Bar de Neuzão foi proibido de se chamar Bar de Neuzão; conheça a história

Local virou ponto de referência no Pelourinho após o filme 'Ó Paí Ó', de 2007

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  • Da Redação

Publicado em 10 de março de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Voltando do rolé derradeiro de Carnaval, na madrugada de Quarta-feira de Cinzas, me deparei com um grupo na mesa de um bar no Pelourinho dividido entre Filhos de Gandhy e Muquiranas. Tirei foto, por julgar ser uma cena incomum, visto que existe uma rivalidade velada entre os blocos. Animosidade suspensa no ar que é suspensa em ocasiões especiais. Eis uma delas: sentar para tomar uma no Bar de Neuzão.

Saber onde ele fica, a Bahia e metade de Sergipe sabem. Exagero à parte, essa informação sobre a localização exata é importante porque não há placa ou letreiro na frente do estabelecimento e, no final das contas, nem mesmo o nome do bar é esse.

“Na verdade, o nome tá lá de Bar Ceará, mas não é. O nome é Bar e Restaurante do Calçadão. A gente chegou a colocar, logo que assumiu o ponto, o nome ‘Ó Paí, Ó’, na frente, mas fomos proibidos”, comenta Nói Guimarães, 46 anos, proprietária do espaço junto com o marido, Ricardo Matos, 52.  Nói e Neuzão, as proprietárias do bar na vida real e na ficção (Foto: Arquivo pessoal) O casal, que assumiu o bar&rest em fevereiro de 2010, três anos após o filme, mora em Brotas e tem um filho de 8 anos. O guri é, portanto, quatro anos mais novo que a película, que no próximo dia 30 completa 12 aninhos de lançamento. Ricardo, o outro proprietário, com Tânia 'Neuzão' Tôko (Foto: Arquivo pessoal) Sobre a proibição, conta Nói, ocorreu já na primeira referência à obra, mesmo a zorra do lugar sendo a localização original do filme e, posteriormente, da série para a TV.

“Tinha lá o nome do filme, só, e mandaram tirar, senão dava problema com direitos autorais. Uma pessoa que se identificou como alguém do filme [não sabe dizer se da Globo ou da produtora associada] foi lá e disse que a gente não podia colocar nada a respeito do filme. Exibir fotos, nada disso. A única coisa que podia era exibir o filme”, cita Nói, ao explicar por que não pôde aproveitar melhor a fama que o filme trouxe ao espaço, e também por que não aceitou a consagrada vontade popular de chamar o lugar de Bar de Neuzão.

Mas Neuzão, ou melhor, a atriz Tânia Tôko, diz que de nada adianta essa censura, ignorada por mais de uma década. “Tenho uns amigos taxistas que falam pra mim que os clientes já param assim: ‘eu quero que você me deixe na porta do Bar de Neuzão’. Dizem que a procura é muito grande, e pra mim isso é um sucesso”, comenta a atriz, feliz com o sucesso do local.

Relembre uma das cenas clássicas do filme, gravadas no bar, quando os personagens dançam ‘I Miss Her’, do Olodum.

A fama adquirida por ela, aliás, também perdura, independente da sua vontade. “Carnaval eu ouvi tanto Neuzão, que chega ainda tô zonza até hoje. Eu acho que isso é uma coisa que todo artista que eterniza uma personagem vai carregar pro resto da vida. Estranhei no princípio – como também a fama, dar autógrafo, tudo isso – porque sou uma pessoa que gosta da privacidade, mas agora já tô sabendo equilibrar essas coisas”, observou.

Na quinta passada, dei um pulo no bar pra conversar com os frequentadores e saber histórias do local. Da história mesmo do lugar, aliás, nem consegui levantar muita coisa, apesar da promessa no título.

Na época do filme, o dono do bar era o cearense José Ayres, que manteve o estabelecimento por menos de uma década, até passar para Nói e Ricardo, em 2010. Já velhinho e com Alzheimer, naturalmente, não teve como nos ajudar. Antes de ser o Bar e Restaurante Ceará, chegou a ser uma loja de tecidos para reforma de estofados - isso há mais de 20 anos.

Foi mais ou menos na época que pisei no Pelourinho pela primeira vez, num passeio da escola. Passei por lá, pois fica na esquina seguinte em relação ao ponto de ônibus da Baixa de Sapateiros. A experiência de ver o Pelourinho, pela primeira vez, acho que aos 12 anos, me causou um impacto que perdura até hoje - ou seja, toda vez que apareço por lá, lembro do primeiro dia.

As memórias não viraram cinzas, como um dos imóveis que visitei daquela vez. A prova da boa memória é que vi o local incendiado e o reconheci, na mesma hora, ao vê-lo numa notícia neste CORREIO. Fazia a 6ª série no Colégio Estadual Desembargador Pedro Ribeiro, em São Caetano. Posto a foto assim que meu amigo Mazinho achar nos arquivos dele...

Mas, partindo ao meio essa lembrança, voltou à presença que fiz na quinta, tomando uma no bar com alguns clientes assíduos. Um dos mais deles, com certeza, o professor de Matemática e violonista Josevaldo Borges, 52, morador do Bonfim. É longe, e vai sempre ali porque gosta, se sente em casa, é seu lugar no mundo. Tinha acabado de voltar da terapia e, segundo ele, continuava o tratamento na mesa do bar, ministrando algumas ampolas de Schin litrão. Tomei uma ou duas com ele, durante uma longa conversa sobre cultura, arquitetura, Carnaval, blocos afros. Falou mal do Olodum, elogiou o Ilê… 

“As pessoas tinham mais discernimento cultural, e o próprio desfile trabalhava o lado mais politizado da conscientização da negritude”; “A música do Olodum se tornou uma coisa mais comercial, o que não aconteceu com o Ilê. Você vai na saída do Ilê, é uma coisa linda, tranquila. No Olodum, infelizmente, a violência impera”, foram algumas frases, neste último caso, citando os quatro baleados e um morto do último Carnaval e outros episódios. Entrei na conversa pelas beiradas, enquanto minha namorada Fernanda cochilava ao meu lado. Josevaldo, nem aí, ria, e alto. Foto: Fernanda Dias Alto lá, já pelas seis, o bar estava finalmente cheio. Perguntei ao atendente da noite, Elísio dos Santos, 41, que trabalha no local desde 2008, qual o perfil dos frequentadores do Bar das Sete Portas (outro nome pelo qual o lugar é conhecido, segundo ele, justamente pelo número de entradas/saídas). Me contou que a maioria é formada por turistas.  Foto: Fernanda Dias Não parecia, olhando em volta. Galera despojada demais, sem ligar para onde estavam, sem escanear a paisagem. Conversando com uns, observando e ouvindo as conversas dos outros, era só gente de casa.

Como Marcão Corredor, morador da Baixa dos Sapateiros. Há 80 anos registrado como Marcos Fernandes Lima, o aposentado, bom contador de causos, também contabiliza meio mundo de conquistas como atleta master. “Eu era corredor da Prefeitura. Tem seis anos que parei, por causa de duas cirurgias de hérnia. Tenho 227 medalhas e 44 troféus e participei da São Silvestre em 2003”, diz, como quem conta vantagem.  Josevaldo Borges e Marcão Corredor, clientes assíduos, comigo, num papo regado a Schin (Foto: Fernanda Dias) A desvantagem do bar, aos mais frescos, é o banheiro masculino, com aquele sanitário turco - no chão, estilo prisão - e a falta de trinca na porta, que pode fazer você ser pego com as calças na mão. A cozinha também, considerando o cenário, deve ser melhor na ficção.

Frase da semana “Quando eu morrer, Deus vai descer e dizer assim: ‘tem uma cerveja aqui pra você. Levante do caixão’. E daí eu vou levantar e rir bem alto”. (Josevaldo Borges, o Quincas Berro D’Água do Bar de Neuzão, antes de uma risada que dá pra ouvir da Praça da Sé).

Aviso aqui As gravações de ‘Ó Paí Ó 2’, que começaram no ano passado, estão previstas para chegar ao Bar de Neuzão em junho. Nói diz que os produtores do filme ainda não entraram em contato. Está no aguardo.

Quanto a Tânia 'Neuzão' Tôko, o informe dela é o seguinte. Avisa lá Quem souber mais sobre a vida pregressa do local (nem os historiadores Maria Hilda Paraíso e Nelson Cadena tinham pistas), manda uma mensagem nas redes (@galdea) ou no e-mail: [email protected], que complemento o assunto depois, ok, muzenza? Beijo de luz que hoje é domingo, fui!