Áudios indicam que pastor assumiu cargo na Funai para converter índios isolados

Conversa divulgada por site revela articulações dentro do governo para órgão

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  • Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2020 às 16:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Funai/FPEYY

Missionários evangélicos trabalharam pela nomeação de alguém com o perfil do pastor Ricardo Lopes Dias para a área que cuida de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai). Um áudio mostra também que o objetivo do grupo é converter os indígenas ao cristianismo.

As informações são do site Intercept Brasil, que apresenta um áudio no qual o antropólogo e evangélico Edward Mantoanelli Luz comenta as articulações.

“Acabamos de indicar uma nova pessoa para a CGIIRC [Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato]. Acho que você já deve ter lido e nós vamos formalmente mudar essa política porque nós acreditamos que, por mais inteligente que ela tenha sido até agora, ela permite manipulações, nós desconfiamos de manipulações”, afirma Luz.

Ele assume na conversa que fez lobby para que alguém alinhado com sua religião assumisse a CGIIRC da Funai. A política que Luz diz que irá “formalmente mudar” é a que impede a ação de missionários em terras de indígenas isolados, em respeito ao princípio de autodeterminação dos povos, previsto na Constituição.

O site destaca que, na prática, a política vigente nas últimas décadas impedia que padres, pastores e outros religiosos entrassem em contato com os indígenas na tentativa de convertê-los a suas fés.

O antropólogo é filho do presidente da Missão Novas Tribos do Brasil, a MNTB, o pastor Edward Gomes da Luz. A MNTB é uma corrente evangélica norte-americana que agencia missionários para pregar, construir igrejas e converter povos indígenas de recente contato, falantes de línguas nativas.

Em 1991, a Novas Tribos já chegou a ser expulsa pela Funai das terras do povo Zo’é, acusada de impor a doutrina cristã e espalhar doenças. Já em 2015, a corrente foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) de se aliar com exploradores de castanha-do-pará que escravizavam indígenas.

Nomeado no último dia 5, Lopes Dias é antropólogo e trabalhou formalmente de 1997 a 2007 na Novas Tribos, atuando na evangelização do povo indígena Matsés, no Vale do Javari, Amazonas. À rede BBC, ele disse não ter mais vínculos com a Novas Tribos.

A conversa em que Mantoanelli Luz se congratula pela nomeação de Lopes Dias consta na ação civil pública que o MPF apresentou à justiça na última terça (11), pedindo que a nomeação seja suspensa, e a portaria que permitiu sua indicação, revogada. Até a edição da portaria, cargos como o dele só poderiam ser ocupados por servidores de carreira da Funai.

Segundo o MPF, há “nítido conflito de interesses e desvio de finalidade, com riscos à política de não contato e de respeito à autodeterminação dos povos indígenas isolados ou de recente contato”. Com grifos, o MPF aponta “risco de etnocídio e genocídio dos povos indígenas” com a nomeação. 

Ao Intercept Brasil, a Funai informou que a posse de Lopes Dias obedeceu as regras para cargos em comissão e que acionou a Advocacia-Geral da União para defender a nomeação dele.

O artigo 231 da Constituição Federal proíbe a evangelização dos indígenas e diz que é dever da União demarcar as terras deles, além de “proteger e fazer respeitar todos os seus bens. 

Mas, no áudio, Mantoanelli Luz – que confirmou ter trabalhado pela nomeação de um nome de sua preferência no cargo, embora outra pessoa da ala militar –, afirma não entender o que chama de “resgate da tradição” indígena e, aparentemente, debocha do risco de morte que doenças simples podem trazer a povos isolados que entrem em contato com servidores ou missionários.

“Falam em respeitar as tradições deles. O Brasil tem uma tradição engraçada de expandir a sua área, a gente poderia resgatar essa tradição. Alguém avisou aos vírus e bactérias que eles são isolados? Por que o contato não pode ser mediado pelo governo?”, questiona na gravação. Clique aqui para ler a reportagem completa.