Arquivo Público da Bahia reabre depois de quase dois anos de reforma

Espaço, localizado na Baixa de Quintas, é a segunda maior instituição arquivística do país

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  • Wendel de Novais

Publicado em 6 de novembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Os mais de 40 milhões de documentos do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), que ajudam a contar a história do estado e do país, voltaram a estar à disposição para consulta e visualização de estudantes e pesquisadores, nesta quinta-feira (5), Dia Nacional da Cultura. Fechado para reformas desde janeiro de 2019, o local, que abriga arquivos históricos originados entre os séculos XV e XIX, passou por mudanças que deixarão a experiência de quem visita a instituição mais confortável. Com a reabertura, o espaço vai poder continuar democratizando o conhecimento e garantindo o acesso aos papéis que dizem tanto sobre como a sociedade baiana e brasileira - dado que Salvador foi, por 214 anos, capital político-administrativa do país - se desenvolveram ao longo desses quinhentos anos de história.

O espaço, localizado na Baixa de Quintas, é a segunda maior instituição arquivística do país e está entre as maiores do mundo. Ele armazena uma gama de documentos que, se organizados de maneira linear no chão, formaria um caminho de sete quilômetros. De cara nova, o Arquivo Público volta adaptado às restrições sanitárias que visam conter o avanço do coronavírus. Entre as restrições estão: o distanciamento de 1,5 metro entre os funcionários e demais pesquisadores, a aferição da temperatura na entrada do APEB, sendo proibido o acesso às dependências caso a temperatura seja superior a 37,5ºC e o uso obrigatório de máscaras. Fachada do APEB foi restaurada (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mudanças, atendimento e artefatos Durante as obras foram colocados piso de alta resistência, recuperadas escada, 89 janelas e 40 portas. Houve, ainda, a reforma de sanitários, pintura interna e externa do prédio, imunização de forro e piso de madeira entre outros serviços. A requalificação contou com um  investimento de R$ 3 milhões para serviços de reforma no Solar da Quinta do Tanque. A execução da obra foi de responsabilidade da Fundação Pedro Calmon (FPC) com a intervenção do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac) e o financiamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

Além das mudanças citadas, houve também a instalação de um elevador para portadores de necessidades especiais (PNE). “A instalação possibilita ampliar o acesso, com equidade, a todos os cidadãos. E, demonstra a potência da instituição em realizar mais e cada vez melhor suas atividades de maneira acessível e participativa. O Arquivo Público é uma ambiente aberto para todos e precisa garantir o acesso aos interessados pela história do nosso estado da melhor forma possível”, declara Teresa Matos, a diretora do APEB. Elevador para pessoas com mobilidade reduzida foi instalado na requalificação (Foto: Marina Silva/CORREIO) O atendimento está de volta e vai ser feito gradualmente e englobando os serviços de gestão e transcrição de documentos, autenticação da reprodução em papel de documentos custodiados, emissões de cópia autenticada de ocorrências policiais e de laudo de exame pericial, atendimento presencial e de orientação técnica aos Arquivos Públicos Municipais. As visitas guiadas e atividades educativas, nesta primeira etapa de reabertura, permanecerão suspensas. Não será permitida a entrada de pesquisador/solicitante sem prévio agendamento e nem dupla ou grupo.

Durante as obras, foram encontrados mais de dois mil artefatos arqueológicos na área do Solar Quinta do Tanque, onde o APEB está localizado. Por isso, a obra foi paralisada, por determinação do Iphan. O fato fez com que fossem adicionados mais 180 dias ao prazo de entrega da obra. Na reabertura da sede, alguns destes artefatos como cachimbos, moedas, canecas, talheres, peças de jogos, castiçais entre outros estão em expositores para visitação. Artefatos culturais encontrados durante as obras (Foto: Marina Silva/CORREIO) Fomento à pesquisa Mesmo adaptada às novas circunstâncias proporcionadas por um cenário pandêmico, a volta desperta uma alegria nos curiosos, estudantes e pesquisadores que, ao se envolverem em uma pesquisa baseada nos arquivos disponibilizados ali, fazem da instituição um puxadinho de suas residências, uma segunda casa. Esses são os personagens que reagem com mais entusiasmo ao retorno do ambiente e destacam o maior conforto proporcionado pela reforma.

Ao falar da requalificação da estrutura que tornou o espaço mais adequado para permanência e, consequentemente, mais atraente aos frequentadores, pesquisadores avaliam como esse conforto pode ser uma potência de incentivo à pesquisa. Um deles é Vilson Caetano, antropólogo e pesquisador que tomou como base única os documentos instalados no APEB para a sua pesquisa sobre a Delegacia de Jogos e Costumes. Ele abriu os livros de registro de queixas e de ocorrências de 1936 a 1976 dos fundos judiciários para entender o processo de perseguição às religiões de matrizes africanas nas denúncias ali catalogadas. Vilson construiu pesquisa baseada nos documentos do APEB (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ao falar da reforma, Vilson destaca o quão é importante que o ambiente oferecido ao pesquisador em arquivos públicos seja otimizado. "O ambiente é fundamental no trabalho do pesquisador. Aqui, já é referência por ser uma instituição que os funcionários, ao longo do tempo, se relacionam com a pesquisa e ficam ligados e focados no que estamos estudando. Isso, aliado a esse ambiente confortável e bonito, deixa quem precisa vir aqui para ter acesso aos documentos em ótimas condições de trabalho", afirma.

Outro que aponta a importância de uma estrutura em ótimo estado de conservação para o desenvolvimento de estudos é o historiador Carlos Nazaré. Para ele, a reforma é de grande valia. "Tem um valor inestimável. O investimento na requalificação da estrutura é de uma fundamentalidade inquestionável. Não só o historiador, mas o pesquisador de um modo geral que quer conhecer a identidade da Bahia e do Brasil tem no APEB um local que lhe proporciona isso de maneira muito confortável, o que representa um grande ganho", diz.

Francisco Soares, historiador que usou os documentos do APEB para desenvolver uma pesquisa sobre a documentação jurídica de negros no Brasil e um livro  sobre os dois séculos da biblioteca pública da Bahia, salienta a relevância do local e comemora o resultado da reforma. "Eu tive isso aqui como casa por vários anos em que realizei pesquisas. O Arquivo Público abarca um acervo de importância mundial e que foi fundamental para mim e para outros tantos pesquisadores. É com muita satisfação que vejo o arquivo totalmente requalificado", conta. Francisco comemorou a reforma do local (Foto: Marina Silva/CORREIO) Funcionários contentes E não é só quem utiliza o APEB para desenvolver estudos que ficam contente com a cara nova do local. Funcionários como Maria Ângela Duarte, de 65 anos, historiadora especializada em arquivologia que trabalha no local há 38 anos, estão encantados com o resultado.  "Esse prédio abriga a nossa cultura, a nossa história. Aqui, está armazenado um acervo importantíssimo e que deve ser preservado. Então, ver tudo isso restaurado é muito satisfatório, porque indica que as autoridades responsáveis estão comprometidas com a manutenção do acervo documental do estado e do país. Para quem passou quase 40 anos cuidando disso aqui, só pode ser motivo de alegria", declara Maria Ângela.

Outra que não esconde o encanto com todos os ajustes feito no período em que o acervo estava fechado é Marlene Moreira, 69. A bibliotecária que também é especializada em arquivologia tem o Arquivo Público como trabalho há 38 anos e afirma que a reforma veio em boa hora. "Eu tô muito feliz porque, desde 1981, eu trabalho aqui. O arquivo estava mesmo precisando de uma reforma que honrasse a riqueza em conhecimento que ele armazena. Com a requalificação, pude ver mais um passo que dá continuidade ao respeito e a conservação de uma fonte tão importante de informação", salienta.

Quatro memórias do mundo Dentre os milhões de documentos dos acervos, há destaque para os manuscritos e impressos originais, produzidos, recebidos e acumulados quando a cidade de Salvador se distinguiu por ser a capital político-administrativa do Estado do Brasil, de 1549 a 1763. Além disso, lá está, também, o catálogo de documentos manuscritos “avulsos” da Capitania da Bahia, em dois volumes, que contam a história da independência do Brasil na Bahia. Mas, os elementos de maior relevância da instituição são os quatro arquivos considerados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como memórias do mundo.

Veja quais são eles:Tribunal da Relação do Estado do Brasil e da Bahia (1652-1822): Primeiro tribunal do país, o Tribunal de Relação da Bahia foi criado em 1587, mas só realmente instalado em 7 de março de 1609. Era composto por dez desembargadores, bacharéis em direito, que eram nomeados pelo rei; Registros de Entrada de Passageiros no Porto de Salvador (1855-1964): Documento que tem informações como data de entrada, nome, idade, estado civil, número de filhos e naturalidade de cada passageiro que passou pelo Porto de Salvador de 1855 a 1964; Cartas Régias (1648-1821): As cartas régias eram documentos de cunho oficial assinados por um rei e direcionados para uma autoridade. Nelas, geralmente, eram escritas determinações gerais e permanentes. A carta régia de 1808, por exemplo, declarou a abertura dos portos do Brasil para as nações amigas. O documento foi assinado pelo príncipe-regente de Portugal, Dom João de Bragança, em Salvador, na Capitania da Baía de Todos os Santos; Companhia Empório Industrial do Norte (1891-1973): Conhecida como Fábrica da Boa Viagem ou Fábrica de Luiz Tarquínio, foi fundada em 1891 pelo comerciante de tecidos Luiz Tarquínio, que dá nome para uma avenida situada no bairro de Roma, onde o empório foi estabelecido. Luiz fez da fábrica a maior indústria têxtil da Bahia. Memórias do mundo presentes no Arquivo Público da Bahia (Foto: Marina Silva/CORREIO) *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.