práticas, mecanismos de salvaguarda tanto à atuação do agente público quanto da sociedade com seus direitos. Esse é um dos diálogos que estamos fortalecendo com poder público e com a sociedade civil”, ressaltou Marcos Rezende.>
“A gente fez a provocação ao secretário Carlos Martins e ele foi sensível à questão. Discutimos o melhor modelo do programa para inserir o jovem. Isso irá inibir as possíveis retaliações, uma vez que o próprio Estado, junto à atuação do Conselho e do Coletivo, é quem está protegendo a testemunha”, completou Yuri Silva. >
“Agora estou me sentindo mais seguro, sabendo que o Estado está ao meu lado”, declarou a testemunha. Após o ocorrido, o governador Rui Costa determinou apuração rigorosa e imediata da Corregedoria da Polícia Militar.>