Após morte de Mãe Stella, Opô Afonjá suspenderá atividades por um ano

Prazo faz parte do processo de luto pela morte de Mãe Stella

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Almiro Lopes/CORREIO

Os rituais de passagem de Mãe Stella de Oxóssi serão realizados por uma semana, de acordo com o ogã Ribamar Daniel, presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá, mantenedora do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Após esse período, o terreiro suspenderá as atividades religiosas por um ano e a condução das demais cerimônias em homenagem à Mãe Stella serão realizadas pela Mãe Pequena (Iaquequerê) da casa, Ditinha, que assume interinamente o comando da casa. 

No dia 27 de dezembro de 2019, um jogo divinatório de sucessão será realizado com os búzios de Xangô, aos pés do orixá da justiça para que a sucessora de Mãe Stella seja escolhida.

A despeito de uma possível disputa pela herança da ialorixá, o representante do Afonjá é taxativo ao afirmar que, como não havia deixado filhos naturais do seu primeiro casamento, e como a família biológica achou por bem não reivindicar nada, a comunidade também nada pedirá. 

“Não vamos questionar nada. A família que poderia fazer isso, mas nós não temos nada com a vida pessoal de ninguém. Ela mantinha um relacionamento com uma companheira e sobre isso nada temos a dizer”, completou. 

Graças a Xangô

"Temos agora que agradecer a Xangô Afonjá a vitória concedida de termos o corpo de nossa mãe de volta à casa, onde serão realizadas todas as obrigações religiosas com o corpo presente". Com essas palavras, o ogã Ribamar Daniel, saudou a chegada do corpo de Mãe Stella de Oxóssi a sede do terreiro, no início da noite de sexta (28). Aos 93 anos, Mãe Stella morreu na quinta-feira (27), após enfrentar uma série de problemas decorrentes de complicações cardiológicas e neurológicas que fragilizaram sua saúde.

O corpo de Mãe Stella de Oxóssi chegou a Salvador no final da tarde de sexta-feira, mas antes de seguir para o Afonjá, precisou ser levado para a realização do embalsamento, além da troca da urna funerária, seguido do velório que acontece no barracão do Terreiro, no bairro do Cabula. 

Segundo Ribamar Daniel, como seguidora do Candomblé e ialorixá da casa, é de fundamental importância que o início dos ritos fúnebres fossem feitos com o corpo presente. “As nossas tradições mais caras exigem essa presença, mas temos a certeza de que ela está num bom lugar, ao lado de Olorun”, completou.  Velório de Mãe Stella aconteceu no barracão do Ilê Axé Opô Afonjá O velório da ialorixá foi acompanhado por diversos sacerdotes e sacerdotisas das mais variadas casas de santo da Bahia. Mãe Mariah de Kecy, por exemplo, veio de São Félix para render homenagens à companheira de sacerdócio. "A perda dessa matéria é sempre de se lamentar, mas não acreditamos na morte como fim. Ela está sendo recebida no Orum e seu corpo físico conhecerá o descanso, pois as obrigações do Candomblé são muitas e pesadas", pontuou.

O sepultamento será realizado neste sábado (29), às 10h, no Jardim da Saudade. Em seguida, serão realizados os ritos do axexê para que o espírito da ialorixá seja conduzido para o Orum (equivalente ao mundo espiritual).

Na sexta-feira, por volta das 13h, foi cumprida a decisão judicial de transferir o corpo da ialorixá de Nazaré para Salvador. Um oficial de Justiça entregou a decisão na Câmara de Vereadores de Nazaré, onde o corpo dela estava inicialmente sendo velado. 

Após isso, filhos de santo e integrantes do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá seguiram pelas ruas da cidade levando o corpo de Mãe Stella em direção ao carro de uma funerária e de lá para o embarque no ferry boat, em direção a Salvador. Tudo aconteceu na presença de homens fortemente armados da Polícia Militar.

Herança e conhecimento

Criado no terreiro desde criança, o neto da Iaquequerê (Mãe Pequena, segunda na hierarquia do terreiro) Eutrópia Maria de Castro, conhecida como Mãe Pinguinho, Araiê Santos ressaltou que o legado dessa ialorixá de opiniões fortes e firmes não se perderá. 

“Ela representa muito para o Candomblé como guardiã do tesouro maior que é o espírito, mas sobretudo, como guardiã de uma cultura ancestral. Quem tiver a honra de sucedê-la precisará maturar muito para alcançar sua disposição e capacidade de realização, ainda mais num tempo de redes sociais”, analisou. 

Em setembro do ano passado, Mãe Stella lançou um canal no Youtube, onde disponibilizava gratuitamente pérolas de sabedoria. “Da Cabeça de Mãe Stella” surgiu depois de a mãe de santo enfrentar problemas de visão que a faziam estudar assuntos diversos por meio dos vídeos na rede social. 

“Estamos jogando uma semente, uma forma de fixar a cultura iorubá para que os mais novos tenham acesso de forma correta, sem deturpar a cultura ou a fé”, disse a mãe de santo na época. 

O canal é composto por quatro séries de programas: Artigos de Mãe Stella, com a narração feita por atores do Bando de Teatro Olodum; Me Encontro com Mãe, com depoimentos de artistas como Margareth Menezes e Gerônimo Santana; O Que Mãe Gosta, com ações cotidianas festejadas pela sacerdotisa; Luz de Mãe, com mitos iorubanos narrados por iniciados. Todos os conteúdos são exclusivos.

Sempre inventiva, ela ainda mantinha o aplicativo ‘Mãe Stella: uma vida em movimento’, e havia relançado os títulos ‘Meu Tempo é Agora’ e ‘Oxóssi, o caçador de alegrias’. Também tinha uma obra pronta para ser editada.