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Sem autenticidade comprovada, documento lido pelo presidente gerou onda negativa nas redes
Jairo Costa Jr.
Publicado em 13 de março de 2021 às 06:25
- Atualizado há um ano
Suicídio sempre teve espaço no repertório de polêmicas que marcaram a conduta do presidente da República durante a pandemia. Em 30 de março de 2020, quando as medidas de isolamento começaram a pipocar no Brasil, Jair Bolsonaro afirmou que as restrições levariam ao salto de ocorrências do tipo. No último dia 4, riu ao mostrar uma reportagem que, segundo ele, atestava a tese. A onda de mal-estar gerada por suas abordagens sobre o tema começou a ganhar corpo na quinta-feira passada e cresceu gradativamente ao longo das 24 horas seguintes.
Em movimento simultâneo, o "filho 03" do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), subiu mais um degrau na escada do mal-estar. Pelo Twitter, divulgou a foto da carta e expôs imagens do corpo do feirante, com a legenda "Lockdown mata" e a seguinte postagem: “Carta antes do suicídio na Bahia… Minhas condolências a família. A crise de 1929 nos EUA é famosa não só pelo 'crash' da bolsa de Nova York, mas também por ter mostrado ao mundo que dificuldades econômicas levam ao suicídio”. O caldo começava a engrossar de vez.
Reação A avalanche contrária foi instantânea. Em resposta, centenas de usuários cobraram das redes sociais que as postagens fossem retiradas do ar e pediram a suspensão das contas de ambos, já que tais plataformas virtuais adotam regras rígidas de prevenção ao suicídio e preveem uma série de penalidades aos que as infringem. O Twitter aplica punições contra quem “promova ou incentive comportamentos de automutilação e apoia quem se submete a experiências com pensamentos de suicídio e automutilação”.
Na manhã da sexta, a postagem do filho de Bolsonaro já não estava disponível. Se foi apagada pelo próprio deputado ou removida por decisão do Twitter, ninguém sabia até o fim do dia. De certo, é que a repercussão negativa tem como base as orientações que norteiam a divulgação de casos do tipo. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, criou um manual específico sobre como noticiar suicídio. Nele, recomenda-se abandonar teses que ligam a prática a “mudanças culturais ou à degradação da sociedade”, já que o ato pode ou não estar relacionado a causas objetivas e possuir múltiplas motivações. Pior ainda quando se desconhecem as verdadeiras circunstâncias do ato e a identidade da vítima.
O manual aconselha ainda que se evite mostrar o suicídio de "maneira simplista". A OMS pede que figuras públicas, ao divulgar ou comentar casos dessa natureza, divulguem serviços de saúde mental disponíveis por meio de sites e canais de atendimento por telefone. A lista de orientações da entidade inclui também não compartilhar fotos do corpo da vítima, cartas e detalhes do método, bem como tratar casos com sensacionalismo ou atribuir culpas. Exatamente o que fizeram pai presidente e filho deputado, ao condenar as restrições pela ação desesperada supostamente cometida pelo feirante baiano.
Padrão copiado A preocupação com o tratamento cauteloso sobre um dos tabus da sociedade se deve ao chamado "efeito imitação", descrito por autoridades em saúde mental de todo o mundo como a possível deflagração de suicídios decorrentes da notícia de um caso consumado. Geralmente, ocorre quando um ou mais indivíduos em estado emocional e psicológico abalado se identificam com a vítima e buscam tal caminho como solução única para pôr fim aos problemas que os afetam.
Ainda que não existam provas de que a carta lida por Bolsonaro e replicada nas redes relate um episódio real, o sofrimento vivido por milhões de pessoas que tiveram a sobrevivência ameaçada pela crise é tão concreto quanto o eventual surgimento de mortes com o mesmo padrão.
Onde procurar ajuda 24 horas em situações de desespero
Centro de Valorização da Vida Serviço de auxílio a pessoas com tendência de suicídio. Pode ser acionado pelo telefone, através do número 188.
Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio Oferece apoio por meio do número (71) 3103-4300