Baianos apostam em reformar a casa para driblar o tédio na pandemia

Sala de estar é o cômodo onde há mais desejo em fazer reformas

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 9 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo Pessoal

Essa quarentena dá uma vontade de mudar as coisas, não é, minha filha? Tem gente que modifica o cabelo com novas pinturas, cortes e tentativas de trazer uma novidade aos dias de monotonia. Há outras pessoas que fazem a mudança nos próprios lares: pinta uma parede daqui, ajeita um cômodo acolá... e a lista vai longe.

Uma pesquisa encomendada pela Associação Baiana do Mercado Publicitário (ABMP), Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA) e Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap-BA) aponta que 46,7% dos baianos que recebem acima de R$ 6 mil pretendem reformar seus imóveis nos próximos 12 meses.

A pesquisa batizada como A Casa do Baiano Pós-Confinamento ouviu 495 pessoas no último mês de maio. Analista de dados da Hibou, empresa responsável por realizar a pesquisa, Ligia Mello afirma que no quinto mês do ano as pessoas já estavam desacelerando mais após o susto tomado quando as medidas de isolamento social foram impostas: organizar as demandas de casa e compor um pequeno escritório para trabalho remoto, por exemplo.

"As pessoas estão desacelerando. Março foi o mês da providência; Abril, o mês da adaptação; e, em Maio, as pessoas estão mais aclimatadas com as mudanças e vão percebendo coisas dentro do seu lar que não tinham tanta atenção antes", explica.

A decoradora de festas Ana Paula Reis estava fazendo obras na sua casa em Arembepe, na Linha Verde. A casa tinha o térreo, mas ela estava ampliando um novo andar para fazer novos quartos e tornar a casa mais confortável. A pandemia ameaçou atrasar seus planos já que os pedreiros contratados para realizar a obra não puderam finalizá-la no tempo previsto.

Paulinha, como é conhecida, não queria esperar e tomou a decisão de fazer ela mesmo o que faltava. E assim começou um mutirão familiar para pintura de quartos e acabamento de algumas paredes.

"Minha mãe é ansiosa e não sabe esperar. Moro em Lauro de Freitas com meus irmãos, mas com a pandemia passamos mais tempo em Arembepe com nossos pais. Então, fizemos os acabamentos", conta Kelly Reis, filha de Paulinha, aos risos. Paula Reis, ou Paulinha, como é conhecida, não quis saber de esperar e colocou as mãos na massa para finalizar as obras de sua casa em Arembepe (Foto: Arquivo Pessoal) A casa da família já é conhecida da vizinhança e tem até nome próprio: Reis House, uma homenagem dada por causa das várias festas que o imóvel abriga.

Kelly explica que o maior tempo dentro da casa fez com que a família tivesse vontade de modificá-la porque todo o mundo foi percebendo uma coisinha ou outra que não tinha tempo de analisar durante a velha normalidade.

"Vimos que um cômodo não comportava todo o mundo da mesma forma, a cozinha não pega todo o mundo... então, ela já está com vontade de derrubar uma parede do quarto para poder ampliar. Você começa a perceber que a casa não é aquilo que sentíamos quando vinha só de passagem. Você percebe coisas que passavam batidas e não incomodavam no dia-a-dia", explica Kelly.Otimizar A sala de estar foi o cômodo mais mencionado pelos entrevistados da pesquisa quando questionados qual o espaço em que se mudaria alguma coisa. Um total de 36% respondeu que faria modificações neste cômodo, que, segundo a pesquisa, também foi o que mais se redescobriu durante a pandemia. Um total de 44,2% das pessoas entrevistadas apontou que utiliza mais a sala após a pandemia.

A mudança mais desejada para a sala é o de ter móveis planejados para otimizar o espaço (62,2%). O desejo de ter esse tipo de móvel também vale para mudanças na sala de jantar, cozinha, suíte do casal e quarto dos filhos. Ligia Mello explica que um motivo provável para esse desejo é a facilidade de adaptação desses móveis, que torna mais prática a limpeza e o encaixe nos espaços disponíveis.

As mudanças dentro de casa também podem servir para matar o tempo durante o confinamento. A química Isadora Borba, 25, queimou dois dias do seu isolamento fazendo uma pintura em uma das paredes de seu quarto, no bairro do Caminho das Árvores.

"Moro com meus pais e estamos literalmente de quarentena. Só saí para comprar remédio ou coisas para dentro de casa. Isso me consumia bastante", relata.

Isadora conta que viu no Instagram que várias pessoas estavam pintando seus quartos ou algum cômodo utilizando a técnica da fita-crepe para fazer vários triângulos e dar um ar personalizado ao ambiente. Contudo, ela queria deixar a moda ainda mais à sua cara e numa noite de insônia viu no aplicativo Pinterest, uma espécie de banco de imagens gigantesco disponível online, uma luminária em formato hexagonal. Nasceu a ideia da nova parede. Isadora registrou as etapas de sua pequena (mas trabalhosa) reforma no Instagram (Foto: Arquivo Pessoal) No outro dia, ela pesquisou onde comprar as tintas, achou uma loja de material de construção próxima à sua casa e colocou as mãos na massa. Com tons de verde e preto e auxílio de uma base de papelão ela transformou sua parede em uma espécie de colmeia.

"Minha mãe é artesã então sempre tive essa influência de fazer as coisas manualmente, desde criança. Já estou pensando na próxima parede e faço outras coisas para passar o tempo tipo montar uma hortinha dentro de casa", conta.

Interação Psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia da Bahia, Carol Moura explica que o homem é um ser social e que precisa de interação com outros espaços e pessoas. Sabendo disso, é natural que exista uma inquietação por ficar tanto tempo dentro de casa.

A especialista alerta que é possível que em outras classes sociais, principalmente as menos favorecidas, um movimento semelhante de mudanças nas próprias casas esteja acontecendo. Contudo, essa mudança tem a ver, por exemplo, com o recebimento de auxílios-emergenciais e outros benefícios financeiros que impactam diretamente na possibilidade de fazer reformas essenciais dentro de casa.

"São 90 dias trancados em casa. O ser humano tem essa capacidade de interação, construção, mudança, trabalho e movimento. É um processo de ansiedade? Pode ser que sim ou que não. Para algumas pessoas ficar em casa pode significar um tempo de descanso, para outras pode ser muito ruim, gerar sofrimento por ficar distante da antiga rotina, das pessoas e lugares que gostam de frequentar", afirma.

Na pesquisa realizada por Abap, ABMP e Ademi, 46,1% dos entrevistados afirmou desejar iniciar as suas reformas em no máximo 6 meses. Outros 23,3% já tinham iniciado as obras. Por fim, 19,3% quer iniciar em até um ano e a minoria foi de quem ainda não decidiu ou está sem previsão: 11,4%.

*com supervisão da subeditora Clarissa Pacheco