Até quarta, Lula

Por Aninha Franco

  • D
  • Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

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Conheci Francisco Julião lendo Até Quarta, Isabela, correspondência do extraordinário líder pernambucano preso pela ditadura brasileira, para sua filha Isabela, que ia visitá-lo às quartas-feiras, e saía do presídio com as cartas nas fraldas. “(...) Esta é uma carta de amor, somente de amor, que te escrevo do cárcere, na esperança de que um dia, daqui a dez anos, já possas lê-la e entendê-la no seu conjunto e em cada uma de suas partes. É uma carta longa, como nenhum pai escreveu jamais a uma filha que tem, como tu, dois meses de idade. Nela não encontrarás uma só gota de ódio ou de amargura. É uma carta de amor, somente de amor – (...) -, desse amor todo feito de oferta e renúncia, de dádiva e humildade. É com este amor que te escrevo, como foi este amor que te fez e este mesmo amor que me trouxe ao cárcere”. 

Aprendi com Francisco Julião, que morreu no exílio, no México, em 1999, a amar o Brasil e a pensar nas quartas-feiras como dias de cartas de amor, como as escritas a Isabela, que citei no espetáculo Brasis, (2002, Theatro XVIII), mostrando aos mais jovens quantas derrotas o país sofreu entre 1962 e 2002. O final de Brasis em 2002, ano de sua estreia, citava o líder crescido nas greves históricas do ABC contra a mesma ditadura que prendeu e torturou o líder pernambucano Francisco Julião, e que era, naquele momento, um outro sinônimo da esperança. 

O líder sindicalista Lula da Silva ignorava a história do Brasil, a gramática, a prosódia e quase todo o conteúdo que um humano deve guardar para exercer o poder sobre outros humanos, mas detectava e denunciava os 300 picaretas do Congresso, conhecia e ameaçava desmontar o esquema de corrupção instalado no país no século XVI, com a invasão europeia, ativíssimo em 2002.  

Em 1º de janeiro de 2003, Lula da Silva chegou à Presidência, o que Francisco Julião nunca conseguiu. Milhares de brasileiros assistiram à posse em Brasília, muitos choraram, e o mundo inteiro pôs os olhos sobre o operário que por ter vivido a fome, saberia enfrentá-la com firmeza, que por ter sofrido a desigualdade, saberia diminuí-la com presteza. E o Brasil, orgulhoso, expôs pela primeira vez, no poder, um representante de sua eterna maioria miserável explorada pela ignorância e avareza. 

O tempo do sonho foi curto. Em maio de 2005, nós assistimos, horrorizados, aqueles que pregavam “nem roubar, nem deixar roubar” serem incorporados à única atividade brasileira que tem a mesma idade do Brasil. A que reinou na colônia, no império e reina na República. A que sobreviveu a todos os inimigos. A que alçou os militares ao poder para destruí-la e a engordaram. A sempre presente em todas as instâncias, de todas as maneiras, sob todos os nomes. A que conduz o Poder Executivo, infesta o Poder Legislativo e corrói o Poder Judiciário. A que transformou a honestidade em exceção e saquear o Estado em comportamento “normal”. 

E logo ficou claro que o líder Lula da Silva não chegou ao poder para combater a corrupção, mas para fortalecê-la. Até a próxima quarta- feira, quando o TFR-4 deverá confirmar a carta de Sérgio Moro contra a impunidade, de amor ao Brasil, condenando Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em segunda instância, fundamentado numa farta quantidade de provas.