Bahia liga o alerta contra surtos de doenças evitáveis por vacinas

Males como sarampo, rubéola e catapora podem retornar ao estado; escalada de casos de H3N2 ensina que com os vírus, todo cuidado é pouco

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  • Da Redação

Publicado em 19 de dezembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Shutterstock

O surto de H3N2 que assusta Salvador e cidades da região metropolitana deixou um ensinamento: não dá para relaxar com a gripe, doença com alta taxa de transmissibilidade e grandes chances de mutações. E também ligou o sinal de alerta para os efeitos do relaxamento no uso de máscaras e no distanciamento social combinados à baixa adesão à vacina contra o vírus Influenza. Segundo o balanço mais recente da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), apenas 58% do público-alvo da capital havia completado o esquema vacinal até novembro.

Mas não é apenas a gripe que pode provocar surtos em cidades baianas. Especialistas temem que a queda na cobertura das vacinas oferecidas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Brasil e na Bahia contribua para a disseminação de doenças controladas ou, até mesmo, erradicadas no passado. Mesmo as doenças que, diferentemente da gripe e da covid-19, são prevenidas apenas com imunização.

Uma delas é o sarampo, que chegou a ser erradicado do Brasil em 2016, mas que voltou a manifestar ocorrências em 2019 – inclusive na Bahia. O estado teve surto ativo da doença até o ano passado. O sarampo pode ser evitado com o imunizante tríplice viral, disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que também protege contra a rubéola e a caxumba. A baixa taxa de imunização e os recentes episódios preocupam o infectologista e pesquisador da Fiocruz, Guilherme Ribeiro.

“As doenças que têm vacinas disponíveis no calendário vacinal têm essa cobertura porque têm potencial de transmissão muito alto. Então, sarampo, rubéola, febre amarela, catapora, hepatite A, rotavírus, essas doenças podem causar surtos muito rapidamente entre pessoas não vacinadas. Se a gente deixa a cobertura vacinal da população reduzida, a gente abre espaço para o aumento na transmissão”, adverte.

Nove vacinas constam no calendário básico infantil: BCG, Rotavírus Humano, Meningocócica C, Pentavalente, Pneumocócica, Poliomielite, Hepatite A, Febre Amarela e Tríplice Viral. De acordo com dados do Sistema de Informação do PNI, a Bahia não consegue bater as metas de cobertura (acima de 95%) de nenhuma delas desde 2016.

Com exceção de 2020, quando superou a meta da BCG, Salvador segue a mesma tendência. Ainda com dados do levantamento do PNI, a adesão mais baixa no ano de 2019 foi registrada em relação ao imunizante que previne a febre amarela: 64,8% das crianças receberam a vacina no estado e 60,75% na capital. No entanto, a meta para a vacina é de 100% de acordo com o Ministério da Saúde (MS).

Esses dados preocupam o técnico da coordenação estadual de imunização, Ramon Saavedra. “É um fenômeno global, a Bahia também acompanha essa queda, especialmente desde 2016. E nos preocupa porque baixas coberturas vacinais significam o acúmulo de pessoas não protegidas. É como se deixássemos as portas e janelas escancaradas para o vírus entrar, e, certamente, se manifestar numa forma de surto ou epidemia, que pode sobrecarregar o sistema de saúde”.

Vacina não é só para crianças

Não está muito claro para os especialistas o que motiva o não-comparecimento da população aos postos para tomar as vacinas do calendário nacional. Mas, ao contrário do que se pode pensar, a cultura antivac (contra as vacinas) ainda não desponta como uma das causas principais. Para Saavedra, o problema é multifatorial:

“Os pais mais jovens, por não verem mais muitos surtos de sarampo, por não conviverem com doenças como paralisia infantil, que já foi tão presente, acham que não precisam mais vacinar os filhos. É uma falsa sensação de segurança. Isso é um equívoco, porque se essas doenças não circulam mais é justamente pelo sucesso das vacinas”, afirma.

A médica infectologista Clarissa Cerqueira aponta a desinformação como outro problema. “Algumas pessoas acham que a vacina da gripe transmite a gripe, o que é um erro, já que o imunizante é feito a partir do vírus inativado. Tem gente que fala que vacina dá autismo em criança, o que nunca foi comprovado. É importante que as pessoas saibam filtrar as informações que recebem em redes sociais e tenham discernimento. As vacinas são seguras, especialmente as do calendário infantil”.

O lado positivo é que as vacinas do calendário básico infantil têm eficácia maior se comparadas às vacinas contra a gripe, já que o vírus Influenza é mais propício a sofrer mutações. Para Clarissa Cerqueira, isso torna mais fácil controlar as doenças mais transmissíveis.

“Sarampo, caxumba, rubéola ou varicela, que é a catapora, são doenças que não sofrem tantas mutações como o vírus da gripe. E as vacinas disponíveis têm eficácia muito mais elevada do que as vacinas contra Influenza, que precisam de atualização todos os anos. Quem pega sarampo, por exemplo, é porque não se vacinou. E o sarampo é altamente transmissível, um doente pode contaminar 12 pessoas. Isso a gente só resolve com imunização”.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), todas as crianças brasileiras precisam ter as vacinas obrigatórias em dia. A advogada Ana Caroline Trabuco, presidente da Comissão de Proteção à Criança e Adolescente da OAB-BA, lembra que as escolas podem negar a matrícula de crianças não vacinadas.

“Os pais que não vacinarem seus filhos estão sujeitos a restrições da atividade parental, já que o ECA entende que a vacinação é um direito e proteção ao infante. Além disso, a apresentação do cartão de vacinação é obrigatória no ato de matrícula nas escolas municipais e estaduais pelo mesmo motivo, por se tratar de uma proteção da saúde das crianças e da sociedade. Qualquer escola pode condicionar a matrícula à apresentação da caderneta de imunização”, explicou.

Sistema único de vacinas

Para Guilherme Ribeiro, algo que poderia estimular a vacinação das pessoas seria a adoção de um sistema integrado, com todos os dados vacinais das pessoas. Uma espécie de ConecteSus para todos os imunizantes do PNI.

“A gente tem observado uma boa resposta em relação à vacina contra a Covid e o impacto dessa vacinação a gente percebe na redução de internações e mortes. Acho que a gente poderia aproveitar esse cenário positivo e resgatar a importância do calendário nacional de imunização. E a gente tem algo novo, que é o ConecteSus, ou outros aplicativos, que permitem a consulta do histórico de uma vacina específica que é contra a Covid. Se a gente tivesse uma possibilidade de ver todas as vacinas, seria bom as pessoas poderem acessar com mais facilidade esse histórico e atualizar a carteira de vacinação e da própria família”.

DOENÇAS QUE PREOCUPAM

-  SARAMPO O sarampo pode ser prevenido com duas doses da vacina tríplice viral, até os 29 anos de idade, ou dose única nos anos seguintes até a idade limite de 49 anos. O imunizante é ofertado de forma gratuita pelo SUS e está no Programa Nacional de Imunizações (PNI). O sarampo chegou a ser oficialmente erradicado no Brasil em 2016, mas por pouco tempo. Em 2019, a Bahia registrou surtos da doença em sete cidades, entre elas Salvador, Jacobina e Santo Amaro. O estado permanece  em alerta para novos casos. É uma doença com alta taxa de transmissibilidade, caracterizada pelas lesões vermelhas na pele;

- RUBÉOLA Assim como o sarampo, a rubéola também pode ser prevenida com duas doses da vacina tríplice virar, até os 29 anos, ou dose única até a data limite de 49 anos. O imunizante é ofertado no SUS de forma gratuita e consta no PNI. A rubéola é uma doença relativamente grave, e é transmitida por meio do contato com secreções, como gotículas de saliva. É particularmente perigosa para mulheres grávidas, pois pode causar sequelas irreversíveis ao feto. Causa febre, dores nas articulações e erupções cutâneas;

- ROTAVÍRUS O rotavírus pode ser prevenido com duas doses de vacina pentavalente para bebês de seis semanas de vida até oito meses. Há possibilidade de vacinar pelo SUS e em clínicas particulares. Tanto o sistema público como as clínicas privadas oferecem a imunização para o rotavírus e outras cinco doenças, como difteria, tétano, coqueluche, poliomielite, hepatite B e bactéria causadora da meningite. No caso do SUS, os usuários recebem a pentavalente + hepatite B e, na rede privada, já é oferecida a hexavalente. O rotavírus é o principal causador de diarreia em bebês;

- HEPATITE A A hepatite A pode ser prevenida com duas doses da vacina disponível no SUS com intervalo de seis meses. As sociedades brasileiras de Pediatria (SBP) e de Imunizações (SBIm) recomendam a aplicação rotineira aos bebês entre 12 e 18 meses de idade, ou o mais cedo possível, quando a vacinação não ocorrer nestas idades recomendadas. A doença causa mal estar, dores no corpo, náuseas, dor abdominal, vômitos, olhos e pele amarelados, urina escura e fezes claras. Pode causar insuficiência hepática, sangramento e morte