BDM tenta tomar territórios de facção rival, e briga leva pânico a São Marcos

Segundo policiais, a disputa começou quando amigo de traficante foi assassinado

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  • Bruno Wendel

Publicado em 30 de agosto de 2019 às 05:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Bruno Wendel/CORREIO

O clima de tensão no bairro de São Marcos, que viveu nova cena de terror na manhã dessa quinta-feira (29), quando dois homens armados tomaram a chave de um ônibus na tentativa de atear fogo no veículo, não é de agora. A região vem sendo alvo de disputa de duas facções.

Há 20 dias a situação se agravou quando um integrante do Comando da Paz (CP), grupo criminoso que atua na região, mudou de lado e passou a integrar o grupo rival, Bonde do Maluco (BDM), que age em Sete de Abril. 

Segundo investigação da Polícia Civil, o traficante conhecido como Pinguim deixou o CP para se tornar parte do BDM, o que gerou uma guerra entre os grupos."Pinguim tinha um amigo, Erivelto, que ele considerava como irmão, e que foi morto pelo próprio CP há 20 dias. O motivo, ainda não sabemos, mas ele ficou revoltado e mudou de lado", contou um policial militar que faz parte do grupo de PMs que atua no reforço de segurança do bairro. No mesmo dia em que Erivelto foi morto, Pinguim buscou vingança. Segundo o PM, o traficante convocou pelo menos 20 homens armados do BDM para tomar o Coroado e a Portelinha, duas invasões vizinhas e controladas pelo CP. "Como o BDM tem um número maior de integrantes, o CP pediu reforço aos traficantes do Complexo do Nordeste de Amaralina, um dos pontos mais fortes da facção", disse o policial.

Ainda de acordo com o PM, bandidos do BDM disseminaram terror nas redes sociais. Espalharam áudios, mensagens e vídeos para ameaçar novos ataques. Em resposta, os integrantes do CP agiram da mesma forma, para demonstrar soberania territorial. "O fato é que a população fica no meio dessa guerra total. É a população quem paga, no final das contas", lamentou o policial. 

O CORREIO conversou com o delegado Antônio Fernando, titular da 10ª Delegacia (Pau da Lima), que confirmou a guerra entre as duas facções. Segundo ele, o problema é antigo.“Ouvimos áudios da CP do Coroado, convocando aliados do Nordeste de Amaralina. Isso é um problema sério. Temos duas regiões problemáticas: Portelinha e o Coroado, que é a pior de todas. A maioria dos confrontos acontece no Coroado porque é uma área bem maior e é acesso para a Portelinha. Então, tudo respinga lá”, afirmou o delegado. Ainda de acordo com ele, o líder do CP em São Marcos se chama Wellington, mas é conhecido como Maluco. A polícia já fez diversas buscas à procura dele na região, sem sucesso. “Já fizemos inúmeras ações lá embaixo, mas nunca tivemos sinal dele. O que soubemos recentemente é que ele controla tudo aqui, mas direto de Diadema, em São Paulo”, disse.

Além do Coroado, o CP domina, na região de Pau da Lima, o comércio de entorpecentes na Via Regional e Avenida Gal Costa. Rival de Wellington, um criminoso conhecido como Vado comanda o BDM em Sete de Abril e adjacências. “É outro também que nunca está na área de atuação”, relatou Antônio Fernando.  

Foi no Coroado, localidade de São Marcos, que o corpo de Demilson Santana de Jesus, 15 anos, foi encontrado. A família acusa policiais militares pela morte. Na manhã dessa quinta-feira (29), moradores protestaram na Avenida São Rafael. Procurada, a PM não respondeu.

O CORREIO falou com o delegado também sobre o ônibus atravessado na Via Regional na quarta-feira (28), e sobre um outro que teve a chave levada por dois homens armados nessa quinta. Sobre os casos, o delegado disse que “a polícia está se empenhando e tão logo dará a resposta necessária, a identificação e prisão de todos os envolvidos”. Ele não citou, no entanto, se as ações têm relação com a guerra de facções.  Wellington lidera o CP, enquanto Vado lidera o BDM (Foto: Reprodução) Outra morte Um outro crime foi registrado nas proximidades de São Marcos, na terça-feira (27), quando Pablo Ruan Garcia dos Santos, 27 anos, foi assassinado a tiros na rua Jota Silvestre, em Sussuarana. O local fica perto da Avenida Gal Costa e do próprio bairro onde ocorre a briga entre CP e BDM. 

Segundo o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o homem foi vítima de disputas pelo tráfico de drogas e já existem alguns indícios de autoria, que não serão revelados para não atrapalhar as negociações. Pablo Ruan tinha passagem pela polícia por tráfico, mas não há informação ainda se a morte dele tem alguma relação com a briga entre as facções.

Por meio de nota, a Polícia Militar informou que a 48ª Companhia Independente (CIPM/ Sussuarana) foi acionada para atender a uma ocorrência de disparo de arma de fogo nessa região e, quando a viatura chegou no local, encontrou o jovem baleado. Os militares socorreram o homem para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA/ São Marcos), mas ele não resistiu. 

Transporte e comércio afetados O clima de terror em São Marcos teve impacto no transporte e no comércio locais. Pouco depois da invasão de dois homens ao ônibus e do roubo da chave, os coletivos pararam de circular na região.

"Os ônibus pararam de circular apenas na Via Regional, pelo acontecimentos recentes. Amanhã [nesta sexta-feira] vamos nos reunir para decidir quando vamos retomar a circulação por lá. Vamos ouvir trabalhadores, a empresa, os policiais. Então, hoje à noite e amanhã cedinho [na sexta] não terá ônibus ali", explicou Fábio Primo, vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários.

O comércio da região também fechou mais cedo nessa quinta. Com medo, os comerciantes, que costumam encerrar as atividades por volta das 20h, deixaram seus locais de trabalho às 17h. Outros fecharam seus estabelecimentos ainda pela manhã.

A invasão desses dois homens ao coletivo aconteceu por volta das 10h30 dessa quinta, na Via Regional, próximo a São Marcos, a poucos metros do estádio Barradão. Essa é a segunda tentativa de atear fogo em ônibus no bairro em menos de 24 horas.

Os suspeitos entraram num coletivo da empresa Integra que faz linha Fazenda Grande III / IV - Lapa e tomaram a chave. "Eles subiram quando parei no ponto para os passageiros descerem. Subiram e disseram que não fariam nada com os pessoas, mas que queriam a chave do ônibus, porque iam colocar fogo", disse o cobrador, que pediu para não ser identificado. 

Ainda segundo ele, os homens desistiram da ação porque uma guarnição da PM vinha logo atrás. "Eles desceram quando ouviram a sirene, foi um pânico. As pessoas estão assustadas desde quarta com tudo isso", disse o cobrador. 

Durante a manhã, os policiais fizeram buscas para encontrar os suspeitos na localidade conhecida como Ninja, que fica atrás do Hospital São Rafael. Segundo a polícia, eles estavam armados com pistolas e levaram a chave dos ônibus.

A ação contou com a participação de policiais da 47ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Pau da Lima), da 50ª CIPM (Sete de Abril) e da Rondesp. 

Em nota, a Polícia Militar informou que policiais da 50ª CIPM foram acionados, após um ônibus ser atravessado na Via Regional, nas proximidades do Largo de São Marcos, por homens que portavam armas brancas, por volta das 10h30 desta quinta-feira (29). "A ação criminosa foi frustrada no momento em que as guarnições se aproximaram, porém todos conseguiram fugir do local", informou a PM.

Outro ataque Na noite de quarta-feira (28), um outro ônibus lotado foi alvo dde ataques e foi atravessado na Via Regional, na altura do bairro São Marcos, e passageiros tiveram que derrubar e pular pelas janelas após bandidos roubarem a chave do motorista e ameaçarem atear fogo no coletivo. A situação ocorreu também em um segundo veículo com passageiros. (Foto: Reprodução) Moradores do local, que fica próximo ao acesso para o estádio Barradão, e até passageiros de um dos ônibus divulgaram imagens do ataque nas redes sociais. A Polícia Militar afirmou que os ônibus não chegaram a ser incendiados.

De acordo com Fábio Primo, presidente do Sindicato dos Rodoviários, um dos veículos pertencia à OTTrans. O Centro Integrado de Comunicação (Cicom), da Secretaria de Segurança Pública (SSP), informou que uma manifestação pacífica com acompanhamento da Polícia Militar ocorria no bairro do Novo Marotinho, na região informada pelo sindicato como o local do suposto crime, mas não há detalhes sobre a situação nos coletivos.

Segundo moradores da região, estes dois ônibus foram abordados em protesto pela morte do adolescente Demilson Santana de Jesus, 15 anos. Segundo a família, ele foi morto pela PM. O CORREIO buscou a polícia para ouvir a versão sobre o fato, mas não obteve retorno.

Nos vídeos gravados pelas testemunhas, é possível ver a situação de pânico no momento da abordagem. Em um dos ônibus, os passageiros escaparam pela saída de emergência, retirando as janelas.

As imagens ainda mostram que os suspeitos atiraram pedras contra outros veículos que estavam no local, o que fez com que os passageiros se abaixassem com medo.

Um dos ônibus atacados faz a linha Cajazeiras XI - Pituba. No vídeo, ainda é possível ver as pessoas correndo do local, amedrontadas.