Às vésperas do vestibular, suspeita de fraude nas cotas raciais assombra a Uesb

Neste domingo e na segunda, 12 mil candidatos concorrem a 1.186 vagas

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 1 de fevereiro de 2020 às 22:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Uesb

Dois anos após oito alunos serem expulsos por fraude nas cotas quilombolas (descendentes de negros escravizados), a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), que realiza neste domingo, 02, e segunda-feira, 03, vestibular para mais de 12 mil candidatos a 1.186 vagas, volta a ser assombrada por suspeita de fraude nas cotas de medicina.

A instituição foi comunicada da suposta fraude em fevereiro de 2019, após a divulgação dos aprovados no vestibular 2019, contudo as investigações só foram iniciadas em setembro, pois o aluno suspeito de fraude tinha sido aprovado para a turma de medicina cujas aulas são iniciadas no segundo semestre.

O aluno investigado é Michelson Medonça da Silva, 38 anos. De pele clara e cabelo ruivo, Silva é ex-estudante de Engenharia Mecânica de uma universidade particular de Salvador e integra o quadro de sócios-administradores da empresa Fehyson Assessoria em Qualidade, com sede em Dias D’Ávila e aberta em 2013 com capital de R$ 80 mil.

Ele negou ao CORREIO que tenha cometido fraude e não quis ser fotografado. “Me considero pardo”, afirmou. “Me enquadro nos critérios de negro ou pardo, minha avó é negra. Não tem nada de ilegal, fiz tudo baseado no edital, foi o que esclareci à universidade”, afirmou o estudante de medicina no campus de Vitória da Conquista.

A Uesb possui reserva de cotas desde 2008, por meio da Resolução 036, do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe), que criou o Programa de Ações Afirmativas, no qual foi incluso o Sistema de Reserva de Vagas Combinadas, com cotas adicionais.

Desde então, das vagas disponibilizadas para o vestibular, nos três campi (Vitória da Conquista, Jequié e Itapetinga), metade é destinada à reserva de vagas para alunos de escolas públicas e que se declaram negros e pardos, para os quais são reservadas 70% das vagas.

Os candidatos oriundos de escolas públicas que não se declaram negros no ato da inscrição concorrem a 30% das vagas reservadas. Há ainda as cotas adicionais, que correspondem ao acréscimo de uma vaga por curso para indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.

No caso das cotas raciais, o estudante aprovado no vestibular precisa, além de outros documentos exigidos em todas as matrículas, preencher apenas uma autodeclaração de que é negro ou pardo.

A exigência maior é para quem ingressa por meio das cotas adicionais: o índio e o quilombola só ingressam na Uesb com laudo antropológico ou certidão da Fundação Nacional do Índio e Fundação Cultural Palmares – no caso dos quilombolas. Já a pessoa com deficiência precisa ter um laudo médico.“Quando eu fui me matricular na universidade, eu me esclareci antecipadamente. Liguei e fui informado que era como a gente se sente, que ninguém ia procurar questão fenotípica nenhuma, que era questão de autodeclaração. Na família só eu nasci ruivo. Isso é uma questão de identidade cultural, não fiz nada com sentimento leviano. Eu cumpri o edital”, afirmou Michelson Medonça da Silva.O estudante de medicina virou alvo de investigação após o estudante Felipe Rodrigues dos Santos, de Porteirinha (MG), procurar aprovados em medicina por meio do sistema de cotas étnico-raciais. No curso de medicina são cinco candidatos que conseguem entrar por meio do sistema, e no vestibular de 2019 Felipe ficou em 6º.

“Saí ligando para todo mundo para saber quem ia desistir da matrícula, e quando vi Michelson fiquei revoltado. Ele é branco, ruivo, não é pardo ou negro. Estou há cinco anos tentando ingressar em medicina e quando chego perto me deparo com uma situação dessa, a vaga era para ser minha”, ele disse ao CORREIO.

Felipe tenta resolver a situação também por via judicial. “Meu advogado entrou com processo e tenta conseguir uma liminar, mas ainda não tivemos retorno”, ele disse, informando em seguida que ainda não procurou o Ministério Público da Bahia para denunciar o caso.  

Felipe tentará neste domingo e segunda ingressar em medicina na Uesb por meio do vestibular. “Mas a depender de mim, eu nem faria porque essa situação me deixou muito desanimado e de certa forma até doente. Estou indo fazer a prova mesmo por incentivo de minha mãe”, afirmou.

Em comunicado, a Uesb informou que “um processo administrativo está em andamento para apurar o caso, no qual os interessados já foram ouvidos e a denúncia está sob análise da Procuradoria Jurídica”.

“Atualmente, a matrícula dos aprovados pelo sistema de reserva de vagas se dá pela autodeclaração. A Uesb vem discutindo e se movimentando no sentido de aprimorar o processo, com a implantação de um comitê de avaliação para assegurar a transparência e a segurança dos candidatos”, afirma o comunicado da Uesb.