Bonfim ganha monumento pelo fim da intolerância religiosa

Obra de arte representa a união entre as religiões e a busca pelo equilíbrio interior

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  • Gil Santos

Publicado em 6 de março de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/ CORREIO

Toda primeira sexta-feira do mês é igual para a cartomancista e baiana de acarajé Marilene Barbosa, 43 anos. Ela sai da Liberdade, bairro onde mora, e vai até a Basílica Santuário Senhor do Bonfim, na Cidade Baixa, para fazer pedidos e agradecimentos. Mas desta vez foi especial. Nesta sexta (5), ela contou que a graça alcançada deixou o coração dela em paz e aproveitou para fazer um pedido por outro tipo de paz.

“Há muito tempo eu estava pedindo por meu filho, para ele conseguir um emprego, e finalmente isso aconteceu. Ele foi aprovado depois do período de experiência e eu vim agradecer. Além disso, pedi pelo fim da pandemia, para que a gente possa ter um momento de paz nessa confusão toda”, disse. Marilene (em pé) e a irmã dela, Marileide, vão à missa às sextas-feiras (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) E foi justamente a palavra ‘Paz’ que Marilene encontrou ao sair da missa. As letras são uma obra de arte criada a pedido do reitor da Basílica do Senhor do Bonfim, padre Edson Menezes, para lembrar a importância do respeito entre as religiões e inspirar a reflexão entre os fiéis. Ele disse que, apesar da palavra ter apenas três letras, representa algo grandioso.

“A paz é o que nós mais necessitamos e foi um dom que Jesus Cristo nos concedeu. Então, independentemente de raça, cor ou religião, todos os povos precisam de paz, e a paz é aquela construção que nós realizamos através de ações amorosas. É o que a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 está propondo, que nesse momento de tantas divisões, de pandemia e notícias ruins, nós todos necessitamos de paz interior, entre as nações e entre as religiões”, afirmou. Padre Edson (camisa azul) afirmou que a paz é resultado também das ações individuais (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Este ano o tema da Campanha é ‘Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor’ e o lema: “Cristo é a nossa paz. Do que era dividido fez uma unidade”. Antes da inauguração da obra de arte houve uma missa em que parte das orações foi direcionada às vítimas da pandemia.

Na Bahia, o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela já registrou 232 denúncias de crime de ódio religioso desde que foi implantado, em 2013. No ano passado, mesmo com a pandemia, foram 29 ocorrências. Apesar de impressionar, os números não refletem a totalidade de casos porque muitas vítimas não registram queixa. Houve orações na missa pelo fim da pandemia (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Obra de arte O monumento foi instalado em frente à Basílica, e cada letra tem 1,20 metro de altura e 27 centímetros de profundidade. A obra foi produzida pelo artista plástico Ito Pedreira e confeccionada em dois dias. O material usado foi isopor, e símbolos religiosos foram gravados em cada uma das letras fazendo referência ao cristianismo, candomblé e judaísmo, entre outras crenças. Esse detalhe também foi um pedido da Igreja.

“A inspiração veio de todo esse problema que estamos enfrentando, uma questão mundial, onde há essa diversidade [de religiões], e em que essa diversidade provoca desentendimentos e preconceitos. O objetivo é a união das religiões, porque a função principal que cada uma delas busca é o bem comum, o bem-estar da humanidade, então, o que precisamos é nos unir”, disse. Ito Pedreira produziu as peças em dois dias (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Um tecido estampado em forma de muralha foi posto sobre o monumento antes da inauguração, e a retirada dele, nas palavras do padre, representou a queda do muro que divide as religiões. Nem bem a cerimônia acabou e o local se transformou em um ponto turístico, servindo para todos os tipos de selfies.

Para o rezador Marcelo Conceição, 43, mais conhecido como Marcelo de Oxóssi, esse tipo se ação é importante, principalmente em um momento em que a humanidade está sendo posta à prova, mas ele frisou que não pode se restringir a uma ação turística. Ele concordou com as palavras do padre e convidou as pessoas à reflexão.

“A igreja do Bonfim é uma das mais tradicionais da nossa cidade, com fiéis de todas as religiões. Eu sou do axé há muito tempo, mas também me considero católico. O que me deixa triste algumas vezes é que as pessoas aproveitam desse espaço e das nossas festas para fazer fotos, mas no dia a dia desfazem da nossa religião. Deus é um só, e Deus é amor. Não podemos esquecer isso”, afirmou. Marcelo de Oxóssi cobrou respeito entre as religiões no dia a dia (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) O monumento inaugurado nesta sexta-feira ficará à disposição do público na porta da igreja até o fim da quaresma, em 3 de abril. O padre ainda não decidiu o que fará com a obra após esse período.

Segundo a Lei 9.459/ 1997, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional é crime, com pena de reclusão de um a três anos e multa. O atendimento presencial foi suspenso no Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, em função do decreto de interrompeu atividades não essenciais, mas está sendo realizado de forma remota. A unidade oferece atendimento e acolhimento gratuitos para as vítimas.

Confira como denunciar:

Telefone: (71) 3117-7448/7447 E-mail: [email protected]