Brasil, mostra a tua cara

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  • Malu Fontes

Publicado em 8 de outubro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Os brasileiros disseram nas urnas: queremos um segundo turno. Além disso, a única certeza absoluta que tenho é a de que, nunca em sua história como nação, o Brasil mostrou tanto a sua cara quanto nos últimos meses. Um país não começa a arrancar suas máscaras, rasgar suas fantasias, revelar-se, mostrar a sua cara sem maquiagem, mudar de rota radicalmente, inocular em si tanta raiva e ódio, da noite para o dia. Parece clichê, mas é verdade: tudo na vida é um processo que começa em algum instante lá atrás, exceto alguns acidentes, a minoria deles.

Embora seja impossível precisar o instante exato em que essa polarização política extrema começou a acontecer, identificar o ponto zero desse arrancar das máscaras brasileiras, os protestos nas ruas em 2013, cujas causas muita gente até hoje não entendeu muito, são um bom objeto simbólico para colocar nesse lugar. Ali, um ovo de uma serpente muito diferente e muito mais venenosa do que aquelas que conhecíamos saiu de alguma cloaca. E um ovo de serpente não é posto, nem chocado e nem eclode por geração espontânea, do nada. Mesmo que seja um ovo social, político, metafórico, como esse do qual estamos falando.

ÓDIO SÓLIDO Esse nível de ódio manifestado por milhões de brasileiros que foram votar ontem, visto em todas as classes sociais, faixas etárias, orientação sexual, gênero, credos, partidos etc., tem árvore genealógica sim. Pais, mães, parentes. E cada um de nós, desde quem o vem manifestando há anos a quem só sabe apontá-lo até quem é incapaz de fazer uma autocrítica que busque um diagnóstico para a fertilização do ovo, também é parte dessa árvore. Os métodos como cada um participou do nascimento da serpente podem ter sido diferentes, mas todos nós temos uma representaçãozinha nesse nascimento.

O fato é que independentemente do resultado do segundo turno, vamos levar muito, mas muito tempo mesmo, para voltarmos a ser o que éramos antes da polarização entre nós e eles, coxinhas e petralhas, esquerdopatas e direitistas. Passamos um tempinho chamando tudo de líquido, desde que o filósofo polonês Zygmunt Baumam criou o conceito de liquidez, para traduzir as novas formas de tudo na virada do século. Amor líquido, modernidade líquida, tempo líquido. Tudo efêmero, abstrato, fugaz, imaterial. Tudo é líquido e escorre por entre os dedos, sem permanência. Aí, de 2013 para cá, com direito a agigantar-se com uma solidez colossal às vésperas dessas eleições, instaurou-se o ódio sólido entre os brasileiros.

BICHO A condição para as agressões entre odiadores e odiados não exige distância afetiva, parental, geográfica, racial. A política sozinha dava conta de abastecer a raiva entre irmãos, amigos, casais e, claro, entre os desconhecidos que, numa teclada só, se tornam inimigos íntimos nas redes sociais. Diante desse ódio sólido entre os brasileiros, muita gente ainda se mantém cega ao denominá-lo de politização. Na prática, o que se chama aqui e acolá de interesse político e de participação está mais para a incorporação do modus operandi das torcidas organizadas de futebol, aquelas bem raivosas que vão para os estádios com vontade não apenas de ver seu time ganhar, mas dispostas a matar fisicamente o time opositor e a torcida adversária.

Nesse instante, temos entre nós, disfarçado de politização e interesse por política, um monstro enorme completamente inoculado de raiva, a doença, não apenas o sentimento. Cada um de nós, odiadores e odiados, seremos forçosamente obrigados a aprender a lidar com esse bicho doente. Os próximos dias serão difíceis e a loucura nacional não será pequena. Nessa eleição, o Brasil mostrou a cara e ela não era boa. Era uma cara de mau, com u. Muito mau.