Bolsonaro, o carisma e encantamento próprio

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  • Da Redação

Publicado em 23 de março de 2019 às 15:15

- Atualizado há um ano

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Na primeira metade do século XX, o sociólogo alemão, Max Weber, sustentou uma tese de que é comum nas sociedades surgirem, esporadicamente, figuras carismáticas: líderes, heróis, profetas que se atribuem a algum tipo de poder sobrenatural ou extracotidiana contra um mundo recheado de infortúnios e sem sentido. Personagens carismáticos têm a capacidade de impor poder através de uma dominação baseada em puros afetos, distantes de ações racionais ou de hábitos tradicionais. Revelação, milagres, veneração, provas, confiança são conteúdos que legitimam a segurança no poder pessoal, garantindo obediência por parte dos envolvidos.

Ao encarnar o discurso heroico de expurgar os males da sociedade, o líder faz com que as pessoas sejam tocadas intimamente, seduzindo-as a algum entusiasmo e esperança à falta de sentido da História, ou, simplesmente, da fria, mecânica e desencantada vida. As condições sociais ou existenciais são tão cruéis e injustas, que deve haver alguém que traga uma solução rápida, imediata. Uma direção sábia.

Mas para Weber, depois que essa explosão de afetos, esperanças e discursos de um mundo melhor acalmem os ânimos, surge, normalmente, a rotinização do carisma. Rotinização significa a tendência que o dia a dia volte a ser organizado pela lógica da racionalidade das ações e práticas regulares (imputada por homens públicos, políticos, partidos, juízes, por exemplo), resguardada por códigos e costumes comuns a sociedade. Conclusão: o poder pessoal perde a fascinação inicial.

Jair Bolsonaro pode ser considerado uma figura extracotidiana, que surge como bastião da justiça e valores elevados para um país degradado pela corrupção, violência e ideologias predatórias. Mas, após ganhar as eleições e assumir o posto de presidente da República, o atual chefe administrativo assume uma uma gerência pública que já foi exercida por muitos outros. Ele deve se despersonalizar em favor das instituições, respeitando os limites, deveres e obrigações formais da função. Portanto, um processo obrigatório de rotinização do carisma, afinal, teoricamente, ninguém deve estar acima do que autoriza a Constituição.

Contudo, Bolsonaro tem resistências claras ao enquadramento racional e obrigatório da ordem pública: ele usa alternativas para não deixar apagar a chama do carisma aos seus adeptos, e a saída é a rede social, com uso do facebook, instagram, twitter, youtube. Há uma clara tentativa de impedir a rotinização do carisma utilizando ferramentas virtuais extraoficiais.

 Ao manter uma relação personalista, direta, sem filtro com a população, alimentando o "espírito do bolsonarismo", o presidente deixa claro que a impessoalidade da função pública, que lhe cabe, não vai impedi-lo de manter um encantamento próprio: discurso contra os possíveis inimigos da pátria, outsider das impurezas da política e da cultura, e sua aura de capitão salvador. Um esforço de travar a rotinização. Se será bem-sucedida ou não, só o tempo dirá.

Alan Rangel Barbosa é doutor em Ciências Sociais pela UFBA e professor da Faculdade Fundação Visconde de Cairu. 

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