Boca do Rio, Centro e Plataforma têm correria antes do bloqueio

Moradores foram às compras, e vendedores fizeram promoções antes das novas medidas restritivas

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  • Da Redação

Publicado em 8 de maio de 2020 às 22:13

- Atualizado há um ano

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O mercadinho Ribejó, no fim de linha da Boca do Rio, vendeu o dobro nesta sexta (8) em comparação com as vendas da quinta, garante Davi Santana, 18 anos, que estagia no estabelecimento. Para ele, a alta nas vendas não tem outra explicação que não a preparação dos moradores do bairro para os sete dias de medidas mais restritivas no local a partir deste sábado (9). A avenida Joana Angélica e o bairro de Plataforma também vão ter o isolamento intesificado com o objetivo de conter o novo coronavírus (Covid-19).

“A rua estava muito movimentada e muita gente me perguntou o que ia acontecer com o mercado”, relembrou antes de explicar que o estabelecimento vai permanecer aberto, mas terá que tirar as barracas de frutas que ficam montadas na calçada.

Mesmo com o dia chuvoso, muitos moradores da Boca do Rio foram para as ruas nesta sexta. Era grande o movimento de pessoas carregando sacolas e alguns estabelecimentos possuíam filas, em especial nos açougues. Diferente de outros dias da quarentena, entretanto, o número de vendedores ambulantes na praça do fim de linha era menor no fim da tarde desta sexta.

A dona de casa Ana Carolina Nunes, 29, era uma das moradoras da Boca do Rio que usou o último dia antes do bloqueio para se preparar para os sete dias iniciais de medidas mais restritivas. Para a ela, a grande preocupação é com o fechamento da região do fim de linha, onde fica grande parte das lojas. “Eu to comprando tudo hoje. Já comprei carne, remédio fralda, várias coisas pois que tenho medo de não conseguir chegar aqui nesses sete dias”, disse enquanto esperava na frente de um açougue.

Hoje também foi o dia de fazer o estoque de alimentos na casa da cozinheira Silvia Lima, 42. Apesar dos mercados permanecerem abertos, ela decidiu evitar sair para fazer compras nos próximos sete dias.

Parte da população do bairro, entretanto, não chegou a fazer um estoque em casa. Estes vão continuar a ir nos mercados para fazer pequenas compras apesar do isolamento reforçado. Nesta sexta, a comerciante  ngela França, 45, esperou na fila do açougue para garantir a carne da semana. “Não sei se o açougue vai ficar aberto, mas os mercados podem abrir e, por isso, não tem necessidade de fazer muita compra”, disse.

Na Avenida Joana Angélica, outro local que vai receber os bloqueios a partir deste sábado, os vendedores ambulantes de frutas desmontaram suas bancas mais cedo nesta sexta. Por volta das 18h20, apenas uma barraca ainda funcionava na região do Shopping Center Lapa. No fim da tarde de hoje, a maior parte dos ambulantes do local se preparavam para parar de trabalhar por sete dias. Com isso, todos que passaram na via para comprar as frutas se depararam com uma promoção.

“A gente vendeu muito barato pois estava com medo de perder os produtos. Tinha fruta que até saía mais barato do que na roça”, disse o ambulante Florisvaldo jesus, 45.

De acordo com ele, o fluxo de fregueses foi alto nesta sexta pois as frutas comercializadas na avenida são mais baratas e as pessoas aproveitaram a última chance de comprar para fazer um estoque em casa.

Funcionário de uma farmácia em frente ao Center Lapa, Carlos Augusto, 44, relatou que a movimentação na região estava normal, nem parecia existir uma pandemia no mundo. A grande diferença para ele entre esta sexta e outras sextas passadas foi o horário que as barracas pararam de funcionar. “Todo mundo desarmou tudo mais cedo”, contou.

A quarentena também quase não existia em Plataforma, a terceira localidade que vai sofrer medidas mais restritivas. De acordo com o engenheiro civil e morador do bairro Rafael Lordelo, 26 anos, a região do Largo do Luso ainda tem muito comércio aberto, quitanda de rua que vendendo fruta e uma circulação muito grande de mototáxi e táxi. “Todo dia saio de manhã cedo para o trabalho e parece que é vida normal em Plataforma, muita gente na rua. Tenho visto até carro de ligeirinho. Muita gente fazendo aglomeração como se não estivesse nada acontecendo", relatou. Avenida Joana Angélica estava tomada por pessoas nesta sexta (8) (Tiago Caldas/CORREIO) Reação As medidas restritivas não agradaram a todos. Há quem reconheça a importância dessas ações para a contenção do vírus. Mas alguns moradores relatam que não é possível fechar o comércio e a rua por sete dias. “O bloqueio é ruim, ainda mais para quem precisa fazer as compras do dia das mães. Fiquei triste ao saber disso porque as pessoas querem sair de casa. Não tem como não sair, as vezes, temos que resolver as coisas na rua”, disse a dona de casa Sandra Conceição, 58, que mora na Boca do Rio.

Grande parte dos moradores das regiões afetadas, entretanto, acreditam que as novas medidas podem ser a única forma de impedir a disseminação do vírus nestes locais tamanha a aglomeração que se forma nas ruas diariamente. Com a grande circulação de pessoas na Joana Angélica, o porteiro Jorge khoury, 58, reconhece que é necessário fazer o bloqueio, mesmo que isso signifique algumas perdas econômicas. “Os ambulantes vão sofrer, mas essa doença que tá crescendo cada dia que passa. Antes fechar a rua do que aumentar o número de pessoas doentes”, ponderou.

Apesar de saber que a decisão foi extrema, Rafael Lordelo é favorável ao bloqueio em Plataforma pois os moradores ainda não estão conscientes da gravidade do coronavírus. “Eu não seria a favor inicialmente. Se cada um fizesse a sua parte, acho que não precisaria chegar nesse ponto, mas do jeito que estava realmente tinha que fazer isso”, afirmou.

A situação na Boca do Rio também exigia uma intervenção mais focada, segundo a técnica em telecomunicações Gilnara Conceicao, 53. Para ela, o bloqueio é “perfeito porque as pessoas não têm consciência”. “Eu tava até estranhando por estarmos no meio de uma pandemia e os moradores daqui agindo de forma irresponsável como se nada tivesse acontecendo”, disse.

Mesmo quem coloca a saúde em primeiro lugar e reconhece a necessidade de restrições mais rigorosas pode ficar preocupado e se sentir angustiado com uma situação nunca antes vivida como a obrigatoriedade de um isolamento social. Para o vendedor Adriano Lopes, 38, é como se estivéssemos vivendo em um filme de ficção científica. “É uma situação chata e dá medo porque nunca vivi isso”, contou.

Antes de ver com os próprios olhos como serão as novas medidas, os moradores dos bairros afetados imaginam como vai ser o processo para se locomover pela cidade, especialmente para trabalhar. Para entrar na área bloqueada, será necessário comprovar a residência no local. 

A cozinheira Silvia Lima logo se preocupou com o caminho para o trabalho, que fica em Armação. Todos os dias, ela faz o percurso de uber, mas não sabe se poderá pedir o transporte por aplicativo devido às restrições viárias. Outro medo é esquecer o comprovante de residência em casa. “Eu achei que é um absurdo porque muitas vezes eu posso sair correndo e esquecer o comprovante”, disse a moradora que vai passar a ir trabalhar a pé e teme ser assaltada nas ruas, que deverão ficar vazias. 

Para o morador de plataforma, Rafael, o processo de carregar um comprovante de residência é mais tranquilo. “Todo dia estou saindo de casa, então vou ter que andar com comprovante de residência e crachá do trabalho para comprovar o que estou fazendo na rua”, afirmou.

Quem reside fora dos locais afetados pela medida, mas trabalha onde as restrições vão acontecer também questiona como poderá acessar o local. Esse é o caso de Davi Santana, que mora no Costa Azul, mas atua em um mercadinho na Boca do Rio. “Tudo vai mudar do nada agora e fico com medo de chegar para trabalhar e não poder entrar na rua”, disse.

Processo de aceitação Para o sociólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Alan Mucellin é natural que os moradores sintam um estranhamento e demorem um pouco a assimilar os bloqueios nos bairros porque a medida acarretará na quebra da rotina, o que afetará suas vidas íntimas e públicas. “Vejo pessoas na internet comentando que na pandemia perderam as noções de horário, que trocam o dia pela noite, que já não tomam café da manhã, ou seja, já não têm mais a estruturação que tinham. A questão é que precisa criar uma nova rotina e isso demora”, avalia.

O sociólogo pontua ainda que a nossa vida é orientada tanto pelo tempo quanto pelo espaço. Sabíamos mais ou menos como começava e terminava um dia: Acordar, ir para o trabalho ou escola, dormir. Mas este é um momento de muitas incertezas. 

Quanto tempo a pandemia durará? Em quanto tempo poderei ver novamente meu familiar, meus amigos, meu companheiro? Não há respostas para essas perguntas ainda, mas as autoridades de saúde têm uma única certeza: o distanciamento social neste momento ainda é o único remédio disponível. Agentes da Limpurb iniciaram limpeza nas regiões afetadas (Arisson Marinho/CORREIO) Limpeza Nesta sexta, a população da Boca do Rio se deparou com agentes da Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb) realizando a limpeza do bairro antes do início das medidas mais restritivas de isolamento. A ação também aconteceu na Avenida Joana Angélica e em Plataforma.

Para a dona de casa e moradora da Boca do Rio, Ana Carolina Nunes, a limpeza mostra que a prefeitura de Salvador está atuando na luta contra o coronavírus. "Achei legal. Me senti mais segura pois estamos sendo bem amparados pela prefeitura", disse.

Os trabalhos das equipes de limpeza apenas começaram nesta sexta com a lavagem das ruas com água e um detergente específico, a varrição, a capinação e a limpeza das vias. A desinfecção com o hipoclorito de sódio ainda vai ocorrer.

A limpeza e desinfecção vão ocorrer ao longo dos dias em diversos locais dos bairros incluídos na medida restritiva, como unidades de saúde, lotéricas, pontos de ônibus, estações de transbordo e cemitérios.

*Com orientação da subeditora Clarissa P