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Da Redação
Publicado em 20 de maio de 2022 às 20:54
É enganosa a afirmação de que Jair Bolsonaro (PL) entregou 84% das obras da Transposição do rio São Francisco. Apesar do presidente ter retomado 222 km que haviam sido retirados do projeto original por administração anterior, a execução da obra atravessou outras três gestões federais que, juntas, entregaram mais de 90% da infraestrutura do empreendimento, considerando a extensão inicial – de 477 km.>
Conteúdo investigado: Trecho inicial de vídeo de aproximadamente 13 minutos, publicado no Facebook, em que um homem afirma que Bolsonaro teria aumentado de 500 para 3 mil km a extensão da Transposição do rio São Francisco, sendo o responsável por 84% das obras concluídas do projeto. O autor afirma ainda que o percentual teria sido contestado pela presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, a quem atribuiu divulgação de “fake news”.>
Onde foi publicado: Facebook.>
Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo em que o youtuber Marcos Mendes diz que Jair Bolsonaro é “pai de 84% da transposição do rio São Francisco”. Na publicação em questão, Marcos faz uma “checagem” de uma fala atribuída a Gleisi Hoffmann, presidente do PT, e diz que o presidente da República aumentou a extensão da transposição de 500 para 3 mil km, sendo responsável pela conclusão de boa parte da obra. Segundo o youtuber, Gleisi teria dito que Bolsonaro não concluiu 84% da transposição, afirmação que Marcos Mendes classifica como mentirosa.>
O Comprova checou e constatou que, embora tenha ampliado a extensão da obra, Bolsonaro não concluiu 84% da transposição, como sugere o autor do vídeo. A declaração atribuída a Gleisi Hoffmann não foi localizada e a assessoria da deputada, contactada no dia 12 de maio, não retornou.>
O que o governo Bolsonaro fez, além de inaugurar um dos trechos finais do eixo Norte da obra, em junho de 2020, foi retomar o projeto original da transposição, que previa a construção dos ramais Agreste, em Pernambuco, Apodi (que atende Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) e Salgado. Com essa retomada, a extensão da obra, que era de 477 km quando Bolsonaro assumiu o poder, passou para 699 km. Até agora, porém, apenas o Ramal Agreste foi entregue pela atual administração.>
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), não é possível dizer quanto da Transposição Bolsonaro entregou (em porcentagem ou quilômetros) porque a gestão atual utiliza indicadores diferentes das anteriores, além da dimensão do projeto também ser outra. Enquanto as administrações passadas contabilizavam o progresso da obra a partir do percentual de execução (entrega das estruturas físicas), o governo Bolsonaro trabalha com o percentual de operacionalidade e investimento.>
Além do projeto de transposição, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) promete realizar um total de 3 mil km de canais e adutoras. A obra básica de 699 km está incluída neste total e o restante são, de acordo com o próprio ministério, obras complementares ao projeto. O autor do vídeo investigado aqui considerou que o governo ampliou a transposição de 477 km para 3 mil km, o que não é verdade, também segundo o governo federal. A pasta ainda afirmou que não há um prazo estabelecido para o término dos trabalhos.>
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de maio, o vídeo teve mais de 1,2 milhão de interações, entre comentários, curtidas e visualizações.>
O que diz o autor da publicação: Procurado via e-mail, o youtuber Marcos Mendes não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova.>
Como verificamos: A equipe do Comprova consultou o site oficial do governo federal, em que, na aba do Ministério do Desenvolvimento Regional, constam informações sobre a transposição do rio São Francisco. Também fez contato com a pasta por e-mail, enviando questionamentos complementares sobre a extensão e o andamento do empreendimento.>
Paralelamente, os checadores buscaram reportagens sobre o tema na internet (G1, G1, Estadão), incluindo verificações anteriores do Comprova (1, 2, 3, 4) e de outras agências de checagem, como Estadão Verifica, Agência Lupa e Aos Fatos.>
Depois, o Comprova buscou publicações feitas no site oficial do governo federal desde o início da gestão Bolsonaro, que assumiu a Presidência em 2019, e também por administrações anteriores. Uma delas, inclusive, havia sido retirada do ar, mas foi recuperada pela ferramenta Wayback Machine.>
A equipe ainda fez contato por e-mail com o autor do post para que detalhasse o cálculo e a origem das informações apresentadas no vídeo.>
A obra Considerada a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil, a Transposição do Rio São Francisco tem como objetivo abastecer rios de municípios no Nordeste que perdem volume durante temporadas de estiagem. O governo federal estima que, ao ser concluída, a Transposição (eixos Leste, Norte e ramais) será capaz de assegurar abastecimento a 12 milhões de habitantes de, pelo menos, 390 municípios da região.>
A obra, que consiste na construção de canais, reservatórios e estações de bombeamento para integrar as águas do rio a outras bacias hidrográficas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, é dividida nos eixos Leste e Norte.>
O eixo Leste tem 217 km e vai do município de Floresta, em Pernambuco, até Monteiro, na Paraíba. Já o eixo Norte possui 260 km de canais que transportam as águas do reservatório de Milagres, em Pernambuco, até o reservatório de Jati, no Ceará.>
A Transposição teve início em 2007, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando o então Ministério da Integração Nacional realizou a licitação da obra com o Projeto Básico, que previa 699 km de extensão – considerando, além dos 477 km dos eixos Norte e Leste, os ramais do Agreste (71 km), Apodi (115 km) e Salgado (36 km). A construção começou no ano seguinte, com promessa de conclusão em 2012.>
Sem a finalização das obras, o projeto original sofreu uma redução em 2013, passando de 699 km para 477 km de extensão, segundo a gestão atual. A conclusão da Transposição foi prorrogada para 2015, quando ocorreu a entrega da primeira estação de bombeamento da obra, no eixo Norte, pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Dois anos depois, o eixo Leste foi inaugurado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).>
Por conta dos atrasos e problemas de planejamento e execução, o custo da obra, orçada inicialmente em R$ 4,5 bilhões, passou para R$ 14,6 bilhões – que corresponde ao valor desembolsado até o momento. De acordo com a gestão atual, de 2008 a 2010 foram pagos R$ 2,1 bilhões (ou seja, 14,5% do total de investimentos); de 2011 a 2015 foram R$ 6,1 bilhões (42,1%); de 2016 a 2018, R$ 2,8 bilhões (19,38%); e de 2019 a 2021 foram investidos R$ 3,4 bilhões (23,9%).>
O que foi feito na gestão de Bolsonaro>
Procurado, o MDR afirmou que, além de inaugurar um dos trechos finais do eixo Norte em junho de 2020, o governo Bolsonaro retomou o projeto original, que previa a construção dos Ramais do Agreste, Apodi e Salgado – ampliando a extensão da obra para 699 km.>
Em 2021, foi entregue a execução do Ramal do Agreste. O Ramal do Apodi teve início no mesmo ano, e o do Salgado teve licitação aberta em 2022 – ambos ainda não foram entregues pelo governo federal.>
Desta forma, o empreendimento não está totalmente concluído. Atualmente, considerando a extensão total da Transposição (eixos Norte, Leste e ramais), estão em operação 548 km, que correspondem aos dois eixos e o Ramal do Agreste. Segundo o site do MDR, atualizado em 2021, restam ainda serviços complementares, como tratamento dos taludes, melhoria de estradas de acesso, execução de sistema para águas pluviais e instalação de equipamentos auxiliares de monitoramento no eixo Leste, e recuperação de tubulações no Norte.>
Em fevereiro deste ano, junto do anúncio da chegada das águas do São Francisco ao Rio Grande do Norte, o atual governo afirmou que pretende expandir as obras previstas no projeto original em 3 mil km, mas não especificou prazo de finalização.>
“Cerca de 3 mil quilômetros de canais e adutoras também foram, estão ou serão construídos pelo Governo Federal para levar água ao semiárido nordestino. Além de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, essas estruturas vão ainda mais longe, atendendo outros estados, como Alagoas, Sergipe e Bahia”, cita trecho de reportagem do MDR, publicada em 9 de fevereiro de 2022.>
Ao Comprova, o MDR informou que os 3 mil quilômetros de canais fazem parte de obras complementares ao projeto de Transposição (699 km) a fim de “tornar viável a captação de água diretamente do rio São Francisco e de outras bacias e distribuição dessa água ao semiárido nordestino”.>
De acordo com o órgão, além dos quatro estados originais (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte), as novas estruturas irão atender outras regiões do país, como Alagoas, Sergipe e Bahia, alcançando 3 mil quilômetros de canais e ramais.>
Em 2021, conforme o MDR, foram entregues o quarto trecho do Canal do Sertão Alagoano – que teve a primeira parte da obra inaugurada por Dilma Rousseff em 2013 – e o Ramal do Agreste Pernambucano. Neste ano, foi concluída a primeira etapa das Vertentes Litorâneas da Paraíba.>
Entre as obras em execução estão o Cinturão das Águas do Ceará (CAC), que tem conclusão prevista para dezembro deste ano, a segunda etapa das Vertentes Litorâneas, a Adutora do Agreste Pernambucano e a Barragem de Oiticica, no Rio Grande do Norte.>
Já o Ramal do Piancó, na Paraíba, o Sistema Seridó, no Rio Grande do Norte, o Canal do Sertão Baiano e o Canal do Xingó, em Sergipe, estão em fase de elaboração de estudos e projetos básicos.>
Conforme a administração federal, com essas obras totalmente concluídas, cerca de 16,5 milhões de brasileiros, de 565 municípios de sete estados nordestinos, serão beneficiados. O MDR, no entanto, não informou qual a porcentagem de obras concluídas até o momento.>
Indicadores diferentes>
Um relatório do antigo Ministério da Integração Nacional, de 2016, aponta que, naquele ano, os eixos Leste e Norte apresentavam 84,4% e 87,7% das estruturas físicas concluídas, respectivamente.>
Outro documento, publicado em novembro de 2017 (gestão Michel Temer) pela Controladoria Geral da União (CGU), mostra que, mais de um ano antes de Bolsonaro chegar à Presidência, todos os segmentos do eixo Norte já tinham ao menos 92,5% de execução física concluída. Os mesmos dados aparecem numa página do Ministério da Integração Nacional, que foi retirada do ar, mas recuperada por meio da ferramenta Wayback Machine.>
Em e-mail ao Comprova, o MDR argumentou que os percentuais de execução divulgados pelas gestões passadas “consideravam o modelo anterior de medição e não levavam em consideração a retomada do projeto inicial da Transposição”, o que faz com que os dados divulgados pelo governo Bolsonaro não coincidam com os apresentados por governos anteriores, uma vez que estão baseados em indicadores diferentes.>
Enquanto os governos passados levavam em conta apenas os dois eixos estruturantes Norte e Leste, com 477 km, a gestão atual considera a retomada do projeto original, que, junto aos Ramais Agreste, Apodi e Salgado, soma 699 km.>
“Mesmo os percentuais divulgados sobre a execução das obras físicas dos dois Eixos da Transposição não representam a realidade, já que, em decorrência das longas paralisações e necessidade de reparos em diversas estruturas e trechos concluídos, houve regressão nesses percentuais, necessidade de novos investimentos, bem como atrasos no término do empreendimento”, afirmou a pasta.>
Além disso, enquanto as administrações anteriores utilizam como indicador a porcentagem de obras físicas concluídas (execução física), a atual se baseia no percentual de obras em funcionamento (operação).>
“Até 2016, a água havia chegado até o quilômetro 42 do eixo Norte e até o 35 do Leste, apresentando 16% e 15%, respectivamente, de operacionalidade. Até 2018, o Leste alcançou 100% de operação e o Norte estava com 31%. Somente em 2021, com o reparo de problemas estruturais graves e a realização de investimentos, os dois eixos chegaram a 100% da capacidade de operação e estão com a água percorrendo os 477 quilômetros.”>
E os 84%?>
Como o autor do vídeo, o youtuber Marcos Mendes, não respondeu os questionamentos do Comprova, não é possível afirmar como exatamente o cálculo foi feito. Pelo conteúdo do vídeo, porém, pode-se constatar que o autor assume como 500 km a extensão da Transposição durante os governos petistas (que era, na verdade, de 477 km) e como 3 mil km a extensão da Transposição no governo Bolsonaro.>
Considerando que o empreendimento teria uma extensão total de 3 mil km (ou seja 100%) e que as gestões anteriores teriam entregue somente 477 km (ou seja 16%), segundo alega o youtuber, o governo Bolsonaro seria responsável por 2.523 km, ou 84% das obras.>
Entretanto, esses 3 mil km citados no vídeo, segundo o MDR, são obras complementares ao projeto da Transposição (de 699 km) e não foram totalmente concluídas pelo governo Bolsonaro, como sugere o autor. Também o próprio MDR informa, em texto publicado em fevereiro deste ano, que “cerca de 3 mil quilômetros de canais e adutoras também foram, estão ou serão construídos pelo Governo Federal para levar água ao semiárido nordestino”. Ou seja, não é possível afirmar que o governo finalizou a construção de 84% das obras da transposição.>
Quem é o autor do vídeo?>
Marcos Mendes é um youtuber e apoiador do atual presidente do Brasil. No YouTube, Mendes tem 54,5 mil inscritos e define o canal como “de direita, conservador, patriota, Brasil acima de tudo”. Ele também é administrador de uma página no Facebook que possui mais de 2 milhões de seguidores.>
Em todas as redes sociais, Mendes costuma publicar conteúdos políticos a favor de Jair Bolsonaro e com críticas ao PT, principalmente ao ex-presidente Lula.>
Outros conteúdos publicados pelo youtuber já foram alvo de checagens de agências de verificação. Em maio de 2020, por exemplo, o Comprova mostrou ser enganoso um vídeo de Mendes em que ele afirma que o governador da Bahia teria pedido a prefeitos para inventarem casos de covid-19.>
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A paternidade da transposição do Rio São Francisco, considerada a maior obra de infraestrutura hídrica do país, vem sendo disputada por três pré-candidatos a presidente da República nas eleições de 2022: Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL). Publicações que exaltam feitos de presidenciáveis e são baseadas em informações enganosas podem influenciar negativamente na escolha do eleitor, o que é prejudicial ao processo democrático. A decisão sobre o candidato deve ser tomada com base em informações verdadeiras e confiáveis.>
Outras checagens sobre o tema: Além do conteúdo desta checagem, outros materiais voltaram a circular nas redes sociais exaltando o papel do governo Bolsonaro nas obras do Rio São Francisco, em detrimento do que foi realizado por administrações anteriores. O Comprova já mostrou que posts fizeram comparações enganosas sobre as obras da transposição para exaltar Bolsonaro; que postagens sobre a transposição inflam responsabilidade de governo Bolsonaro por andamento das obras; que obras no São Francisco em Cabrobó foram entregues por Dilma e Temer; e que o Exército não refez todo o trecho da transposição do São Francisco inaugurado por Temer e Lula.>
Conteúdos enganosos envolvendo a Transposição do São Francisco também foram alvo de checagens do Estadão Verifica (1, 2, 3), da Agência Lupa e da Aos Fatos.>