Após agressão de PM, movimento negro protesta em frente ao Quartel dos Aflitos

Manifestantes protestaram contra o racismo e pelo seu direito de usar o cabelo da forma como desejar

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 7 de fevereiro de 2020 às 20:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO
. por Fotos de Marina Silva/CORREIO

Os versos emblemáticos de ‘Que bloco é esse?’, do Ilê Aiyê, embalaram um protesto, nesta sexta-feira (7), organizado por diversas entidades do movimento negro, em frente ao Quartel dos Aflitos, sede da Polícia Militar da Bahia. Os manifestantes cantavam “Somos criolo doido, somos bem legal, temos cabelo duro, somos black power”, enquanto entregavam rosas brancas a policiais e reafirmavam, durante todo o ato: “Meu black não é crime”.

Unidas, diversas organizações protestaram pelo seu direito de o negro usar o cabelo da forma como deseja, sem ser identificado como marginal ou criminoso. Foi uma reação ao episódio do último domingo (2), em que um adolescente negro foi agredido por um PM por conta do cabelo.

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O caso de agressão ao jovem adolescente, que aconteceu no último domingo (2), gerou indignação em diversos grupos que se manifestaram ao longo da semana. No próximo domingo (9), quando o episódio completa uma semana, um abraço coletivo organizado pela Marcha do Empoderamento Crespo, vai acontecer em Paripe, bairro onde a abordagem ao adolescente foi filmada. O card de divulgação do evento é ilustrado com uma foto do adolescente feita pelo repórter do CORREIO Bruno Wendel.

“Casos como esse acontecem diariamente. Mas esse é um caso emblemático porque tem sido o caso onde a violência policial por conta da estética foi registrada da forma mais nítida. Dizer que meu black não é crime é dizer que expressar a nossas referências e a nossa identidade, felizmente, não está em nenhum código criminal. É um ato para reafirmar a nossa identidade racial e dizer para os policiais, que em sua maioria também são jovens negros, que eles são nossos irmãos e precisam estar do nosso lado no combate ao racismo e no enfrentamento à violência, e não o contrário”, explica Yuri Silva, jornalista, coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras e conselheiro de direitos humanos do estado da Bahia, um dos organizadores da ação.  

Rosas Brancas Na porta do Quartel dos Aflitos, os manifestantes tentaram contar com a participação da corporação. Uma das manifestantes, no entanto, encontrou resistência por parte de um dos policiais que, durante todo o ato, permaneceram parados em frente ao Quartel. Ao tentar entregar uma rosa branca, em sinal de paz, a um PM, ele recusou.

“Eu estou fardado”, disse o policial, sem receber a rosa.Questionado pela manifestante se uma pessoa fardada não poderia receber uma flor, respondeu: “E o que eu vou fazer com a sua flor?”. E seguiu recusando a oferta.  Foi preciso que um representante do comando da PM fosse chamado a porta do Quartel para que os policiais passassem a aceitar o ato simbólico. “Estamos crescendo junto com a manifestação dos senhores. Uma manifestação na porta do quartel, desse jeito, há algum tempo atrás não seria permitido, não seria possível, e hoje nós deixamos os senhores se manifestar da forma mais democrática, e que tenham demonstrado a insatisfação com os acontecimentos que, garanto a vocês, não trazem nenhuma alegria para a Polícia Militar”, disse, ao receber a rosa, o subcomandante da Polícia Militar, coronel Paulo Uzêda. 

Durante o ato, pais, mães, filhos e filhas se juntaram, solidários ao adolescente agredido no domingo passado. “Vou buscar meu filho na escola sempre porque tenho medo desse tipo de comportamento. Para algumas pessoas, quem é negro, mesmo que seja uma criança, é visto como um marginal”, disse o professor José Aleixo, 57 anos.

Ao lado do pai, e segurando a faixa do protesto, o filho, Pedro Aleixo, 11, mostra que, para ele, as coisas são simples.“Uso meu cabelo assim porque é assim que eu gosto. Não tem outro motivo. Só isso. Eu gosto dele assim”, diz ele orgulhoso, ao exibir o seu black, que não é crime.O CORREIO procurou a Polícia Militar para questionar sobre como a instituição recebeu o protesto na porta do Quartel dos Aflitos. Oficialmente, a corporação apenas respondeu que “a Constituição Federal assegura reunião pacífica, sem armas, em locais abertos ao público”. A PM informou, ainda, que, para apurar a conduta do policial flagrado agredindo o jovem, foram instaurados um processo disciplinar sumário e um inquérito policial militar, com prazos de 120 e 60 dias, respectivamente. “O cabelo pra mim e para todo jovem negro como eu representa nossa ancestralidade. Representa remontar na nossa cabeça a identidade dos nossos ancestrais. Daqueles que morreram para que a gente estivesse aqui hoje. No mercado de trabalho, as pessoas dizem que a gente tem que ser mais formal, mas essa formalidade serve para esconder o racismo, e outras posturas de discriminação contra minorias e para negar a identidade das pessoas negras. As pessoas me questionam porque eu uso a barba e o cabelo assim, como se as características do meu povo não se encaixasse na sociedade”  - Yuri Silva, 24, jornalista. (Fotos: Marina Silva/CORREIO) “Meu cabelo é minha liberdade, minha identidade, eu tenho direito de usar meu cabelo do jeito que eu quiser. Assim, a gente afirma o nossa liberdade e o nosso direito. Porque a gente tem o direito de usar o cabelo do jeito que quiser” - José Aleixo, 57, professor.  “Meu cabelo não pediu opinião para ninguém. Ele representa minha cor e minha raça. Eu decidi usar ele assim porque eu sou assim. A minha identificação é o meu cabelo. Quero ele assim: grande e a minha cara. O cabelo é a nossa vida e a gente não deve nada a ninguém por causa dele, ele não pode dizer se eu posso ir, ou não para um lugar. Ele mostra quem eu sou” - Nane Peruna, 43, cantora.  “Meu cabelo é um resgate da minha ancestralidade porque eu sempre vi tranças no cabelo crespo em pessoas que eu respeitava muito e admirava. Quando eu uso trança ou deixo o cabelo solto com um black bastante grande, eu faço o contato com a minha ancestralidade, com parte da minha história que eu admirava muito e que eu achava bonito. Na hora que eu posso usar meu cabelo e apresentar a minha presença eu ocupo um espaço. Sou professor e quando estou em palestras ou em sala de aula, meu cabelo mostra, de cara, que eu valorizo a minha história”. - Washington Carlos, 61 professor de ética e gestão do terceiro setor. “Os meus traços negros sempre foram criminalizados. A minha cor, o meu cabelo e a minha religião são criminalizados. Então, exibir o meu cabelo e a minha raça é um ato de resistência, principalmente, em Salvador que é uma das cidades mais negras e é muito racista. Meu black para mim é resistência e amor a minha raça e a minha cultura” - Gabriel Joaquim Santos, 20, estudante "Meu cabelo representa pela minha ancestralidade, em especial, no século 21 que tem um modelo de criminalização dos cabelos black powers. A gente tem uma representatividade muito grande em carregar os nosso cabelos” - Ruan Carlos, 24, estudante. “Meu cabelo é um cacho solto, que mais aceito socialmente, mas desde pequeno eu cortava porque a minha familia via isso como um ponto negativo e cortar me fazia ser mais bem visto pela sociedade. Agora, com 18 anos, deixar o meu cabelo crescer com o cacho natural. O cabelo é uma das principais partes para o processo de identidade, quando a gente amadurece e passa a ver o cabelo como uma forma de se apresentar, se torna um ato de resistência assumir a nossa matriz original” - Tobias Muniz, 18, estudante  “Eu imaginava que tinha que usar o cabelo alisado, porque era algo que a sociedade dizia, que cabelo bom era liso. Quando entrei na faculdade fui perceber o diferente e eu começei a querer conhecer minhas origens e andar como acho que o negro deve e pode andar. Isso não muda só a minha cabeça, mas as pessoas da comunidade, quando voce muda voce fortalece para outras pessoas. Estou bem com meu cabelo hoje em dia e nao mudaria ele por nada” - Liliane Santos, 33, bibliotecária. *Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier