Aquecimento das águas do mar mata 90% dos corais-de-fogo no sul da Bahia

Em fevereiro, houve um alerta sobre branqueamento das espécies

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 2 de agosto de 2019 às 12:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Coral Vivo/Divulgação

O aquecimento das águas marinhas matou 90% dos corais-de-fogo (Millepora alcicornis) que fazem parte dos recifes de corais da Costa do Descobrimento, no extremo sul da Bahia. O oceano ficou mais quente devido ao fenômeno El Niño, que foi mais intenso em 2019 devido ao aquecimento global. 

Segundo a Rede de Pesquisas Coral Vivo, o El Niño é o fenômeno que ocorre quando há alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, impactando no clima.

A informação da alta taxa de mortalidade foi divulgada no último mês de julho por pesquisadores do Projeto Coral Vivo, que monitora os recifes de coral da região há 15 anos. Eles já tinham alertado, em fevereiro deste ano, sobre o branqueamento de corais do Parque Marinho de Recife de Fora, em Porto Seguro, também devido ao aquecimento global.

A Costa do Descobrimento é uma das regiões de maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul e uma das áreas prioritárias do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Ambientes Coralíneos (PAN Corais), destaca o Projeto Coral Vivo, que atua com o patrocínio da Petrobras.

Desta vez, além dos corais-de-fogo que estão no Parque Natural Marinho de Recife de Fora, foram afetados também os que fazem parte do recife de corais de Mucugê, em Arraial d’Ajuda (Porto Seguro), e os de Araripe, localizados no Parque Marinho de Coroa Alta, na região de Santa Cruz Cabrália, cidade vizinha a Porto Seguro.

Todos estes corais são muito visitados por turistas, mas isso não tem relação com o aumento da mortalidade, segundo os pesquisadores. O que influenciou mesmo foram as temperaturas que se mantiveram elevadas até junho, com média de 29,6ºC - 2,6°C a mais que a do mesmo período do ano passado, de 27ºC. Em recifes mais rasos a temperatura chegou a 31,4ºC, e a espécie começou a morrer em maio.“Pode parecer pouca diferença de temperatura, mas para as espécies marinhas esse aumento é muito, e a mortalidade dos corais-de-fogo, os que se recuperam mais rápido, é uma mostra dessa problemática”, disse o zootecnista Carlos Henrique Lacerda, coordenador regional de pesquisas do Projeto Coral Vivo.Essa espécie de coral, explica Lacerda, possui grande poder de recuperação: “Ela se autorecupera, cada pedacinho dela que se quebra vira uma ‘muda’”, disse o especialista, ao fazer comparação com uma planta.

“Além disso, ela tem um ritmo de crescimento que é o dobro das outras espécies de corais, as quais levam um ano para crescer um centímetro. Nessa época do ano já era para estar sendo iniciada uma recuperação, mas o que vimos foi uma mortandade dessas espécies, o que nos deixa muito preocupados”, declarou.

“Também observamos um aumento de quase 15% da radiação solar incidente na região durante a ocorrência do evento”, afirmou Lacerda, informando em seguida que, entre 2018 e 2019, o Projeto Coral Vivo pesquisa os mesmos pontos que foram monitorados entre 2015 e 2016.

Segundo a instituição, este ano, pela primeira vez no Brasil, foi registrada a mortalidade de colônias e recrutas de corais de diferentes espécies em função do El Niño.

Em recifes mais rasos, próximos à costa, espécies como Agaricia humilis e Favia gravida, consideradas tolerantes ao estresse térmico, apresentaram elevado branqueamento - entre 60% e 80% -, com perdas acima de 50% de colônias e recrutas. Corais estão morrendo no sul baiano (Foto: Coral Vivo/Divulgação) Monitoramento Para desenvolver os estudos, uma série de sensores foram instalados em pontos estratégicos na Costa do Descobrimento, incluindo o Parque Marinho do Recife de Fora e o Parque Marinho de Coroa Alta, que registram a temperatura da água a cada 30 minutos, além da incidência de luz solar.

Os pesquisadores realizam ainda uma avaliação do estado de saúde das colônias de corais por meio de mergulhos, utilizando uma escala de cor denominada “Coral Watch”, desenvolvida pela Universidade de Queensland, da Austrália.

O Programa Reef Check, em parceria com Coral Vivo, realiza monitoramentos da saúde dos corais do Sul da Bahia e outras regiões do Brasil, com participação de voluntários, e também vem registrando o mesmo fenômeno. 

O monitoramento continua sendo realizado pela equipe da instituição. Os dados completos serão disponibilizados à Rede de Pesquisas Coral Vivo, que é composta por 14 universidades e institutos de pesquisa, mas ainda não há uma data definida para a publicação.

“Em São Paulo, observamos um branqueamento de 80% das colônias de coral e mortalidade de 2%. As espécies de Mussismilia são mais resistentes. É comum, no Sudeste, encontrar colônias mais próximas à costa, com mais branqueamento, devido à ação humana”, informa o oceanógrafo Miguel Mies, pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Rede de Pesquisas Coral Vivo.

A bióloga e oceanógrafa Beatrice Ferreira disse que os efeitos do El Niño nos recifes de Tamandaré, em Pernambuco, entre 1998 e 1999, também foram severos, mas eles se recuperaram posteriormente, de forma lenta, “mas mediante a implementação de várias medidas de manejo e conservação”.

Essas medidas incluem “legislação específica de proteção com a criação de áreas de preservação e a redução de impactos diretos, com envolvimento da comunidade local”, explica Beatrice, que é professora da Universidade Federal de Pernambuco e coordenadora do Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável. Corais são monitorados por centro de pesquisa (Foto: Coral Vivo/Divulgação) Ações municipais Questionada sobre as ações de preservação e educação ambiental sobre os recifes de corais que estão no litoral de Porto Seguro, a Prefeitura informou que “vem apoiando o Projeto Coral Vivo em diversas ações de Monitoramento Ambiental, no Parque Natural Marinho de Recife de Fora, não só em relação ao tema coral, mas tudo que envolve a preservação da vida marinha”.

Segundo a Prefeitura, entre o dia 15 e 17 de julho ocorreu uma ação no local, com apoio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, “buscando diagnosticar atual situação dos pontos sul e oeste do Parque”, onde, por legislação municipal, só podem ir no máximo 250 pessoas por dia, em área delimitada. As conclusões ainda estão em análise.

A Prefeitura de Porto Seguro não comentou sobre ações referentes aos recifes de corais de Mucugê (am Arraial d’Ajuda), muito frequentada por banhistas, sobretudo os que gostam de se aventurar em passeios de caiaque. A área de recifes de corais em Mucugê não tem legislação própria municipal para preservação.

Em Santa Cruz Cabrália, o parque existe oficialmente, mas ainda não possui legislação, nem plano de manejo. Por lá, as visitas de turistas ocorrem sem regras e as escunas levam para o local entre 500 a 800 pessoas por dia, informa o Ministério Público Federal (MPF), que em março deste ano emitiu uma recomendação à prefeitura local com uma série de obrigações a serem cumpridas.

O MPF cita que uma vistoria realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2010, apontou que “o número excessivo de visitas, além de aumentar os impactos negativos, dificulta a fiscalização por parte da Prefeitura”. 

Os fiscais do Ibama ressaltaram também que não existe delimitação das áreas de visitação ou com acesso restrito, o que faz com que os visitantes acabem passando por cima das formações coralinas, danificando-as.

Do mesmo modo, o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), após inspeção feita em 2015, também concluiu que o pisoteio dos turistas durante o passeio ao parque prejudica os corais. Portanto, segundo o instituto, há a necessidade de ordenamento e educação ambiental.

O prazo de 60 dias para resposta sobre ações a serem feitas, dado pelo MPF, já foi respondido, segundo informou a Secretaria de Meio Ambiente de Santa Cruz Cabrália, que no início de julho reuniu seu Conselho Municipal de Meio Ambiente para discutir a realização de um plano de manejo e zoneamento para o local.

O MPF quer que a visitação de turistas seja limitada a 300 pessoas por dia e que as empresas que realizam passeios turísticos na região mantenham o volume dos alto-falantes das embarcações em, no máximo, 50 decibéis. Pede também a criação de um fundo, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, para arrecadação das taxas de visitação, as quais deverão ser destinadas à manutenção do próprio local.