'Atiraram pelas costas e pisaram na cabeça', diz familiar de estudante morto pela PM

Parentes de João Guilherme, 15, protestaram em sede de CIPM na Cidade Baixa

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  • Eduardo Dias

Publicado em 17 de setembro de 2019 às 19:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

"Quando uma mãe perde um filho, todas as mães do mundo perdem um pouco também". Com essa frase estampada em camisas brancas, que também traziam o rosto de João Guilherme Santos da Mota, familiares e amigos foram se despedir do estudante de 15 anos, morto após ser baleado na nuca numa ação da Polícia Militar no bairro de Caminho de Areia, na Cidade Baixa, ocorrida na sexta-feira.

Mais de 100 pessoas acompanharam o sepultamento do rapaz, no Cemitério do Campo Santo, na Federação. A despedida, por volta das 16h, foi marcada por emoção e pedidos de justiça, que continuaram na manifestação promovida pelo mesmo grupo, no final da tarde, em frente à companhia da PM em que os policiais envolvidos na ação são lotados.

Luto No cemitério, o clima era de revolta. "Eu quero ver o que vai me dizer o governo do estado", declarou a mãe do jovem, emocionada. "Eu quero justiça e vou lutar por isso. A morte do meu filho não vai passar em vão", completou.

O estudante do 8º ano teve morte cerebral confirmada nessa segunda-feira (16), no Hospital do Subúrbio, para onde foi levado por policiais da viatura 9.1710 da PM e ficou internado desde a sexta.

Durante a manhã desta terça (17), o pai do adolescente, uma tia e o compadre, um coronel da Polícia Militar, que também não quis ser identificado, aguardavam a liberação do corpo do estudante no Instituto Médio Legal Nina Rodrigues (IMLRN).

Durante o enterro, amigos e familiares acompanharam o caminho do caixão. Carregado no braço por alguns amigos e familiares, o caixão seguiu até o túmulo sob gritos de protesto.

"Meu filho parou. Ele não correu. Porque a gente sempre ensinou a ele: 'se você ver uma viatura, não corra, peça pra te levar na sua casa. Mas não, eles mandaram meu filho se jogar no chão: 'se joga no chão, viado'. Foi isso que disseram pro meu filho. Tem gente que viu. Meu filho se jogou no chão, está com o rosto arranhado. Eu quero respostas", continuou a mãe do garoto.

Segundo uma tia do rapaz, “ultimamente, a polícia vem agindo dessa forma para pior na Cidade Baixa: atira primeiro e pergunta depois"."Os policiais atiraram nele pelas costas, depois pisaram na cabeça dele e atiraram novamente e colocaram ele dentro da viatura e rodaram a cidade por mais de duas horas até levarem para o hospital", acusou a tia. Ameaças  Orientada pelos familiares a não se identificar, a mãe de João Guilherme diz que a polícia está tentando intimidar a família. "Eles estão passando na minha porta, não param, não falam nada, mas passam lá pra intimidar. Eu não tenho medo. Moro numa rua que não tem tráfico, uma rua onde mora até coronel, que tem moradores de bem. Eu não tenho medo; só quero justiça, porque meu filho é uma criança que tinha sonhos que foram interrompidos", protestou. 

A família alega, ainda, que os policiais envolvidos na ação teriam armado uma situação de flagrante. "Essa guarnição mente, arma, age brutalmente. Mentiu que meu filho tinha droga. Meu filho era uma criança que estudava, nunca tocou em droga, nunca tocou em arma. Você que fez isso, vai pagar", bradava a mulher.

Segundo a família, os órgãos de João Guilherme foram doados, o que para ela atesta sua inocência. "Pra doar, fizeram exames, e não foi encontrado nem um vestígio de drogas. Como matam um inocente assim? Tiro na cabeça de alguém indefeso", protesta uma tia da vítima."Não foi bandido que matou, não. Foi policial corrupto. A polícia não pode matar um inocente assim", completou outra tia.Entre os que foram se despedir de João Guilherme, adolescentes amigos da vítima levavam cartazes com os mesmos pedidos de justiça. "Ele era um garoto calmo, trabalhador, sonhava em ter uma moto. A gente nunca pensou que uma coisa dessas podia acontecer com ele", disse um dos amigos. 

Protesto Depois do enterro, familiares e amigos seguiram até o Largo de Roma, de onde caminharam em direção à sede da 17ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Uruguai), onde os PMs envolvidos na ação são lotados, e, depois, seguiram para a 3ª Delegacia (Bonfim).

"Queremos justiça" e "queremos paz" foram algumas das palavras de ordem. O grupo fez um protesto no local, pouco depois das 18h, antes de se dispersar com a chegada de policiais. "A gente não quer guerra, a gente quer paz no Uruguai", comentou uma tia.

Dia dos tiros O pai de João Guilherme lembrou que no dia em que o filho foi baleado a família tinha combinado de comer uma pizza, no final da noite. O rapaz retornava da casa do amigo que sempre visitava, para que desse tempo do pai chegar do trabalho. No entanto, o encontro, que era um hobby entre pai e filho, não foi mais possível. “A minha ficha ainda não caiu, estou sem chão”, comentou o pai.

Com o choro ainda visível em seus olhos, o pai de João, que também prefere manter sua identidade em sigilo, não escondia a revolta do que aconteceu com seu único filho.  “Isso não é justo! Um policial não é para estar fazendo isso com as pessoas. O papel deles é abordar e ver se a pessoa tem alguma coisa ou não, e liberar se caso não tiver nada. Agora o que eles não podem fazer é cobrir essa pessoa de pancada ou de tiro sem motivo”, disse.Padrinho do garoto, um coronel da PM também lamentou o incidente e criticou os maus policiais. “Isso é lamentável. Agem sempre assim na Cidade Baixa. O que a gente ouve é que há muita arbitrariedade, não só dessa guarnição (9.1710) como de outras. Esse Sargento Alves é muito falado pelo comportamento na Cidade Baixa. Mas todas as providências já foram tomadas", comentou ele.

Ainda segundo o coronel, a Corregedoria da PM tem que adotar providências, especialmente por conta da repercussão do caso. "A Corregedoria vai apurar com toda a isenção. A depender do crime, porque foi um homicídio, o que fizeram com o meu afilhado vai ter uma pena adequada. Quem pega uma pena acima de dois anos é excluído da corporação", reforçou. 

Segundo os parentes de João Guilherme, o sonho dele era ser um engenheiro mecânico. O rapaz tinha afinidade com carros e motos e adorava montar e desmontar partes dos veículos para lavar em seu lava-jato, na frente de casa.

"Meu filho era um menino cheio de sonhos; ele queria ser um engenheiro mecânico no futuro. Infelizmente, a polícia interrompeu isso", complementou o pai.

Procurada, a Polícia Militar informou que hove troca de tiros quando policiais da 17ª CIPM faziam rondas na Avenida Manoel Barros de Azevedo, no bairro do Uruguaipor volta das 23h de sexta-feira (13),  

"Houve revide, e assim que cessaram os disparos os policiais militares encontraram um dos suspeitos ferido, ele foi imediatamente socorrido para o Hospital do Subúrbio, onde não resistiu. Com o acusado, foram apreendidos um revólver calibre 32, um aparelho celular, uma balança, oito papelotes de maconha, uma porção média de maconha, 20 pedras de crack, duas ampolas de lança-perfume e R$7,00. A ocorrência foi registrada na Corregedoria da PM", diz a nota da PM.  (Foto: Marina Silva/CORREIO) *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.