Armando Oliveira e a era de ouro da crônica esportiva

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  • Gabriel Galo

Publicado em 6 de maio de 2019 às 10:04

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Há um divisor de águas na escrita de crônica esportiva no Brasil. Facilmente podemos dividi-la em antes e depois de Nelson Rodrigues. O pernambucano, expoente nacional em tudo a que se propôs, expandiu a batalha pela profissionalização dos cronistas esportivos iniciado por seu irmão, Mario Filho. Até então, escrever sobre futebol era considerado algo menor na literatura.

Nelson levou para as páginas do impresso o texto que se somava em fantasia e magia à mera imaginação que a era do rádio provocava. Em um período carente de imagens, a narrativa do rádio tinha que ser envolvente. Quisesse você ver os bambas em campo, ou ia ao estádio ou via nas preliminares do blockbuster o cinematográfico Canal 100 e sua exaltação dos geraldinos do Maracanã. Assim, apesar de Fluminense assumido, Nelson Rodrigues foi observador oficial do futebol carioca por anos, aceito por todos.

A televisão mudou significativamente a maneira de se acompanhar o futebol. A existência das imagens reduzia o alcance imaginativo das palavras. Mais restritos em desenho do que achamos que poderia ser, passamos todos a nos limitar ao que se via. Quanto mais instantânea a imagem, maior o foco em dissecar o tático em mesas redondas infindáveis, enfadonhas e que buscavam exaltar ânimos com polêmicas vazias. Era a vitória de virada do estômago sobre o cérebro.

Na contramão deste processo muitos tentam manter viva a essência da crônica esportiva. Com textos opinativos mas isentos. Tostão busca isso nacionalmente. Aqui na Bahia, Paulo Leandro, com seu estilo filosófico-nagô, esbanja beleza em suas linhas.

E se já não temos mais Carlos Drummond de Andrade e Armando Nogueira entre nós, este último um entusiasta do futebol-arte das palavras, o rádio baiano foi morada de uma das maiores figuras da crônica esportiva nacional: Armando Oliveira.

Nos meus anos de formação, quando o mundo começava a se abrir para mim em sua plenitude, era a voz de Armando Oliveira que eu ouvia nas ondas da Rádio Sociedade da Bahia. Rubro-negro recém fanático, eu me encantava com suas inserções sempre precisas, sensatas, incorruptíveis. Na cabine que por muitos anos dividiu com Djalma Costa Lino e Sílvio Mendes e mais outros, sem saber, ele me impedia de migrar para o humor barato ou para as análises inconsequentes das concorrentes.

Na sua prudente coragem – prudente na escolha das palavras, coragem para dizer o que precisava ser dito, desagradasse a quem fosse – Armando era um filósofo do futebol. Entendia como poucos a essência do esporte e a ligava ao que significava para a Bahia, sem cair em bairrismo vazio. Esta visão ampla o credenciava a ser cronista em outras searas. E em uma aparentemente dissonância, unia construções complexas a uma estrutura de palavras simples e de fácil compreensão.

Em sua carreira, Armando Oliveira não se rendeu à televisão em transmissões esportivas. Manteve-se fiel ao rádio e à Rádio Sociedade, sua casa por décadas. Acreditava na soberania da imaginação e estava convicto que sua postura destemida seria limada pelos tantos interesses que cercam a telinha. Ao mesmo tempo, escreveu para quase todos os grandes veículos da mídia impressa baiana e esteve por muitos anos na bancada do Cartão Verde da TVE, outro instrumento formador de toda uma geração de jornalistas na Bahia.

Sua influência é inegável e não pode ser mensurada objetivamente. Sua elegância é até hoje inigualável.

Ontem, 5 de maio, Armando Oliveira completaria 83 anos. Nos deixou cedo demais e assim é com os grandes: suas partidas parecem sempre ser precoces. No panteão da história, sua abrangência regional não diminui sua importância nem sua genialidade. Armando Oliveira é o nosso Nelson Rodrigues. Talvez até maior.

Gabriel Galo é escritor e não seria se não fosse também por Armando Oliveira.