Bahia tem 8 mil idosos com mais de 100 anos: conheça os segredos de alguns deles

Dados apontam cerca de 8 mil centenários, mas esse número pode ser ainda maior

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 1 de outubro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil

Faz parte da rotina de Dona Maria Cândida de Jesus, mais conhecida como Mãe Marieta, comer sarapatel, feijoada com toucinho, chupar osso e beber cachaça. Até aí nada fora do comum, certo? O detalhe é que Mãe Marieta tem 110 anos. Não tem nenhuma doença, anda, conversa, faz as coisas sozinha e a memória é de dar inveja em muito novinho por aí. O apelido não é à toa. Ela, que esbanja vitalidade, ajudou a dar vida a muitas crianças como parteira. Seu último parto foi aos 102 anos. Mas Mãe Marieta não é um caso isolado. Na Bahia existem mais de 8 mil centenários espalhados por aí. 

O último censo feito pelo IBGE, realizado em 2010, indicava que havia 3.578 idosos com cem anos ou mais na Bahia. Desses, 1.136 eram homens e 2.442 eram mulheres. Essa marca colocava o estado com o maior número absoluto do país e o fazia dividir o primeiro lugar do ranking de maior número proporcional de acordo com a população total com o estado do Amapá. Já em 2021, somente de cadastrados no INSS, a Bahia tem 8.436 centenários. 

Mãe Marieta mora em Iraquara, na Chapada Diamantina, e não tem um morador de lá que não conheça essa figura. Tendo ajudado a colocar no mundo quase todos os moradores da região, é muito querida e respeitada por todos. No seu aniversário de 110 anos, ganhou como homenagem uma pintura no muro do espaço cultural da cidade. E ela desafia mesmo a medicina. 

Final de semana sendo tempo de diversão para Mãe Marieta; mas não vá pensando que ela curte uma cervejinha, o negócio dela é pinga mesmo! “Ela pede e a gente dá, né? Deixa ela aproveitar a vida”, diz a neta, Luísa, de 43 anos. E também não tem regra para comida. Come de tudo! Quando cozinhava, o carro-chefe era sarapatel de porco e o que mais gosta de comer até hoje é um feijão bem caprichado. “Ela adora feijão com farinha, com toucinho, com osso. E é tudo de mão, viu? Porque esse pessoal mais antigo tem o costume de fazer o bolinho com a mão e comer”, acrescenta. 

Marieta sempre foi agitada, sempre gostou de farra e casa cheia. O mesmo espaço que abria na casa, abria também no coração. “É uma mulher guerreira, que criou os irmãos, os filhos, os sobrinhos, os netos e os tataranetos. Sempre ajudou as outras pessoas, nunca deixou ninguém passar necessidade. Ela sempre viveu para os outros. Nem sempre ela tinha tudo, mas sempre fazia questão de dividir. Até hoje é assim”, conta Luísa.  Mãe Marieta, de 110 anos, era parteira e fez o último parto aos 102 anos (Foto: Arquivo Pessoal) Seu Elmano Rocha já é mais quieto que Marieta. Ele gosta de rotina, das coisas do jeito dele, tem horário para tudo. Nem na comida ele varia muito. O cardápio limitado não é por indicação médica, mas por gosto mesmo. “Ele come feijão, arroz, salada e bife quase todo dia, bem metódico”, conta o neto João Paulo, de 40 anos. 

Aos 101 anos, ele é o mais novo da reportagem e também o mais moderno. Seu passatempo preferido é assistir vídeos no YouTube pelo tablet, como apresentações do Circo de Soleil, de ginástica olímpica e patinação. “Ele deve ser o maior fã no Brasil do Circo de Soleil, já assistiu a todas as apresentações. A gente que coloca para ele assistir, mas ele fica mexendo, às vezes quando a gente vê a Siri está falando com ele, é até engraçado”, diz João Paulo. 

Seu Elmano nasceu em São Sebastião do Passé e veio para Salvador na década de 1950 para trabalhar. Começou como funcionário de uma gráfica, conseguiu comprar um terreno e construiu ele mesmo um prédio de cinco andares. Nos dois primeiros, ficava a gráfica. Nos outros três, a moradia da família. 

“Ele mesmo construiu do zero a empresa dele, que também era a casa dele, andar por andar, aos pouquinhos. Ele veio sem nada de São Sebastião do Passé e foi batalhando, com determinação, e construiu a vida. Ele sempre foi muito ativo, muito trabalhador. Ele andava muito. Ia até as casas dos clientes andando, trajetos que ele podia fazer de ônibus ele preferia ir andando. Era coisa de quilômetros todos os dias. Deu duro até os 80 anos e só parou quando sofreu uma queda por conta da labirintite e ficou com dificuldade de locomoção. Talvez seja disso que ela sinta mais falta hoje, de ter essa independência, essa atividade”, diz o neto. 

No aniversário de 100 anos, que aconteceu durante a pandemia, uma comemoração mais discreta. Só as pessoas mais próximas participaram da festinha, algumas foram até a porta da casa dar os parabéns e outras mandaram vídeos com mensagens. “Ele assistiu, animado, mandou recado de volta e se disse ‘muito satisfeito’. Ele sempre usa essa palavra”, conta João Paulo, rindo. Quando questionado sobre a chave para a longevidade, Elmano diz: “O segredo da vida longa é a própria vida”. E ainda deixa uma mensagem para os jovens: “Não desistam, sigam em frente”. 

Quando o assunto é a idade, Seu Elmano prontamente se espanta com um número tão alto: “Mas será possível? Tudo isso?”. Logo em seguida, não dá muita bola, como quem diz que números não merecem tanta importância. Mas seu caso ajuda os curiosos que buscam o caminho da longevidade indicando que, para a decepção de muitos, o segredo pode estar mesmo na genética. Ele tem 101 anos e uma irmã de 103. A mãe deles faleceu aos 104 anos. Será coincidência?

Dona Maria das Dores, de 106 anos, assim como Mãe Marieta, está no quadro daqueles casos de fazer cair o queixo. Trabalhava na roça no interior de Pernambuco desde muito nova plantando milho e mandioca e criando animais. Só parou com 90 anos. Nunca frequentou a escola e não sabe ler nem escrever. Não tem diabetes, nem hipertensão, nada. “Nem de dor de cabeça ela reclama!”, diz a bisneta Victória, de 20 anos. 

Em 2019, ela sofreu uma queda e fraturou o fêmur. Foi aí que acabou se mudando para Salvador para morar com a filha. Por conta da idade, o médico disse que Dona Maria nunca mais voltaria a andar. Mas não é que ela colocou ele no chinelo? Hoje já voltou a andar e ainda por cima sozinha, sem ajuda nem de muleta. Também come e toma banho sozinha, somente com supervisão. 

Ah, e é vaidosa! Victória conta que ela gosta de pintar as unhas de vermelho, de usar batom e de fazer escova no cabelo. Dona Maria também não tem restrição alimentar. “Ela adora feijoada e cozido. E gosta de beber refrigerante também. Eu reclamo, mas ela insiste e eu deixo”, conta a bisneta. 

Os dados apontam cerca de 8 mil idosos centenários, mas esse número pode ser ainda maior. É que antigamente, principalmente no interior do estado, o acesso a um cartório não era tão fácil e muitos acabaram sendo registrados bem depois do nascimento. A família de Seu José Bonifácio, por exemplo, jura que ele tem 102 anos, mas a certidão indica 99.  Na certidão de nascimento, Seu José Bonifácio tem 99 anos, mas, segundo a família 102 (Foto: Arquivo Pessoal) Ele nasceu em Esplanada, trabalhou na roça da família a partir dos 9 anos e veio para Salvador buscando melhores condições de vida. Aqui teve nove filhos, incluindo Solange, de 52 anos. Ela diz que Seu Bonifácio foi pai e mãe para ela e os irmãos. “Ele é um pai maravilhoso. Sempre foi pai e mãe para a gente, criando os filhos sozinho. Ele se virava para cuidar e trabalhar para botar comida na mesa, sempre trabalhou muito”, explica.

Talvez o segredo de Seu Bonifácio seja a serenidade. Nunca foi de se estressar, nunca gostou de muita gente reunida nem muito barulho. Mas uma grande companheira de vida, até os 60 anos, foi a cerveja. “Ele sempre ia para um barzinho para tomar uma, mas com uma ou outra pessoa, nada de agonia”, conta Solange. 

Hoje ele não frequenta mais os bares, não toma mais a sua cerveja. O que ele gosta mesmo é de ouvir as notícias no rádio e contar as histórias do passado, relembrando sua trajetória até os 102. “É muita idade, viu? Não sei se eu mesma gostaria de chegar a isso tudo. Mas pelas coisas que estão acontecendo, tanto estresse que estamos passando, acho que vai ser difícil mesmo”, pontua a filha.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro