Bikes na mira dos bandidos: mais de 50 bicicletas roubadas até fevereiro na Bahia

Ciclistas reclamam dos constantes assaltos que sofrem e do medo que sentem ao sair para pedalar

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 7 de março de 2021 às 13:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Max Haack/Divulgação

Está cada vez mais comum sair nas ruas e ver pessoas andando de bicicleta. Salvador segue essa tendência e já conta com quase 300 quilômetros de ciclovias. Somente no ano passado, foram implantados mais de 40 km de rede cicloviária, em locais como as avenidas Tamburugy, Paralela e Orlando Gomes. Mas não são só os ciclistas que estão comemorando o benefício. Quanto mais bicicletas nas ruas, mais os criminosos fazem a festa. Os relatos de furtos e roubos desse meio de locomoção, cujos preços padrões variam entre R$ 800 e R$ 10 mil, estão cada vez mais frequentes, gerando insegurança para quem quer se locomover, se exercitar ou aproveitar um momento de lazer. 

Pedalar é uma verdadeira paixão para muita gente. O meio ambiente agradece e a saúde também. Mas, ao sair de casa, além da bicicleta e dos equipamentos de segurança, é preciso levar ainda muita coragem. Segundo dados do Cadastro Nacional de Bicicletas Roubadas, iniciativa da sociedade civil, Salvador está em 23º lugar no ranking de cidades com mais ocorrências registradas no site, totalizando 22 furtos e 12 roubos em 2021. A Bahia é o 12º estado com mais casos, somando 53 casos entre furtos e roubos até o início de fevereiro.  

Esse é o caso da funcionária pública Dinah Ferreira, de 63 anos, que, no final de 2020, teve a bike roubada duas vezes em um período de 40 dias, mas não desistiu de pedalar. Ela já foi maratonista e, há três anos, trocou a pista de corrida pela bicicleta. Mesmo depois dos dois traumas pelos quais precisou passar, garante que a paixão fala mais alto. 

“Vou terminar de pagar a bike que agora não é mais minha, é do ladrão, e comprar outra para voltar a pedalar. Eu quero segurança para os ciclistas, é isso que a gente busca. Que a gente possa sair sem esse medo, sem se perguntar se vai conseguir voltar para casa”, diz a ciclista. Na primeira vez em que foi roubada, estava sozinha e tinha parado para descansar no Campo Grande, por volta das 8h30. “Fiquei triste, arrasada e chorei muito. Me senti muito vulnerável, impotente, porque você compra uma bike de 3 mil reais e, quando vê, ela já está custando 6 mil. A manutenção é muita cara. Mas decidi não me intimidar”, completa. Dinah minutos antes de ter a bike roubada pela segunda vez em 40 dias. (Foto: Arquivo pessoal) Violência

Depois do trauma, Dinah comprou outra bike e fez orçamentos com seguradoras, mas não deu tempo de fechar contrato. “Minha colega me chamou para ir ao Bonfim fazer nossas orações. Eu não queria ir porque ainda não tinha seguro, mas ela insistiu e eu não consigo recusar um convite para pedalar”, conta. Na volta para casa, quando passavam pelo túnel da Via Expressa, ela sentiu o empurrão. Quando acordou, estava no chão, na pista dos carros, sem a bicicleta mais uma vez. “Precisei fazer fisioterapia, fiquei sem poder mexer o braço. Agora já terminei as sessões e estou com os movimentos quase todos recuperados”. 

Há cerca de um mês, ela criou o grupo no WhatsApp Ciclismo Com Segurança, para que quem pedala pela cidade possa compartilhar suas experiências e unir forças. Ela conta que a toda hora chegam relatos de assaltos e que a sensação de insegurança é generalizada. “Uma vizinha minha é atleta e precisou levar 10 pontos na cabeça por causa de um roubo que sofreu. Os bandidos derrubaram ela, ela desmaiou e eles continuaram dando pontapés para soltar o pé dela do pedal. Daqui a uns dias a gente vai começar a contabilizar o número de mortes. Para mim, é uma tragédia anunciada”, relata. 

Para a atleta e vendedora numa loja de bicicleta, Camila Pelegrini, de 31 anos, perder a bike é frustrante, mas o maior medo mesmo é acabar se machucando durante o assalto. “A bike a gente coloca no seguro. O problema é a gente sempre sair de casa com medo do pior, de tomar uma porrada na rua, de cair e um carro acabar passando por cima, ou bater a cabeça no meio-fio”, diz.   

Camila começou a andar de bike para se exercitar e emagrecer. Há três anos, ela estava pedalando sozinha pela área do antigo Aeroclube, no final da tarde, quando cinco homens bloquearam a via e partiram para cima dela. A ciclista caiu no chão, e eles a agrediram até ela desmaiar. Quando acordou, estava sem a bicicleta e sem o celular. “Eu me machuquei, fiquei 15 dias afastada do trabalho, torci um dedo da mão e fiquei com a lateral direita do corpo toda roxa por causa da pancada. Fora o trauma físico, tem o lado psicológico também que deixa a gente muito sensível”, conta. Camila, ao ser assaltada, foi agredida pelos criminosos e chegou a ficar desacordada (Foto: Arquivo pessoal) Depois do ocorrido, ela encontrou a bicicleta em um site de vendas online e foi orientada pela polícia a negociar com os criminosos, mas não levou adiante. “Eu fiquei com medo de ir atrás. Eu abri mão, não tinha cabeça para entrar em contato com alguém que subtraiu um bem meu. Acabou ficando por isso mesmo, eu virei estatística”, lamenta.

Depois do trauma, ela comprou uma bicicleta nova, inferior a outra, para poder continuar a praticar atividade física. O medo, porém, continua. Ela, que é atleta, explica que o ideal é treinar sozinha, mas que isso facilita a ação dos bandidos. “Mas agora eles não se intimidam nem com os grupos. Na semana passada, eu estava em grupo e um cara tentou subtrair a bicicleta da colega. Éramos oito pessoas. Ele puxou o braço dela, a gente começou a gritar, ela se jogou na rua e ele não conseguiu levar a bicicleta”, relata. 

Para os clientes que ela atende na loja, deixa a dica. “Os locais que mais acontecem são a ciclovia do metrô na Paralela e na orla, depois do Parque dos Ventos. A cada cliente que eu atendo eu falo para colocar a bicicleta no seguro e não passar nesse trecho do Aeroclube, se passar, que vá pela pista e não pela ciclovia”, aconselha.   Modus operandi

O modo de agir dos assaltantes já é conhecido. Eles ficam nas ciclovias, esperando o ciclista passar e então dão o empurrão. Se a vítima resistir, eles continuam as agressões. Quando são mulheres, se elas impõem dificuldade, os criminosos apelam para algum tipo de arma, e até mesmo uma garrafa de vidro quebrada pode servir. No caso dos homens, eles já chegam com um revólver ou uma faca.  Humberto não se sente mais seguro para usar a bike para ir trabalhar (Foto: Aquivo pessoal) Foi assim que aconteceu com Humberto Filho, fotógrafo de 55 anos. A bike dele foi levada em 2019, em um assalto à mão armada, enquanto ele pedalava de manhã cedo, na altura de onde funcionava o Aeroclube. “A bike está no seguro, mas a gente não sabe o que eles podem fazer com a gente. O ciclista vive um grande dilema. Ele quer pedalar na ciclovia, mas sabe que lá ele corre o risco de ser assaltado. Se ele for para a rua, dividir com os carros, corre o risco de ser atropelado”, explica ele. 

Mas essa não foi a única vez em que Humberto ficou sem a sua bike. Assim como Dinah, ele já passou por isso duas vezes. Da outra vez, a modalidade foi diferente. “Em 2018, eles entraram na garagem do prédio em que eu morava, no Costa Azul, e levaram duas bikes, cortaram os cadeados. É uma outra modalidade também bastante comum”, conta. Depois do assalto e do furto, o ciclista diz que agora só pedala em grupo ou em viagens. “Em Salvador, eu realmente perdi o gosto de pedalar, me desanimei muito com esse risco”, complementa. 

Para Humberto, os criminosos não escolhem o modelo da bicicleta, agem conforme a facilidade. “E normalmente a dinâmica é sempre a mesma. Eles roubam em lugares onde eles podem rapidamente fugir e entrar na sua comunidade. E geralmente eles assaltam de manhã cedo, eles sabem o horário que a polícia chega e onde a polícia chega”, finaliza o ciclista.

Ele também conta que já usou a bike para trabalhar por um tempo, mas agora não vê mais um cenário favorável para isso. “Hoje eu tenho muita vontade de voltar a pedalar para o trabalho, mas não me sinto seguro. Meu percurso seria na ciclovia da Paralela, que de um tempo para cá tem sido o lugar menos indicado para se pedalar sozinho porque tem acontecido muitos assaltos nas imediações do Bairro da Paz e Pituaçu”, pontua. Valdelir teve a bike roubada menos de três meses depois da compra. (Foto: Arquivo pessoal) Foi justamente lá onde a secretária Valdelir Moitinho, de 44 anos, teve a bike roubada. Ela não teve nem tempo de aproveitar direito a bicicleta nova, comprada em novembro do ano passado. Ela resolveu começar a pedalar por incentivo da sobrinha e da amiga, para ter um momento de lazer, mas a empolgação não durou muito. No dia 29 de janeiro deste ano, ela foi com a amiga até a ciclovia da Paralela, por volta das 18h. “Tinham pessoas passando, pessoas correndo, ciclistas, e os assaltantes não se intimidaram e conseguiram fugir”, conta Valdelir. 

Ela nem terminou ainda de pagar a bicicleta, que custava cerca de R$ 2 mil e estava dividida em 10 vezes no cartão. “Eu estou chateada, perdi a minha bike e vou pagar agora a terceira parcela. Para a gente que trabalha, que rala, comprar um bem que não é barato, ver todo mês na sua fatura e não ter mais a bicicleta na sua mão é complicado”, desabafa. 

Procurada pelo CORREIO, a Polícia Militar informou em nota que as ciclovias de Salvador contam com policiamento ostensivo 24h, através do radiopatrulhamento motorizado, com guarnições atuando em viaturas em rondas e em operações.

A PM ressaltou ainda que todas as regiões que contam com ciclovias terão o policiamento reforçado através das Operações Ronda Ciclística, Cooper, Corredor Turístico Salvador (CTS) e também com policiamento montado e motopatrulhamento.

No Cadastro Nacional de Bicicletas Roubadas, a vítima do roubo pode preencher um formulário eletrônico e cadastrar a sua bike. O registro fica bloqueado para que a equipe responsável pelo cadastro confira os dados. Após análise, o registro é publicado. 

Os objetivos são: ajudar na recuperação de bicicletas roubadas, evitar que consumidores e lojistas comprem material roubado, mapear áreas de risco para ciclistas e prevenir roubos através da divulgação da forma de agir dos ladrões. Os únicos dados pessoais pedidos são o nome e email da vítima, que mesmo assim não ficam públicos. Isso evita emails não autorizados ou qualquer problema com privacidade.   Dicas (retiradas do Cadastro Nacional de Bicicletas Roubadas)Quando comprar sua bike, peça para o lojista colocar o número do quadro na nota fiscal e tenha ela guardada em casa; Crie provas de que a bicicleta é sua. Tire uma foto da sua carteira de identidade ao lado do número de série, plastifique uma frase ou desenho que só você saiba e coloque em algum lugar dentro da bike, fotografe componentes ou adesivos que você pôs posteriormente à configuração original; Quando parar em semáforos, fique dando voltas em frente aos carros e não parado; Evite andar sozinho em lugares desertos, mal iluminados, estreitos ou que tenham muitas árvores, pois muitos assaltantes ficam escondidos e te derrubam quando você passa; Considere um seguro se sua bicicleta for cara; Fugir de uma abordagem não é recomendado, especialmente se o ladrão mostrar que está armado; Caso seja assaltado, vá até a polícia, informe o roubo e faça um Boletim de Ocorrência (BO). É muito importante para uma recuperação.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro