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Gabriel Galo
Publicado em 27 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
A saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, como esperado, causou frisson. Principal personagem do antipetismo e maior articulador da operação Lava-Jato, Moro se despediu atirando. Abertamente, acusou Bolsonaro de crimes comuns e de responsabilidade, enquanto, descuidado, também deixou brechas para si.
Às 17h do mesmo dia 24 de maio, Bolsonaro retrucou, ao seu jeito. Num discurso errático e desconexo, atacou Moro enquanto listava elementos sem sentido.
Publica e sabidamente, as pressões de Bolsonaro para obter informações, sigilosas ou não, há muito se fazem presentes. As solicitações de substituição de Valeixo no comando da PF também datam do ano passado.
O que fez, então, com que a troca, até então solicitada mas não efetivada por Bolsonaro, atingisse um nível de urgência tal que fizesse o presidente ir contra a sua promessa de carta branca ao ministro? Já do lado de Moro, o que justifica que finalmente se cansasse da fritura que sofria, apesar dos serviços prestados ao bolsonarismo? Por que a relação se deteriorou ao ponto de atingir o seu ápice justamente em meio a uma pandemia e na beira de uma hecatombe sanitária e econômica?
As movimentações em Brasília entregam indícios.
No dia seguinte ao duelo de coletivas, como uma das contrapartidas pelo embarque do Centrão-do-bem (sic) no seu governo que busca coalizão e uma contagem de votos que elimine qualquer chance de impeachment, Bolsonaro entregou a presidência do estatal Banco do Nordeste ao deputado Arthur Lira (PP-AL). Lira é um dos muitos réus da Lava-Jato, no que pode ser interpretado como uma afronta direta ao ex-ministro provocada pelo fisiologismo da Realpolitik.
Talvez venha daí a união que transborde o copo para todos.
Porque, adicionalmente, conforme externado em diversos momentos, Bolsonaro tem um ponto fraco: os filhos. Desde a descontrolada live na Arábia até a réplica de sábado último, o presidente envolve os filhos mesmo quando o assunto não está diretamente conectado. Pois no mesmo sábado estouraram reportagens de investigações em andamento que ligam Flávio aos imóveis da milícia carioca, e Carlos à indústria de difamação e ataque a adversários.
O momento, então, passou a ser singular, de absoluta insustentabilidade de ambos os lados. Pelo presidente, viu-se a necessidade de forçar a demissão para sobreviver no Planalto, enquanto buscava escudo para a prole e aliados. Por Moro, a inegável e vergonhosa realização de ter se juntado a uma política que não aceita puritanismo, de que ele próprio é elemento descartável, e que, bem, com o barco afundando, é melhor pular fora antes de morrer afogado.
Esta novela, no entanto, ainda está longe de terminar. Depois de tantas e tão graves acusações e confissões de malfeitos, há que se manter a chama acesa, para que a impunidade não impere. Porque, para Moro e Bolsonaro, o melhor é fingir que nada aconteceu, mas para o país, se o discurso anticorrupção realmente faz parte da visão de algum deles, que as provas sejam apresentadas, mesmo a alto custo pessoal.
Enquanto isso, a Covid-19 segue sua curva ascendente, mas ninguém reparou muito. No embate de egos e fisiologismo, corpos são empilhados invisíveis sob a fábrica de crises de Brasília.
Gabriel Galo é escritor.