Areia extraída ilegalmente em rio baiano é usada até para pavimentar estrada

Quarto maior rio do estado sofre com descaso

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 13 de julho de 2018 às 10:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Grupo Ecológico Humanista Papamel,

Um dos quatro principais cursos d'água da Bahia, com comprimento de 620 quilômetros, o Rio das Contas vem sofrendo com poluição e degradação das suas margens por causa da extração ilegal de areia para construção civil, que avança sem ser incomodada por órgãos ambientais.

A extração de areia ocorre em praticamente todo o rio, mas a situação mais grave está entre as cidades de Jequié e Ipiaú, onde a atividade é realizada por parte de carroceiros e canoeiros, que pegam areia nas margens do rio, e de mineradoras, com dragas instaladas no leito.

O rio nasce na serra da Tromba, entre Piatã e Abaíra, na Chapada Diamantina, e passa pelas cidades de Abaíra, Jussiape, Brumado, Dom Basílio, Tanhaçu, Jequié (onde foi erguida a Barragem e Usina Hidrelétrica da Pedra), Jitaúna, Ipiaú, Itagibá, Barra do Rocha, Ubatã, Ubaitaba e Aurelino Leal, até desaguar no oceano Atlântico, em Itacaré.

O problema vem sendo investigado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) desde 2015, após denúncias de grupos ambientais ao Ministério Público Federal (MPF), que repassou o caso para o órgão baiano. Depois de passar por vários promotores, o caso está desde 2017 com o promotor ambiental Maurício Cavalcante, que atua em Jequié.

Na “cidade sol”, além do problema com a extração de areia, o Rio das Contas ainda é degradado ambientalmente por esgoto doméstico, jogado sem tratamento algum no Rio Jequiezinho, um dos seus afluentes. De tão exploradas, as margens do rio perderam o areal que predominava até o início da década de 1990, dando lugar a barro e mato.

Sem atuação O promotor Maurício Cavalcante disse que a retirada de areia é realizada em praticamente toda a extensão do rio, o que torna a investigação mais demorada de ser feita. Para ele, contudo, o problema estaria menor se os órgãos de fiscalização ambiental estadual e federal fossem mais atuantes na região.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema) raramente aparecem por lá, segundo o promotor. Procurados pelo CORREIO, Ibama e Inema não responderam sobre ações de fiscalização nem sobre autorizações para extração de areia na região.“O Ibama não aparece há muito tempo, fica lá no escritório em Vitória da Conquista. O Inema tinha um escritório aqui, mas teve cortes de pessoal e mudou para um posto avançado, opera de forma deficiente”, declarou, ponderando em seguida que a extração de areia não é ruim, desde que as normas ambientais sejam seguidas.“A extração de areia, em tese, por si só, não prejudica o meio ambiente, a depender da forma como ela é realizada. Havendo as licenças e acompanhamento não teria prejuízo, mas na maioria dos casos essa extração é feita de forma clandestina, sem licença e fiscalização”, disse Cavalcante.“Tem extração de empresas, para construção civil, e de pessoas simples, canoeiros, caçambeiros, pessoas que pegam areia no leito do rio uma carroça de areia e vende; é uma extração que existe e que não tem controle. O que prejudica são mais as empresas, que envolve um material mais pesado”, completou o promotor.Presidente do Grupo Ecológico Rio das Contas, o ambientalista Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho diz que tem feito denúncias constantes sobre os problemas do rio. “Não tem um processo de controle, e o licenciamento quando é feito não tem um processo de recuperação da área degradada”, afirmou.

“O que temos questionado é a retirada de areia por dragas, que tem sido prejudicial, até moradores de bairros próximos têm denunciado. A retirada por dragas é feita no leito do rio, teoricamente seria bom para não assorear, mas o processo que eles retiram não tem acontecido nesse sentido, muito pelo contrário, o rio tem se degradado, com assoreamento”, disse o ambientalista.

Patrimônio Situação semelhante ocorre em Ipiaú, onde a areia é extraída de forma ilegal até por empresas contratadas para fazer obras em estradas federais que cortam a região, conforme o flagrante feito há um ano areal do Arara, onde um caminhão caçamba que foi retirar areia acabou ficando atolado no local.

O caso foi denunciado pelo Grupo Ecológico Humanista Papamel, presidido pelo ambientalista Emídio Souza Barreto Neto, que usou as redes sociais para tornar a situação pública.“O areão do Arara é um Patrimônio Cultural e Ambiental do município de Ipiaú. A falta de ações de proteção e gestão ambiental participativa tem permitido que veículos de todos os portes trafeguem, inclusive atolando e ficando encalhado dentro do Rio das Contas, como o que ocorre desde ontem até o presente momento”, escreveu Neto.“Imperativo que a Prefeitura impeça o acesso de veículos, animais de grande porte e a implantação de barracas na área. Palco de eventos esportivos e culturais, o areão do Arará vem sofrendo com a falta de gestão ambiental no município. Reivindicamos que a Prefeitura de Ipiaú garanta a proteção e uso exclusivo para lazer, recreação e desporto”.

A Prefeitura de Ipiaú declarou que não tem gestão sobre a extração de areia do Rio das Contas, uma atribuição do Inema. Em Ipiaú, a única mineradora que atua é a mineradora Xavier S. & Silva LTDA, de propriedade do engenheiro ambiental Nerivan Xavier dos Santos.

Sem lavra De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a empresa atualmente está sem autorização para realizar a lavra de areia no local desde agosto de 2015, quando venceu a guia de autorização (que permite a lavra provisoriamente). Ainda segundo o DNPM, a empresa tentou renovar a guia, mas o pedido foi indeferido.

Consta no DNPM que a empresa tem três processos (de 2009, 2012 e 2013) em andamento para receber autorização de pesquisa para areia, todos ainda com pendências, como plano de desenvolvimento econômico. A lavra dá autorização para extrair no máximo até 50 toneladas de areia por ano.

O empresário Nerivan Xavier dos Santos, que realiza a extração de areia na região de Ipiaú desde 2011, diz que “todas as documentações estão em dia, tanto do Inema, quando do Ibama e do DNPM”, no entanto ficou de enviar para a reportagem documentos que comprovassem a sua fala, porém não o fez.

A empresa atua, segundo DNPM, em três áreas de pouco menos de 50 hectares cada uma, mas Santos diz que atualmente não está tendo rendimentos altos com a extração de areia. “Vendo por dia de 4 a 6 caçambas, só dá para pagar as contas”, ele disse.

“Essa situação que ocorreu aí, do caminhão da obra da estrada pegar areia, ocorre direto aqui. Muita gente, inclusive, pede minha licença para atuar na extração, mas eu não dou. E a draga que uso é uma das mais modernas, ajudam o rio a reduzir o assoreamento. Meu trabalho é feito com responsabilidade ambiental”, declarou.

Para ele, o problema é a extração feita às margens do rio. “Tem mais de 30 anos que fazem essa extração. São pessoas simples, que vendem uma carroça de areia aqui, outra ali, vez em quando uma caçamba, e sobrevivem disso a vida toda, são pais de família. Como vou denunciá-los? Não é meu papel fazer isso”, destacou.