Até o céu chorou: carreata de Santo Antônio levou emoções para Além do Carmo

Cerca de 50 pessoas caminharam pelas ruas em homenagem ao santo casamenteiro

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 14 de junho de 2021 às 10:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

Por que motivo o Além do Carmo leva Santo Antônio em seu prenome? Quem esteve no bairro durante o último domingo (13) consegue ter uma noção do motivo. A comoção dos rostos por trás de portas, janelas e durante a carreata em homenagem ao santo casamenteiro foi tanta que nem o céu resistiu e a chuva inevitável se fez presente. Crianças, adultos e idosos choravam em celebração ao dia de Santo Antônio: por gratidão, saudade, devoção, carinho ou tudo isso junto em homenagem a quem se mostrou muito mais do que um santo casamenteiro. Trata-se de alguém dali, daquela comunidade, daquele cantinho e do coração daquelas pessoas. Como um vizinho, um amigo ou um familiar, Santo Antônio se fez presente nas ruas do Centro.

Cerca de 50 pessoas acompanharam a carreata que saiu da Igreja do Boqueirão e percorreu ruas do Santo Antônio, Barbalho e  Macaúbas. Desde a concentração deu para perceber que algo especial acontecia ali. Maria Isabel Gonçalves chorava no fundo da carroceria da picape que carregava a imagem de Santo Antônio. Um choro de gratidão: na última semana, um buraco gigantesco abriu na cozinha de sua casa localizada no Barbalho. Por alguns minutos, ela não foi sugada junto ao piso. Ela acredita que Santo Antônio deu o livramento. 

Antônio é um nome que faz parte da vida dela. Natural de Itabaiana (SE), ela se mudou para a Bahia após casar com um homem chamado Antônio. Juntos, se mudaram para o bairro do Santo Antônio Além do Carmo e lá moraram por anos. "A devoção vem de família. E Santo Antônio é mais que um santo. É um amigo, um familiar, alguém em quem eu confio e que sei que reza por mim. Graças a Deus conseguimos fazer uma mobilização, compramos os materiais e minha casa está sendo recuperada. Foi um baque muito grande, no ano passado o prédio havia sido condenado e moramos num abrigo. Voltamos há pouco tempo", conta Maria Isabel. Maria Isabel chora aos pés de Santo Antônio para agradecer o livramento (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Um pouco atrás do carro com a imagem do santo, estava a família Leite: Cristina e Márcio iam na frente, com a mamãe Teresinha ao fundo. Moradores do Santo Antônio Além do Carmo, deixaram a casa decorada e foram atrás da procissão. "É um santo que emociona, que faz parte do nosso dia-a-dia e da história da nossa família. Minha mãe casou nessa Igreja, moramos no bairro de Santo Antônio e estamos aqui celebrando o legado dele", explicou Cristina. 

Apesar pouca quantidade de pessoas, a rua apertada acabou gerando uma certa aglomeração - todos de máscara, mas aglomerados. Pouco mais de 8 carros seguiram toda a procissão, com algumas motocicletas ao lado. Um dos transeuntes que foi até o bairro ver a imagem do santo foi o maestro da Orquestra Sinfônica da Bahia, Carlos Prazeres. Parado pela reportagem, o maestro disse que começou a construir uma relação com o casamenteiro em Lisboa, quando foi ao local onde ele teria nascido, em agosto de 1195. 

"Vim por conta de Santo Antônio, quis passar o dia dele aqui no Santo Antônio Além do Carmo para procurar esse clima que só existe aqui. O bairro tem um charme, a Bahia tem seu tempero. Faz muita falta de ver o Carmo lotado. Se todo mundo colaborar poderemos dar ainda mais valor ao que já era maravilho. Sou devoto, cantei a Trezena desde o dia 1º e hoje estou aqui", afirmou o maestro.  Á pé, fieis acompanham carreata no Santo Antônio Além do Carmo (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Quem é acostumado a um Carmo boêmio, teve oportunidade de conhecer um bairro diferente. Moradora do bairro há 25 anos, Maria do Socorro, aposentada de 73, lamentava: "Se eu soubesse que dava para acompanhar, iria com as meninas". Entre as lágrimas que corriam de seu rosto enquanto olhava a carreata da janela, agradecia ao santo por continuar sobrevivendo durante a pandemia. 

Questionada sobre o porquê de tanta emoção, a devota Anália Gama dos Santos diz que ele é um santo que resolve os problemas das pessoas. Os problemas do dia-a-dia: "É um cara que acompanha as coisas do cotidiano, que está contigo sempre". A tese é reforçada pela animada Maria Helena, que atribui seu primeiro emprego ao santo: foi conquistado no dia 13 de junho de 1976. A aposentadoria também veio num dia 13 de junho, 40 anos depois. E quase a formatura em direito vinha num 13 de junho de 2020 - aconteceu um mês antes.

"São coincidências que não são coincidências. Contamos com Santo Antônio para tudo, é como se fosse alguém da família e ele realmente é. Aqui no bairro é muito forte, você pode perceber, sente, se arrepia. Porque ele é isso, mais do que um santo", explicou Maria Helena, enquanto agitava os braços em alegria pela procissão que passava na porta. De braços abertos, Maria Helena saudou a passagem de Santo Antônio pela porta de casa (Foto: Nara Gentil/CORREIO) De casa Essa sensação de que Santo Antônio é aquele morador querido e longevo do Santo Antônio Além do Carmo é muito vívida. O devoto Rodrigo Guedes fez da entrada de sua casa um altar com 5m em devoção ao Santo. Com 32 anos, herdou o carinho da avó Maria do Socorro, de 79.

Ele diz que é de cortar o coração ver a passagem do seu santo padroeiro na rua e não poder seguir por conta da pandemia. Há 15 anos, decora toda a casa para homengeá-lo. Quem passa um pouco antes do Coreto do Carmo, logo após o Bar Ulysses, não consegue deixar de perceber: na entrada, uma faixa enorme e uma imagem de pouco mais de 1m sob a mesa. Esse primeiro impacto leva os olhares para dentro da casa e aí a surpresa aumenta. Todo de Santo Antônio, Rodrigo posa para foto em frente a altar montado dentro de casa, que mede 5 metro (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Há uma exposição de imagens de Santo Antônio numa mesinha, com cerca de 15 imagens de vários tamanhos. À direita, um altar gigantesco. "Santo Antônio nos traz memórias afetivas de crianças, das avós. Moramos no bairro do Santo Antônio e não poder seguir por conta da pandemia é de cortar o coração. Mas só a passagem emociona. Ver ele passar e ficar parado é um gesto de gratidão, mas ao mesmo tempo nos deixa sentido por não acompanhá-lo", conta Rodrigo.

Morador da Rua dos Adôbes, a menos de 10m da subida para a ladeira do Boqueirão, Humberto Guimarães Rocha faz algo semelhante. A janela de sua casa, de nº13, chama atenção de quem passa na rua. Um altar cheio de pãezinhos e cor é montado por ele junto à família há 67 anos. Humberto (à dir.) posa para foto com amigos ao lado do altar que montou na janela de casa (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Assim como tantas histórias no bairro, é uma tradição que vem de família. Morador do Carmo há 40 anos, ele conta que Santo Antônio tem sua confiança desde criança a pedido dele. O número da casa fez com que ele ligasse os pontos e entregasse ainda mais a sua devoção.

Histórias de emoção, admiração, carinho e cuidado com um santo que é mais do que somente casamenteiro - ainda que esta seja uma tarefa e tanto. É um santo de casa, da rua, do bairro e de corações. Um santo capaz de emocionar e transformar percepções sobre uma comunidade e fazer com que até uma cabeça cética entre no embalo da emoção e deixe algumas lágrimas rolarem no rosto por viver aquele momento. Antônio Sagrado, rogai por nós.

Abaixo, a galeria de fotos da repórter fotográfica Nara Gentil ajuda a dimensionar a emoção.

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